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11 jogadores para os 110 anos do Boca Juniors

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Hoje o Boca Juniors está longe de compreender apenas os “filhos do bairro de La Boca”, significado literal de seu nome. Projetou-se nacionalmente a ponto de ser não apenas La Mitad Más Uno, “a metade mais um” dos torcedores argentinos, mas também um dos maiores clubes do planeta. Compreensivelmente, a história boquense não nasceu com tamanho porte, mas pode-se afirmar perfeitamente que o clube já era sério e vitorioso – e mesmo popular – naqueles seus primórdios.

No Novecento argentino, La Boca era um bairro portuário e operário em ebulição. A vizinhança na época já não era recomendável entre os mais abastados: o Club Atlético Boca Juniors surgiu em meio à lendas de que em seus entornos crianças eram devoradas. Afinal, menos de um ano antes o deputado Alfredo Palacios elegia-se em 1904 como representante do bairro no Congresso Nacional, tornando-se o primeiro político socialista eleito nas Américas. Naquele mesmo ano de 1904 e não em 1901, os clubes locais Santa Rosa e La Rosales fundiam-se para formar o River Plate. Mas La Boca também contava com um certo Independencia Sud, formado ainda em agosto de 1903. Mas não era um clube no sentido formal, e sim apenas um punhado de garotos a jogar bola.

Seu presidente, Pedro Moltedo, inclusive atuava também pelo La Rosales e juntou-se inicialmente ao River Plate, como o primeiro goleiro da história do vizinho. No início de 1905, o Independencia Sud, que chegou a enfrentar o River, sofreu uma debandada de seus membros. Cinco remanescentes, insatisfeitos, queriam formar um clube de verdade, a sério. A tradição conta que Esteban Baglietto, Alfredo Scarpatti, Santiago Sana e os irmãos Juan e José Farenga reuniram-se pela primeira vez a respeito em 1 de abril, na Praça Solís. O encontro prosseguiu no dia seguinte para a casa de Baglietto.

Àquela altura, não eram apenas cinco mas trinta pessoas a enlouqueceram a mamma Baglietto, que expulsou a algazarra, a continuar novamente na praça as deliberações. Outro dia depois, naquele 3 de abril de 1905, o pai de Baglietto autorizou que o encontro voltasse à casa. Foi então nomeada a primeira comissão executiva. O anfitrião Esteban Baglietto tornou-se o primeiro presidente. Sana, primeiro pró-secretário e também um estudante de inglês, propôs o nome. Scarpatti foi o primeiro secretário. Juan Farenga foi definido como primeiro capitão. Outros cargos ficaram para outras pessoas além do quinteto inicial: Amadeo Gelsi como vice-presidente, Teodoro Farenga como tesoureiro e, como pró-tesoureiro, aquele tal Pedro Moltedo, cujas preocupações iam além das finanças.

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Quadro “Origem de la bandera de Boca”, de Benito Quinquela Martín, célebre por retratar o bairro de La Boca

Moltedo também listou as primeiras datas, escalações e jogos do Boca Juniors. Por isso, sabemos que cerca de três semanas depois, em 21 de abril de 1905, o nascente clube realizou sua primeira partida, na doca sul do porto de Buenos Aires, contra a Asociación Atlética Mariano Moreno. Moltedo foi o meia-direita e ali se configurou como o único homem a integrar os primeiros jogos de River e Boca, sendo, portanto, o primeiro vira-casaca da rivalidade. O Boca nasceu não apenas vitorioso como goleador: 4-0, com os fundadores Juan Farenga (duas vezes), José Farenga e Sana convertendo.

Se nasceu sério, vitorioso e goleador, não nasceu auriazul. Manuela Farenga, irmã dos fundadores, confeccionou uma camisa branca de três listras negras, sob as ordens de que “pode ser qualquer cor, menos branca e vermelha”. Nada a ver com o River: os fundadores não queriam imitar era o Alumni, o grande da época e que usava este uniforme, copiado por outro fundado naquele 1905, o Estudiantes. Em 1906, aquele grupelho de cinco em 1 de abril de 1905 que já era trinta um dia depois já tinha duzentos agregados consigo, a ponto do presidente já ser um dos novatos, Rafael Brichetto.

