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Há 85 anos, o Gimnasia LP conquistava seu único título na elite

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Varallo, último sobrevivente da primeira Copa do Mundo, à época no Gimnasia LP e vestido nas cores alviazuis nos últimos dos seus cem anos de vida

“La Plata viveu horas de loucura coletiva. O trem em que vinham os jogadores teve que fazer a viagem lentamente porque os mais entusiasmados, para não perderem a recepção, se penduraram nas janelinhas, nas grades e até se fincaram no para-choque da locomotiva. Passada a estação Tolosa, já em cada porta, em cada janela e em todo sítio visível ao passo do trem, se haviam congregado os fãs para ovacionar os campeões” – Carlos Asnaghi, historiador do Gimnasia y Esgrima La Plata.

Na Argentina, tradicionalmente se considera que o sofrido Gimnasia jamais foi campeão da elite, tendo como troféu mais expressivo a Copa Centenário, em 1994 (falamos dela neste outro Especial). Não é bem assim: tal visão decorre do entendimento equivocado em considerar só o profissionalismo, a partir de 1931, o que esnoba o título gimnasista de 1929, confirmado naquele 9 de fevereiro de 1930. Mas desde 2013 os mesmos grandes veículos que tanto ocultavam o amadorismo passaram a “oficializa-lo”. O histórico título do Lobo faria um de seus atacantes ir meses depois à primeira Copa do Mundo, da qual terminaria como último participante vivo: falamos aqui.

Dali até 1967, só Boca, River, Racing, Independiente e San Lorenzo conseguiriam ser campeões, se sedimentando como “os cinco grandes” – por ironia, quem interromperia a série seria justo o Estudiantes: até então os rivais de La Plata tinham o mesmo porte (isso ainda não mudou substancialmente entre as torcidas, apesar do desequilíbrio hoje descomunal de taças, veja aqui). E poderia ter sido o Gimnasia a quebrar a série, não fosse infortúnios. Em 1933, teve a equipe mais vistosa e liderou na maior parte, mas acabou prejudicado pela arbitragem; em 1962, liderava a cinco rodadas do fim com 2 pontos à frente de Boca e River. Desgringolou ao perder em casa para um Vélez ruim.

O tri do rival na Libertadores, em 1970, ofuscou outra boa campanha do Lobo, semifinalista nacional naquele ano mas que perdeu embalo após o campeonato ser paralisado por greve. Entre 1995 e 2005, os alviazuis conseguiram nada menos que cinco vices. O mais doloroso, em 1995, quando um empate na última rodada em casa com um time misto do Independiente garantia a taça ao time dos gêmeos Barros Schelotto: perdeu e foi ultrapassado pelo San Lorenzo, que venceu fora no fim de sua partida. Em 2005, o elenco liderado pelo veterano goleiro Navarro Montoya teve três pontos de vantagem na liderança, mas começou a desperdiça-los em casa. Algo parecido se deu na última boa campanha, no Torneio Final 2014.

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Após a Copa de 1930, Varallo foi brilhar no Boca. À esquerda, momento em que ele marca, sem comemorar, no seu ex-Gimnasia (fez outros 3 nesse dia). À direita, com Guillermo Barros Schelotto, outro ídolo comum nos dois clubes

Aquele campeonato de 1929 teve uma fórmula incomum na história do futebol argentino, onde os campeonatos costumam ser puramente em pontos corridos desde o início das disputas, em 1891. Mas, na época, foi necessário separar os 35 participantes em dois grupos, prevendo que os líderes de cada, ao fim de um turno único, se enfrentariam pelo título. É que o campeonato anterior, pelo ano de 1928, demorou demais para ser concluído: só terminou em 30 de junho de 1929.

