Primeira Divisão

Feliz centenário, Lanús!

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Festejos ontem no estádio Ciudad de Lanús Néstor Díaz Pérez, apelidado de La Fortaleza

O Club Atlético Lanús celebra hoje seus primeiros cem anos com o presente de ser cada vez mais expressivo dentro e fora do país. Original nos distintivos e nas cores, o Granate é um exemplo de ressurreição no futebol. Uma história que até anos recentes era de mais quedas que ascensões. Mas que, uma vez atrelada à seriedade e compromisso, alçou o clube para além dos subúrbios do sul da Grande Buenos Aires para duas conquistas continentais.

Os bons momentos pontuais que o Lanús teve até os anos 90 se refletem nos jogadores que defenderam a seleção vindos dos grenás. Os dois primeiros apareceram nela em 1920: foram o centromédio Antonio Sacarella e o volante Ernesto Scoffano, que estrearam juntos na Albiceleste, contra o Uruguai. Vinham credenciados pela primeira ascensão lanusense – o clube tivera de começar na segunda divisão e dela subira em 1919. Em 1920, era quem mais vinha dando trabalho ao Boca até decidir se desafiliar da Associação Argentina reconhecida pela FIFA e juntar-se a uma associação dissidente, criada no ano anterior por River, Racing, Independiente, San Lorenzo e Vélez, dentre outros.

A nova liga provou-se demais para os novatos, que chegaram a ficar em último em 1923. Não saíam do 10º lugar até beliscar um sexto em 1926 e sua primeira grande campanha do início ao fim: uma terceira colocação em 1927, ano que marcou a reunificação das associações e permitiu a volta à seleção de jogadores daqueles clubes renegados, dentre os quais o Lanús. No torneio de 1929, foi novamente o terceiro, em seu grupo. Nesses elencos se destacava o ponta-esquerda Carlos Spadaro, que outro ano depois se tornou o terceiro grená na seleção. Participaria da Copa de 1930, ano em que Carlos Volante, que de fato era volante, jogou uma vez. Se tornou o primeiro que o Grana exportou à Europa.

Posteriormente, Volante viria jogar no Flamengo após se improvisar como massagista da seleção brasileira na Copa de 1938, realizada na França, onde ele vinha jogando. Se destacou no rubronegro ao lado de outro ex-Lanús, o ponta Agustín Valido, de passagem obscura como grená mas sempre lembrado como o desaposentado que marcou o gol do título do primeiro tricampeonato estadual flamenguista. Bem antes, em 1931, o Lanús foi um dos fundadores de nova associação dissidente no futebol argentino, que aceitava o profissionalismo.Mas se hoje o Granate tem prestígio, na época a expressão era menor que a de Chacarita, Ferro Carril Oeste, Platense ou Atlanta, todos hoje acostumados à segundona ou abaixo.

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Lanús 3º em 1927, com Carlos Spadaro (último agachado). À direita, o goleador Luis Arrieta

Nos três primeiros campeonatos, não ultrapassou o 15º lugar e no de 1934 a associação simplesmente forçou uma fusão com o rival Talleres da cidade vizinha de Remedios de Escalada (não confundir com o de Córdoba). Foi só para aquele ano, mas as campanhas seguiram fracas depois. O quinto lanusense a jogar pela seleção, centroavante Luis Arrieta, só conseguiu chances pois se destacava em um quadro mediano. Em 1939, ficou em terceiro na artilharia, atrás só dos monstros Arsenio Erico e Isidro Lángara, que eram estrangeiros. Pode-se dizer que por um período foi o melhor homem-gol argentino. Na seleção, fez 6 gols em 9 jogos, o que ainda faz dele o grená mais artilheiro na Albiceleste. Nos idos de 1941, quando venceu a Copa América, já era reserva na seleção, e mesmo assim conseguiu marcar três gols saindo do banco (contra o Chile), algo não igualado na Argentina.

Um colega de Arrieta foi o goleiro Julio Yustrich – o goleiro Yustrich que jogava no Flamengo era apelidado assim por causa do argentino, que tinha origens croatas. O hermano já estava consagrado no Boca, mas só jogou pela Argentina uma vez, como atleta do Lanús, em 1940, apesar do clube ter ficado apenas em 12º no torneio de 1939. O time variou entre o antepenúltimo e o décimo lugar por todos os anos 40, com Arrieta sendo o destaque solitário ao enfim terminar na artilharia, em 1943. O primeiro rebaixamento veio em 1949, após quatro jogos-desempate (!) com o Huracán.

Já em 1951 os grenás estavam de volta. E voltaram bem: terminaram o primeiro turno dividindo a liderança com o Independiente e terminaram na quinta colocação. Seu atacante José Florio só teve um gol a menos que o artilheiro, Santiago Vernazza, do poderoso River, e foi imediatamente vendido ao Torino, que ainda cheirava a grande potência europeia. O detalhe é que Florio passou do Granate ao Granata ainda durante o campeonato e sem o ex-clube perdeu pontos que poderiam tê-lo feito ficar mais acima na tabela. Curiosamente, quem quase acabou campeão foi o Banfield, outrora um clube vizinho amigo com quem o Grana construiria uma rivalidade ante a decadência do Talleres de Escalada.