Naquele 1906, o Boca, então vestindo-se de branco com finas listras azuis na camisa, ganhou a liga central, seu primeiro troféu. Encorajou-se assim a enfim afiliar-se em 1907 na associação argentina. Foi também em 1907 que as cores suecas foram adotadas, propostas pelo presidente Brichetto. Inicialmente, a faixa dourada na camisa azul era diagonal. Mas imitação não era mesmo a característica daquele pessoal: foi só em 1908 que o River adotaria desenho parecido. O rival, inicialmente, teve mais sucesso. Conseguiu ascender primeiramente à elite, exatamente em 1908. O Boca só apareceria na primeira divisão nacional em 1913. Para, 102 anos depois, ser o único jamais rebaixado dela.

Mas cabe uma última anedota antes de passarmos à escalação: em 2 de fevereiro de 1911, o jornal La Mañana organizou a primeira enquete para saber qual dos rivais de bairro era o clube mais popular de La Boca. A iniciativa teve uma resposta furiosa um dia depois: “como você pode acreditar, Sir, que um concurso pode ser realizado comparando um clube de primeira divisão com um clube de segunda divisão? Não há dúvida de que o River irá vencer o concurso, um clube que por muitos anos tem conseguido resultados marcantes e ganhou a admiração de todos de La Boca”. As votações se encerraram em 16 de fevereiro e o anúncio saiu no dia 18: o Boca foi escolhido por 55.050 pessoas. O River, por 29.314.

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O presidente Brichetto, José Farenga, Pedro Moltedo, Alejandro Penney e Marcelino Vergara; Germán Grande, Arturo Penney e Juan Priano; Juan Farenga, Juan de los Santos e Luis Cerezo

O primeiro título na elite só viria em janeiro de 1920, mas o Boca já se firmava como potência antes: dois boquenses da década de 10, o goleiro Américo Tesorieri e o ponta-direita Pedro Calomino (considerado autor da pedalada), foram até 1945 os homens que mais haviam jogado pela Argentina, cada um 38 vezes. O restante da história xeneize é facilmente encontrado na Internet geral e, obviamente, em diversas notas do Futebol Portenho. A escalação pode surpreender. Afinal, desprezou ampla maioria dos integrantes das seis Libertadores vencidas. Ocorre que a força em todas elas, especialmente as dos anos 70, remanescia mais na solidez do conjunto do que em valores individuais.

Aplicação, aguerrimento e amor à camisa são pré-requisitos para fazer sucesso no Boca, mas o clube é grande demais para seu time dos sonhos contentar-se “só” com isso, razão para limarmos da escalação semideuses como Antonio Rattín, Guillermo Barros Schelotto, Rolando Schiavi, Sebastián Battaglia (o maior campeão no clube) ou Roberto Mouzo (homem com mais jogos). Da mesma forma, gente talentosíssima que passou pouco tempo e/ou ganhou muito pouco também ficou de fora, como o elogiado beque brasileiro Domingos da Guia e ninguém menos que Diego Maradona, furacão de um só título, em 1981: ao voltar nos anos 90, foi um fanfarrão, desfalcando diversas vezes a equipe por seus problemas físicos e químicos (e sem ganhar mais nada).

O técnico é indiscutivelmente Carlos Bianchi e ele foi outro critério norteador: jogadores individualistas e estrelistas, que não eram bons exemplos de líderes mesmo quando queridos pela torcida, não tinham vez (ele ordenou a dispensa de Claudio Caniggia e recusou Rivaldo). Só pudemos, como ele, tolerar o ultravencedor Riquelme, mas não o goleiro showman Hugo Gatti, dentre outros.

GOLEIRO: mesmo sem Gatti, colorido como as casas de La Boca e longevo (apenas nove jogos a menos que Mouzo, o que se volta contra Gatti: ganhou muito pouco para tanto tempo) mas um tanto irresponsável ao gostar de jogar quase como líbero fora da grande área e com isso tomar gols de cobertura, a dúvida foi grande: Claudio Vacca, goleiro dos anos 40 que serviu à seleção naquela geração dourada do futebol argentino como um todo e saía costumamente com feridas em carne viva por não se poupar na função? Antonio Roma, que defendeu um pênalti contra o River no fim de um Superclásico para garantir após oito anos um título nacional ao Boca em 1962, em taça disputada pelos dois rivais, e que se firmava mais que o mitológico rival Amadeo Carrizo na seleção?

