Primeira Divisão

Conheça o clássico entre San Lorenzo x Huracán

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Mural de julho de 2014, ainda antes do San Lorenzo vencer a Libertadores e o Huracán, a Copa Argentina

Após quatro anos, um dérbi está de volta em jogos competitivos. O maior clássico de bairro do mundo está em alta pela presença conjunta da dupla na Libertadores, pela primeira vez. Mas a decadência em comum até anos recentes privou-o de ser mais conhecido pelos brasileiros. Que o San Lorenzo é o time do Papa e que o estádio do Huracán é cenário do oscarizado filme O Segredo dos Seus Olhos é bem sabido. Eis algumas outras anedotas dos encontros e desencontros dos dois, cujas últimas partidas entre si no Argentinão, na temporada 2010-11, tiveram troco: cada um venceu por 3-0 o outro.

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Ambos foram fundados no mesmo ano. E o clássico chega ao centenário em 2015

O San Lorenzo foi fundado em 1 de abril de 1908. Exatamente cinco meses depois, em 1 de outubro de 1908, fundava-se o Huracán. Mas o primeiro encontro só viria em 1915, quando os azulgranas enfim chegaram à elite argentina, na qual o vizinho figurava desde o ano anterior. A inédita chegada conjunta à Libertadores é um belo presente aos cem anos do dérbi.

O clássico inaugural foi em 24 de outubro e terminou com virada de 3-1, com dois gols de Mariano Perazzo e um de Francisco Xarau ao San Lorenzo e um de honra de José Laguna, nome histórico do Huracán: foi seu primeiro presidente e primeiro jogador huracanense na seleção, em uma estreia pitoresca, pois estava nas arquibancadas para assistir mas acabou chamado para jogar por conta da ausência de um hermano titular. Foi no primeiro Brasil x Argentina em Copas América, em 1916. Um 1-1 com gol dele, técnico do Paraguai na Copa de 1930.

Como concorrentes diretos

Eles já disputaram entre si alguns troféus: o San Lorenzo ganhou por três pontos de diferença um dos campeonatos de 1936, mesmo perdendo o clássico. Travaram semifinais em algumas Copas nacionais nos anos 40: o Huracán seria campeão após eliminar o rival em 1942 (Copa Escobar) e 1944 (Copa Britânica). Já o Sanloré passou pelo Globo para depois vencer a Copa da República em 1943 e ser vice na Copa Britânica de 1946. Além disso, o título de um já ofuscou terceiros lugares do outro em 1972 e 1973.

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Masantonio, Pontoni e Di Stéfano

Nueva Pompeya, bairro esquecido no clássico de bairro

O reduto do San Lorenzo é o bairro de Boedo, apesar do vizinho Almagro estar no nome completo do time e de atualmente mandar seus jogos no de Flores. O do Huracán é o de Parque de los Patricios, vizinho a Boedo. Mas ambos têm ligações com o de Nueva Pompeya, nem sempre lembrado. Limítrofe a Boedo ao norte e a Parque de los Patricios a nordeste, foi neste outro bairro que o Huracán foi fundado. E o estádio atual do San Lorenzo, o Nuevo Gasómetro, ficava em Nueva Pompeya antes de um realinhamento municipal passar a incluir o campo no bairro de Flores, a noroeste de Pompeya.

Os mais efetivos artilheiros da seleção vieram da dupla.

Em matéria de média de gols, considerando os que jogaram mais de dez vezes pela Argentina, Herminio Masantonio e René Pontoni estão longe de serem superados. Masa é o maior artilheiro do Huracán, com 270 gols em 366 jogos, e pela Albiceleste tem média superior a um gol por jogo: marcou 21 em 19, dois deles em um 5-1 no Brasil em São Januário em 1939, pior derrota brasileira em casa até os 7-1 de 2014 (fez mais dois no Brasil em um 6-1 no ano seguinte, em Buenos Aires).

Quem mais se aproxima dele é Pontoni, que cravou 19 gols em 19 jogos nos anos 40. Relembramos sua carreira há dois anos: o Papa Francisco expressou em carta com selo do Vaticano, uma semana após o conclave, que tinha Pontoni como ídolo de infância, notícia que após sair no Futebol Portenho (veja) foi bastante kibada em outros portais brasileiros pois o atacante jogou na Portuguesa. Antes, brilhara no San Lorenzo campeão de 1946, em campanha onde o pontífice, então com dez anos, já alegou ter acompanhado pessoalmente todos os jogos que o clube fizera em casa.