Na realidade, o formato usado na edição de 1929 era típico das Copas Estímulo, disputadas naquela década enquanto os campeonatos passavam por recesso durante torneios da seleção. Era uma forma de não prejudicar o desempenho dos clubes no Argentinão por conta dos desfalques e também de mantê-los ativos na pausa. De fato, a seleção disputaria torneios naquele segundo semestre de 1929: contra o Uruguai, as Copas Newton e Lipton, no fim de setembro; e, em dezembro, a Copa América, da qual sairia campeã. A Copa Estímulo de 1929 acabou se convertendo na edição corrente do campeonato nacional.

O grupo do Gimnasia continha duas forças do amadorismo: o Huracán de Guillermo Stábile (artilheiro da primeira Copa do Mundo), detentor do título anterior e campeão outras três vezes na década; e o Racing, duas vezes campeão nos anos 20 e outras sete (seguidas, um recorde) na década anterior – sua dupla de zaga Fernando Paternoster e José Della Torre seria a titular na seleção na primeira Copa. Mas quem mais deu trabalho foram o Lanús e o River, na época ainda distante da grandeza que viria a adquirir a partir dos anos 30 (não tivera nenhum jogador seu chamado à Copa, por exemplo).

Em 17 jogos no seu grupo, os platenses venceram 14 e perderam os outros três (um 2-1 para o San Isidro, outro para o Atlanta e um 1-0 para o Racing). Das vitórias, destaque para o 4-0 no Platense, com dois gols de Martín Maleanni, um de Francisco Varallo e um de José María Minella; um 4-1 fora de casa no Estudiantes de Buenos Aires, gols de Minella, Varallo, Julio Di Gianno e Ismael Morgada; um 3-0 fora no Almagro, com um de Morgada e dois de Varallo; um 4-1 no El Porvenir, com três de Morgada e outro de Varallo. E também ao clássico de La Plata: o Estudiantes fazia campanha apenas mediana e resolveu não se apresentar a campo, dando a vitória ao rival por W.O.

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Minella (atrás dele, o futuro artilheiro palmeirense Echevarrieta), outro nome importante do futebol argentino. E o time da final: Ruscitti, Santillán, Di Gianno, Scarpone, Delovo e Belli; Curell, Varallo, Maleanni, Díaz e Morgada

Dos jogadores mencionados acima, dois merecem menção especial: Varallo, que fez 20 anos apenas cinco dias antes da final, iria à Copa do Mundo; chegou a acertar a trave uruguaia na final quando os argentinos venciam por 2-1. Posteriormente, seria contratado pelo Boca, onde também seria ídolo, muito ídolo: foi por décadas o profissional com mais gols no clube e o segundo no âmbito geral, até Martín Palermo supera-lo em anos recentes. El Pancho depois se notabilizou como último sobrevivente da primeira Copa do Mundo, falecendo aos cem anos e ainda lúcido, em 2010. Já Minella não pôde disputar uma Copa do Mundo, mas ainda assim se fez presente na história do torneio: natural de Mar del Plata, batizou ainda em vida o estádio desta cidade a sediar a Copa de 1978.

Minella ainda seguiu mais uns anos no Gimnasia, integrando El Expreso, celebrando elenco quase campeão em 1933 no qual figuravam o maior artilheiro do clube (Arturo Naón, que passaria pelo Flamengo) e maior artilheiro estrangeiro do Palmeiras (Juan Echevarrieta). Minella posteriormente brilharia também no River, que começava a ser grande. Em Núñez, foi campeão como jogador e ainda mais como técnico, treinando nada menos que La Máquina, o histórico elenco dos anos 40. Sua ausência em Copas deve-se mais aos dirigentes do que por falta de capacidade: em 1934, só amadores foram enviados à Itália, e em 1938 os cartolas argentinos resolveram não participar em protesto pelo país ter perdido para a França o direito apalavrado de sediar o evento.

O Gimnasia terminou o grupo com apenas um ponto de vantagem sobre o River, mas na maior parte nadou de braçada. Poderia até ter garantido na penúltima rodada a vaga na final, quando veio a derrota para o Racing, proporcionando algum suspense. Na última, em 12 de janeiro, o artilheiro Morgada e Malianni marcaram os dois gols sobre o Lanús e assim a vitória fora de casa do River no El Porvenir restou inútil. O confronto direto entre líder e vice-líder ocorrera ainda em outubro em La Plata, e Varallo acrescentou mais um motivo para ser ídolo no Gimnasia e no Boca, sendo autor do único gol na ocasião.