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Córdoba, Sosa e capitão brasileiro Orlando

Arriscamos no colombiano Óscar Córdoba. Se não veio como desconhecido, foi por ter falhado na final da Libertadores de 1996 ganha pelo River, quando ainda defendia o América de Cali. Mas saiu como uma lenda. Em 2000, Boca e River ainda tinham o mesmo número de Libertadores: duas. O Boca, que vencera as suas longe, nos anos 70, renasceu para o mundo ao ganhar duas seguidas em 2000 e 2001. Sempre nos pênaltis, com ele pegando as dos palmeirenses Asprilla e de Roque Júnior em 2000 e a de Pablo Galdames, da Cruz Azul, em 2001 – quando, nas semifinais, outra vez pegou duas palmeirenses, de Alex e Basílio. Foram quatro anos de duas Libertadores, três caseiros, um mundial e uma eleição de segundo melhor goleiro do mundo, em 2001.

LATERAL-DIREITO: Hugo Ibarra foi o dono da posição nas quatro Libertadores do século XXI, mas a unanimidade se restringiu ao clube. Já Carlos Sosa é considerado o melhor que o futebol argentino já teve no posto. Foi da geração ocultada pela Segunda Guerra e que teve de se contentar com um tri seguido na Copa América (nenhuma outra seleção conseguiu isso). Lucho foi titular nas duas primeiras e só perdeu um jogo em treze pela Argentina. Em tempos onde o lateral apenas defendia, Sosa por vezes se somava ao meio-campo e também buscava o ataque, quase como um ponta, cruzando para gols de Mario Boyé ou Severino Varela. Atuou por dez anos e foi o técnico do título de 1954, a encerrar um jejum de outros dez anos, o maior da história do Boca.

ZAGUEIROS: sem Domingos da Guia, elegemos outro brasileiro, Orlando Peçanha de Carvalho. Orlando foi titular do Brasil na Copa de 1958 e fez sucesso como um central limpo, mas firme, no início dos anos 60. Os anos 50 não foram dos melhores para o Boca, com apenas aquele título de 1954. Mas os 60 foram muito bons. Orlando não apenas foi titular nas taças de 1962, 1964 e 1965, além do vice na Libertadores de 1963, como era o capitão do Boca nessas ocasiões. A seu lado, poderíamos colocar outro estrangeiro, o colombiano Sergio Bermúdez, também capitão, mas daquele Boca de Bianchi. Mas ele está na mesma categoria dos esforçados-aplicados de Rattín. Preferimos seu colega Walter Samuel, que além da reconhecida excelência técnica segue na retina boquense como autor do gol que recolocou o clube em uma final da Libertadores, sobre o América do México no estádio Azteca, na semi de 2000.

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Samuel, Marzolini e Lazzatti

LATERAL-ESQUERDO: Alberto Tarantini venceu a primeira Libertadores do Boca, em 1977 (sobre o Cruzeiro) e foi titular da primeira Copa da Argentina, em 1978. Mas cometeu o pecado de abandonar o clube para juntar-se ao River. Mas mesmo sem isso dificilmente superaria Silvio Marzolini, galã ícone daqueles grandes anos 60. De qualidade tanto na marcação como armando jogadas, foi eleito o melhor lateral-esquerdo da Copa de 1966, mesmo com a precoce e polêmica eliminação argentina. Em doze anos como jogador, ganhou cinco títulos, e obteve um sexto treinando o Boca de Maradona em 1981. A mais recordada volta olímpica foi a de 1969: pela primeira vez, o Boca sagrou-se campeão frente ao River dentro do Monumental. O rival acionou o sistema de irrigação para esfriar a volta campeã. Marzolini respondeu ao desaforo dando-a duas vezes.

VOLANTES: o River se gaba de sua La Máquina dos anos 40. O grande símbolo dela era o quinteto Juan Carlos Muñoz-José Manuel Moreno-Adolfo Pedernera-Ángel Labruna-Félix Loustau. O que poucos sabem é que eles só atuaram juntos 18 vezes, notadamente em 1943 e 1944. E que nestes dois anos o campeão foi o Boca, com uma linha de meio que dava cátedra, com o lateral Carlos Sosa somando-se aos volantes Ernesto Lazzatti e Natalio Pescia, ambos com mais de dez anos de serviços prestados ao Boca e que eram caudilhos refinados, sem precisarem ser carniceiros.