Ainda quem sem Florio, o Lanús fez uma sequência de boas campanhas para o porte do time nos anos seguintes, entre o quinto e o décimo lugares, até disputarem seriamente o título pela primeira vez. Foi em 1956 e aquele elenco acabaria apelidado de Los Globetrotters, com muitos vindos de trabalho bom na base, uma marca registrada nos últimos anos. O maior de todos foi o elegante centromédio Héctor Guidi, ídolo-mor do clube. El Nene jogaria 37 vezes pela Argentina (17 como capitão), ainda um recorde entre os grenás. Seu nome batiza a rua que passa ao lado de La Fortaleza, a casa do clube. Chegara ainda na segundona de 1950 e jamais abandonou o clube, literalmente: nomeia também uma arquibancada na qual seriam espalhadas suas cinzas.

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Os Globetrotters de 1956 e o ídolo maior, Héctor Guidi

Guidi tinha de sócios no meio-campo Nicolás Daponte, que chegara em 1951, e José Nazionale, que estivera nas categorias de base, foi cumprir o serviço militar e apareceu no time adulto em 1954. Guidi e Daponte estrearam pela Argentina naquele 1956 (Nazionale, em 1960), e não só eles: também a dupla de ataque importada de Córdoba, Dante Lugo e Benito Cejas. Em 1957, foi a vez do ponta-esquerda Ramón Moyano. E em 1958 foi a vez do “tanque” Alfredo Rojas, depois grande ídolo no Boca, e do zagueiro José Ramos Delgado, que veterano brilharia no Santos de Pelé. Antes, ainda jovem, ele aprendeu com os colegas ao afastar bola perigosa com um chutão às arquibancadas: “garoto, aqui se joga por abaixo [com troca rasteira de passes], entendeu?”, repreendeu-lhe Nazionale, dando pistas de como era o estilo.

O técnico era Juan Cevasco, reconhecido pelos engenhos no time frente às lesões recorrentes na temporada de 1956. O Lanús jamais ficou abaixo do terceiro lugar e até assumiu a liderança após bater o Boca na Bombonera na 21ª rodada. A seis rodadas do fim, recebeu em casa o River, então bicampeão seguido e novamente concorrente ao título. Os visitantes perdiam no intervalo por 1-0. Mas a experiência prevaleceu: deu River 3-1, resultado fundamental para ao fim ficar dois pontos na frente do humilde time do sul. O baque foi grande: torcedores grenás em fúria rasgaram carnês de sócios e no ano seguinte o vice-campeão quase foi rebaixado, ficando em penúltimo. A rotina de não superar em 11º lugar voltou e o rebaixamento também, em 1961.

A volta à elite veio em 1965, dessa vez com um elenco operário apelidado de Los Albañiles (“Os pedreiros”). As campanhas seguiam medianas e não eram piores por conta da dupla ofensiva entre Bernardo Acosta e Ángel Silva. Acosta foi o artilheiro do Metropolitano de 1967, mas não podia jogar pela Argentina: era paraguaio. Já Silva podia e estreou já em 1967. O ponteiro Héctor Minitti e o lateral Héctor Ostúa tiveram sua vez em 1968, com a melhor campanha desde 1956 – os grenás ficaram em terceiro no seu grupo, perdendo a classificação às semifinais nos critérios de desempate com o Estudiantes, naquele ano campeão da Libertadores. Acosta seria vice-artilheiro no Metropolitano seguinte. Mas em 1970 os pedreiros desmoronaram e caíram outra vez.

A volta foi imediata e em 1972 era a vez do zagueiro Osvaldo Piazza estrear na seleção. Ele logo seria vendido ao grande time francês da época, o Saint-Étienne, com o qual foi vice da Liga dos Campeões em 1976. Foi convocado à Copa 1978 como um dos únicos “estrangeiros”, ao lado de Mario Kempes, do Valencia, mas enquanto estava na Argentina com a delegação a esposa sofreu um acidente de carro na França e ele preferiu desligar-se do plantel e acompanha-la. Assim como a volta foi imediata, a queda também. Mesmo com Piazza, o Lanús caiu já em 1972 e repetiu a história quando reapareceu na elite, em 1977, quando foi logo rebaixado outra vez. Mais de vinte anos se passariam para que um novo grená chegasse à seleção. E mais de dez para nova volta à elite.