Pontoni veio já em declínio à Lusa, mas era tão efetivo que na seleção deixava na reserva ninguém menos que Alfredo Di Stéfano. Que também tem média de um gol por jogo pela Argentina, mas foram 6 em 6 jogos. Em média absoluta, a melhor marca é a do artilheiro da primeira Copa do Mundo, Guillermo Stábile, que nos seus parcos 4 jogos pela seleção (todos naquele mundial) fez oito gols, exatos dois gols por partida. E Stábile e Di Stéfano irromperam no Huracán. Bem como o maior artilheiro da Copa América, Norberto Méndez, que nesse torneio totalizou 17 gols – em 17 jogos. Aliás, o San Lorenzo foi campeão em 1946 apesar de perder em casa o clássico com Méndez marcando um e Di Stéfano, dois, para os olhares do jovem papa.

Clássicos no início dos anos 70, raro momento bom de ambos (na imagem mais à esquerda, Houseman e Olguín, ambos campeões da Copa 1978). E Héctor Veira na dupla

Eles costumam colocar água no chope um do outro

Aquela vitória huracanense sobre o campeão por 3-2 em 1946 com dois gols de Di Stéfano não foi fato isolado. É comum que as campanhas campeãs de um tenham incluída uma derrota no clássico. Stábile e companhia foram campeões de 1928 mesmo perdendo em casa por 2-1. O título do San Lorenzo em 1933 veio mesmo levando de 4-1 em casa; no de 1936, perdeu de 1-0.

No Metropolitano 1972, o San Lorenzo levou de 3-0 após provocar dando volta olímpica no estádio rival: foi exatamente uma rodada após garantir o título. Curiosamente, no ano seguinte algo parecido aconteceu, mas invertendo-se os papéis – na rodada seguinte após assegurar a taça, o Huracán (cujo técnico era César Menotti, que pelo feito passaria a comandar a seleção argentina) perdeu o clássico, por 1-0. O San Lorenzo venceu o Nacional de 1974 com derrota de 2-0 inclusa na campanha. E perdeu em casa por 1-0 na semana anterior às finais com o Flamengo na Copa Mercosul de 2001, primeiro título continental do CASLA. Curiosamente, naquele ano ajudou-o a ganhar o Clausura: na penúltima rodada, venceu o concorrente sanlorencista, o River, por 3-2, permitindo ao rival ficar na liderança isolada.

Mas o Huracán também já atrapalhou um bi seguido do San Lorenzo, em 2007. O rival vencera o Clausura e lutava pelo Apertura. Na 15ª rodada, voltou após quatro anos a enfrentar o Globo, que voltava da segundona e arrancou um empate em 1-1 fora de casa. Contando aquela partida, o Sanloré somou só oito pontos em quinze possíveis na reta final, terminando só em sétimo. O Huracán, aliás, jamais perdeu o primeiro clássico após voltar da segundona: ganhou de 1-0 em 1991 e de 2-1 em 2000.

Os agridoces 1939 e 1976

Foram os únicos anos em que o Huracán venceu todos os clássicos disputados. E não foi à toa: lutou acirradamente pelo título em ambos. A campanha de 1939 teve Masantonio pegando fogo e fez o time ter grande alta de sócios, exatamente o requisito que não preenchia para ser considerado grande – a AFA estabelecera em 1935 que seriam considerados grandes aqueles de vinte anos ininterruptos na elite, com ao menos dois títulos e mais de 15 mil sócios; o Globo atendia aos outros requisitos, mas só River, Boca, Racing, Independiente e San Lorenzo atendiam todos. Viraram “os cinco grandes”.