Lazzatti surgiu ainda adolescente em 1934, saiu em 1947 após cinco títulos nacionais e, apesar da posição e de enfrentar tantos craques de envergadura daquela geração argentina dourada, jamais foi expulso. El Leoncito (“O Leãozinho”) Pescia, que ficou de 1942 a 1956, sucedeu-o como capitão e era o único remanescente dos campeões de 1944 na quebra do jejum em 1954. Está ao lado do zagueiro José Marante (seu colega) e de Rattín como único a seguir no Boca por quinze temporadas e foi um dos parcos cinco jogadores a figurar em todo o tri argentino na Copa América naqueles saudosos anos 40. Seu nome batiza o lance de arquibancada onde fica justamente a temida torcida La 12.

MEIA-ARMADOR: Maradona e outros bem-aventurados no setor como Ángel Rojas perdem feio para tudo o que Juan Román Riquelme produziu. Do explosivo armador que virou sinônimo do Boca bicho-papão dos brasileiros em Libertadores, vencendo-a quatro vezes e liderando à beira dos 40 anos um elenco capenga vice em 2012, não é necessário falar muito. Com mais os volantes e dois laterais ofensivos como Sosa e Marzolini, o meio está bem preenchido.

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Pescia, Riquelme e Boyé

ATACANTES: aqui o que conta é eficácia para marcar gol, claro. Mas o critério não é absoluto, senão escalaríamos o obscuro Francisco Provvidente, que fez 39 gols em 31 jogos antes de ser entregue ao Flamengo nos anos 30. O critério contra jogadores apenas esforçados também será relativizado, pois não há como não colocar o assumidamente tosco Martín Palermo de centroavante, como história de superação frente a lesões só comparável com a de Ronaldo. E que antes delas e de perder também um filho começou como um monstro, fazendo 80 gols em 100 jogos na virada do século. O maior artilheiro do Boca também marcou duas vezes antes dos cinco minutos de jogo para liquidar uma partida de 2000: o mundial, sobre o Real Madrid. Pouco para quem, de muletas, voltou a campo após seis meses recuperando o joelho para eliminar o mais técnico River nas quartas da Libertadores 2000.

Para acompanhar Palermo, que deixa sem lugar goleadores da estirpe de Delfín Benítez Cáceres, Paulinho Valentim e Gabriel Batistuta (que foi breve e não ganhou nada), Mario Boyé pela direita e Francisco Varallo improvisado na esquerda. Boyé conseguia ser um goleador mesmo jogando na ponta; foi o primeiro ponta artilheiro do campeonato, em 1946, e teve mais de meio gol por jogo no clube: Schelotto, por exemplo, tem média inferior a 1/3. Muito antes de Rivellino, tinha ainda um chute forte chamado de Atómico. Foi outro dos únicos cinco presentes em todo o tri argentino na Copa América nos anos 40.

Já Varallo foi o último sobrevivente da Copa de 1930: faleceu aos cem anos, em 2010. Ganha de contemporâneos como Domingo Tarascone (193 gols em 236 jogos nos anos 20) e Roberto Cherro (210 em 287 nos anos 20 e 30) mesmo marcando menos, 180, mas em 209 jogos entre 1931 e 1939 – poderiam ser mais se lesões não lhe obrigassem a parar ainda aos 29 anos: “por causa do senhor, Don Pancho, meu avô virou torcedor do Boca. E, por isso, eu também sou”, explicaram-lhe eufóricos nas festas do centenário, em 2005, garotos que nunca o viram jogar. Ele jogava na verdade no flanco direito mas não há como deixa-lo de fora. Carlitos Tévez tem média bem menor, 26 em 75 – e seu temperamento não se adequaria ao “critério Bianchi”.

TÉCNICO: como já antecipado, Carlos Bianchi. Poucos lembram que antes de ele assumir, em 1998, o Boca só havia ganho dois títulos argentinos em mais de vinte anos passados. Seu elenco limitado logo abocanhou um bi em 1998 e 1999 no embalo de 40 jogos seguidos, até hoje o recorde nacional de invencibilidade. E, o mais importante, recolocou meteoricamente o Boca como gigante mundial ao vencer três Libertadores em quatro anos, entre 2000-03. El Virrey fez o Boca reaprender a ser supervencedor, foi supervencedor junto e também superprofissional: na infância, torcida pelo River.

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Palermo e Varallo

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Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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