A final não foi jogada de imediato: no outro grupo, Boca e San Lorenzo terminaram igualados na liderança e a vaga só foi definida no terceiro jogo-desempate entre eles; tudo porque, no primeiro, empataram em 2-2 e os capitães de ambos, para as vaias da plateia, recusaram jogar uma prorrogação: o duro verão portenho extenuara as equipes. No segundo, a história se repetiu, com novo 2-2 e saída conjunta de campo antes da prorrogação, o que fez a associação emitir-lhes um alerta: se houvesse novo empate no terceiro jogo, não teriam opção senão jogar o tempo extra. Enfim, deu Boca, 3-1.

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Cenas da final contra o Boca (o jogador boquense à esquerda é Roberto Cherro) há 85 anos

Os auriazuis haviam se impulsionado como grandes naquela década e eram francos favoritos para novo título. Se Varallo viria anos depois a ser o segundo maior artilheiro do Boca no âmbito geral, o maior (até Palermo tomar o posto em 2010) estava ali: Roberto Cherro, El Cabecita de Oro, também presente na Copa de 1930, bem como o ponta Mario Evaristo, ao passo que o defensor Ludovico Bidoglio estivera nos vices das Olimpíadas de 1928. Outro destaque era o “marechal” paraguaio Manuel Fleitas Solich, que décadas depois teria grande passagem como técnico no Flamengo.

Boca e Gimnasia se toparam no estádio neutro do River naquele 9 de fevereiro de 1930. Na manhã, um bom prenúncio ao Lobo: o campeonato de times B se realizou no mesmo dia entre os mesmos clubes, e o Gimnasia venceu. Mas à tarde o elenco principal do Boca ia confirmando seu favoritismo, terminando o primeiro tempo em vantagem após gol contra do gimansista Di Gianno e sendo o goleiro platense Felipe Scarpone a grande figura da etapa. Mas se Morgada foi o artilheiro e Varallo e Minella os nomes históricos, o herói da ocasião foi outro.

Maleanni empatou aos 17 do segundo tempo, colocando com calma no ângulo bola cruzada por Morgada após este vencer a corrida com Pedemonte e Bidoglio pela linha de fundo. Jogada parecida se repetiu aos 25: Morgada correu mais que Bidoglio e cruzou para Maleanni virar o jogo. Esforço não faltou aos favoritos, mas a defesa platense se compactou bem e impediu novos gols, para novas vaias da maioria do público (só 5 mil dos 45 mil presentes eram torcedores de La Plata), o que por um lado desmerece aquele Gimnasia: ainda como campeão argentino, o clube iniciaria uma excursão ao fim daquele ano pela Europa – onde bateria Barcelona (2-1) e Real Madrid (3-2). E já sem Varallo…

FICHA TÉCNICA – Gimnasia LP: Felipe Scarpone, Julio Di Gianno e Evaristo Delovo, Vicente Ruscitti, Juan Santillán e Antonio Belli, Miguel Curell, Francisco Varallo, Martín Maleanni, Jesús Díaz e Ismael Morgada. Boca: Alejandro Mena, Ludovico Bidoglio e Luis Strada, Américo Amoia, Manuel Fleitas Solich e Adolfo Pedemonti, Donato Penella, Francisco Kuko, Mario Evaristo, Roberto Cherro e Antonio Alberino. Gols: Di Gianno, contra (30/1º) e Maleanni (17/2º e 25/2º)

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Festejos da torcida gimnasista no estádio e em La Plata
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Gimnasia na sua excursão europeia, como campeão argentino: quando enfrentou (e venceu) o Barcelona e na neve alemã. Se tornaria na ocasião o primeiro time estrangeiro a bater o Real Madrid na casa madridista

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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