Em 1939, o Huracán venceu ainda os demais quatro grandes também, sendo o primeiro a conseguir bater o quinteto em uma única campanha. No clássico, venceu em casa por 3-2 e fora ganhou de 5-2, até hoje seu melhor resultado na casa rival. Liderava ao fim do primeiro turno, mas a taça ficou com o Independiente. Já o time de 1976 mesclava os celebrados campeões de 1973 com reforços que venceriam a Copa de 1978: o goleiro Héctor Baley e o craque Osvaldo Ardiles. Venceu os cinco clássicos do ano. Poderia ter sido o campeão do Metropolitano, onde foi o time que somou mais pontos. Mas o torneio incluía uma segunda fase. E nela deu Boca…

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Alfio Basile como xerife do Huracán e técnico do San Lorenzo. Héctor Villalba com a filha de Antonio Mohamed. E a imagem de Doval e Veira pelo Huracán (acima) usada por equívoco no ônibus do San Lorenzo (abaixo)

O brasileiro

Ex-seleção brasileira na virada dos anos 50 para os 60, Delém é mais ligado ao River, onde foi ídolo. Mas, como técnico, fez sucesso no Huracán de 1975. Assumiu no meio do Metropolitano e conseguiu que o clube vencesse pela primeira vez oito jogos seguidos na elite profissional. O Huracán brigava pela taça, mas não adiantou: a oitava foi justamente na rodada em que, ironias do destino, o River garantiu o título, voltando a ser campeão após 18 anos de jejum. Delém esteve no San Lorenzo em 1980, pedindo reforços caros para um time que acabara de perder o próprio estádio. Muito insultado, saiu após as duas primeiras rodadas. É o único brasuca vira-casaca no clássico.

As maiores goleadas

O Huracán venceu por 5-1 em 1944, goleada que também quebrava jejum de cinco anos (desde aqueles triunfos duplos de 1939). Ironicamente, foi sem Masantonio, que saíra em 1943 e voltou rapidamente em 1945 para se aposentar (outra ironia: o primeiro jogo definitivamente sem ele foi a maior goleada do clube, 10-4 no Atlanta). Este placar o San Lorenzo alcançou três vezes, em 1934, 1971 (fora de casa. Línguas maldosas afirmam que Narciso Doval, ídolo do San Lorenzo que o Flamengo emprestara ao Huracán, recusou-se a atuar naquela partida) e 1997, com gol do brasileiro Silas, ex-São paulo. Os azulgranas conseguiram ainda um 5-0, com outro gol do ídolo Silas, na campanha do título de 1995.

Já o clássico com mais gols foi um 6-3 em 1959. Festa completa para o San Lorenzo: campeão na rodada anterior, deu a volta olímpica em casa e encheu de gols o grande rival, que no primeiro turno perdera de 4-1 em pleno Parque de los Patricios. Foi a única vez em que os cuervos ganharam o título incluindo vitórias nos dois clássicos. Eram os anos do maior artilheiro da rivalidade, José Sanfilippo.

O ídolo huracanense que expulsou o Papa Francisco

Alfio Basile foi o último técnico vitorioso na seleção argentina, no início dos anos 90, e o último campeão em série no Boca, em meados da década passada. Antes, como jogador, se celebrizava como o xerife do grande Racing dos anos 60 e, já veterano, no belo Huracán de 1973. O grande obstáculo daquela campanha foi exatamente a seleção, que na reta final constantemente desfalcava os atacantes do time ao convocá-los às eliminatórias. Basile foi fundamental naquela etapa, em uma defesa que permaneceu segura. Mas no fim dos anos 90 foi treinar o rival, que não passava por bons momentos. Não conseguiu ajudar. Mas continuou brucutu: mandou embora certa vez o padre que costumava incentivar os azulgranas nos vestiários, descrendo no êxito disso. O futuro Papa.

Nuevo Gasómetro, esse talismã malquisto

O San Lorenzo foi obrigado a vender o Gasómetro em 1979. Era o maior estádio do país. Passou os anos 80 sem teto até erguer o Nuevo Gasómetro em 1993. Mas os puristas nunca engoliram o fato de ele não ser sediado em Boedo, e estar envolto nas favelas de Flores – Héctor Veira, de quem falaremos mais baixo, já brincou que até o Rambo já foi assaltado lá. Mas, além de hospedar as voltas olímpicas internacionais do clube (os segundos jogos das finais da Mercosul 2001, Sul-Americana 2002 e Libertadores 2014), o Nuevo, cenário de hoje, é ótimo para o clássico. O Huracán só venceu uma: aquele 1-0 em 2001, minimizado porque o San Lorenzo poupou titulares para a final da Mercosul na semana seguinte. O 1-0 em 2009, na grande campanha huracanense no Clausura, com Pastore, Bolatti, Defederico, Goltz e Toranzo, foi com o Sanloré mandando o jogo na Bombonera.

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Sanfilippo o San Lorezo e elegendo o Huracán como sexto grande. À direita, os irmãos Erviti

Brothers in Arms

Uma história tão próxima resultou em casos muito comuns de famílias com torcedores rivais. O maior campeão da história do San Lorenzo, o meia Leandro Romagnoli, ainda no time, é filho e sobrinho de fanáticos do Huracán e inclusive passou pelos infantis do Globo, mas o coração sanlorencista materno prevaleceu na sua escolha. Já o ídolo veterano atual no Huracán é Daniel Montenegro, que retornou após mais de dez anos. Seu irmão Ariel jogou, com menos destaque, no Sanloré. Outros irmãos separados foram o lateral Walter Erviti, campeão da Mercosul e Sul-Americana no CASLA, e Gastón Erviti.

O grande ídolo da fase decadente em Parque Patricios, como jogador e técnico, é o ex-atacante Antonio Mohamed, treinador daquele Tijuana que se não fosse Victor teria eliminado o Atlético Mineiro na Libertadores 2013: fez o gol do título da segundona em 1990 e treinou outro acesso à elite em 2007. Recentemente, El Turco, que já declarou não ter amigos sanlorencistas (“apenas conhecidos”), teve o desgosto de saber que sua filha Mayra vem se envolvendo com Héctor Villalba. Villalba foi destaque da campanha azulgrana campeã da Libertadores passada…

Símbolos do San Lorenzo que adoram o Huracán

José Sanfilippo, matador dos anos 50 e 60 (no fim da carreira, jogou no Bahia, ao contrário de Romagnoli; pelo Boca, fez os três gols no Santos nas duas finais da Libertadores 1963), é o maior artilheiro do San Lorenzo e do clássico. Mas se enfureceu com a polêmica perda do título do rival para o Vélez em 2009, pedindo punição de 18 meses ao desastroso árbitro Brazenas (veja). Antes, não hesitara em votar no Huracán em enquete feita em 2000 pelo Olé para avaliar quem seria o “sexto grande”, rótulo simbólico que tradicionalmente era do rival, cuja longa decadência fez a honraria lhe ficar em desuso perante outras torcidas. “A pergunta sobre o sexto grande não deveria se fazer. Os grandes sempre foram seis”, exaltou.

Sanfilippo foi além, revelando que “várias vezes estive a ponto de passar ao Huracán, mas não tiveram a grana. Eu teria ido porque sempre fui profissional. Aliás, ao Globo sempre tive carinho porque os ferrava sempre” e declarando ainda que, como muitos outros sanlorencistas, tem parentes torcedores do rival. Se ele é o maior artilheiro e Romagnoli o maior campeão, o maior ídolo, oficialmente assim eleito no centenário em 2008, é o ex-meia Héctor Veira, dos anos 60. Veira, que passaria pelo Corinthians, cresceu em Parque Patricios e em entrevista em 2013 lembrou que no passado a rivalidade era sadia, o que lhe permitia ir, sem gerar incidentes, jogar bilhar na sede do Huracán horas após marcar gol nele.

Enfim passou ao rival em 1970. El Bambino foi bem, com mais de meio gol por jogo (22 em 40), mas o time não – ele estava naqueles 5-1 sofridos em casa em 1971. Um dos folclores do clássico é que uma imagem sua com outro vira-casaca, o ex-flamenguista Doval, comemorando gol pelo Huracán foi equivocadamente usada no ônibus do San Lorenzo. Veira declarou em entrevista na época que “sou simpatizante e hincha (ou seja, torcedor) do Huracán” (veja aos 3:35 minutos do vídeo abaixo). Mas a partir dos anos 80 colecionou passagens como técnico do San Lorenzo e o tom mudou: “nasci Huracán, mas o San Lorenzo tomou a minha alma”. Um sentimento expresso quando treinou o elenco que voltou em 1995 a ser campeão após 21 anos, conforme o segundo vídeo abaixo, do gol do título.

httpv://www.youtube.com/watch?v=g9cthJfk3b4

httpv://www.youtube.com/watch?v=oQvqof4yrxk

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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