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Os Albañiles e o único campeão de Copa do Mundo surgido no clube: Héctor Enrique, que estreou na terceirona

Foi um período negro em que o Grana despencou até mesmo para a terceira divisão, já em 1978. Trata-se do único clube argentino que, após cair à terceirona, conseguiu recuperar-se e ser mais tarde campeão da elite, e também do continente. É dessa época que aparecem os irmãos Enrique. O mais talentoso seria Ramón, que deixou de ser o mesmo após um acidente de carro. Carlos seria campeão mundial com o Independiente em 1983 e, já como jogador do River, chegaria à seleção. Outro, Héctor, foi mais longe: em 1986, foi campeão nacional, da Libertadores e mundial com o mesmo River (na primeira vez que o Millo venceu Libertadores e Intercontinental) e também da Copa do Mundo pela Argentina. Gaba-se de ter dado o passe para Maradona fazer o célebre gol driblando meio time inglês.

Mas Héctor Enrique já disse, em entrevista à revista El Gráfico em abril passado, que seu dia mais feliz foi quando estreou pelo Lanús em plena terceirona, contra o obscuro Tristán Suárez. “O Lanús é grande porque tocou fundo e não desapareceu. Aí foi homem-chave Don Manuel Guerra (técnico), que chegou em uma época dificílima e disse: ‘aqui vamos pôr os garotinhos, que jogam bem’. (…) O que fez Don Manuel se seguiu repetindo e desde então se trabalha muito bem nas categorias inferiores. Logo houve dirigentes honestos que fizeram muitíssimo. Hoje vais ao Lanús um dia, voltas em três meses e há algo novo, é impressionante”, afirmou na mesma entrevista. A volta à segundona veio em 1981 e um ano depois El Negro foi ao River e o irmão Carlos, ao Independiente.

Héctor voltou a falar a respeito na festa do centenário: “há que reconhecer os dirigentes dos anos 80. (…) Estreei na Série C. O único que queria era ajudar o Lanús a tira-lo desse momento”. É ele o único jogador campeão de Copa do Mundo revelado no clube. Já os anos 80 foram de transição, sempre na segundona: os nanicos da época que aprontavam para os grandes eram Ferro Carril Oeste, Argentinos Jrs e Deportivo Español. O retorno à elite veio exatamente em 1990. O polêmico sistema de promedios, cruel a equipes pequenas recém-ascendidas, logo o rebaixou de volta.

Mas o Grana logo reapareceu em 1992 e desde então voltou para ficar. Na temporada 1994-95, foi terceiro tanto no Apertura como no Clausura e a Argentina, após 23 anos, voltou a usar alguém do clube, o zagueiro Gabriel Schürrer. El Chuchu, presente em 2000 no único título espanhol do Deportivo La Coruña, havia passado oito anos desde 1988 nos grenás e foi fundamental também em tempos recentes, como técnico da base e do time principal entre 2010 e 2012, quando foi substituído pelos gêmeos Barros Schelotto. Quando saíra antes, como jogador, os tempos já eram outros.

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O zagueirão Gabriel Schürrer, primeiro símbolo do renascimento, e os festejos da Conmebol 1996, com Ariel Ibagaza ao centro

O bom trabalho de base não rendeu títulos argentinos de imediato, mas o Lanús soube valorizar a Copa Conmebol, chegando a duas finais seguidas, em 1996-97, vencendo uma e perdendo a outra naquela polêmica final com o Atlético Mineiro. Por anos, o Granate teve mais títulos continentais que o gigante San Lorenzo e ainda tem mais que equipes tradicionalmente mais expressivas no século XX, como Rosario Central, Newell’s, Huracán e Gimnasia LP. Dois integrantes da Cúperativa, como ficou conhecido o elenco do técnico Héctor Cúper, chegaram à seleção como grenás: o armador Hugo Morales, que só deixou de ir à Copa 1998 por uma doença estomacal, e o goleiro Carlos Roa, que foi o titular.

Morales esteve na festa do centenário e assim afirmou: “devia estar aqui. Sabia que esse clube ia crescer como ninguém. É seriedade pura”. Outros destaques da Conmebol, como o meia Ariel Ibagaza (campeão mundial sub-20 em 1995) e a dupla ofensiva Ariel López e Oscar Mena iriam com Cúper (que treinaria o Valencia vice da Liga dos Campeões e a Internazionale) ao melhor momento do Real Mallorca, na virada do século. O Lanús ainda foi vice no Clausura 1998 e quarto no Apertura 1999. Só que o desmanche veio e na primeira metade do novo século os grenás voltaram às tradicionais campanhas medianas, inclusive lutando algumas vezes contra o rebaixamento, até a chegada do técnico Ramón Cabrero em 2005.

O bom trabalho de Cabrero rendeu um vice já no Clausura 2006 e o primeiro título argentino, no Apertura 2007, ofuscando até uma ótima campanha do rival Banfield. O bom planejamento foi seguido pelo sucessor Luis Zubeldía, quase campeão no Clausura 2009, ano dos últimos grenás chamados à seleção, em tempos de extrema dificuldade em competir com apelo maior a clubes europeus: os atacantes Eduardo Salvio, José Sand (“é uma alegria enorme estar aqui. O clube não se estancou e seguiu crescendo”, declarou na festa do centenário) e do armador Sebastián Blanco, pré-convocado por Maradona à Copa 2010. Outros valores dos novos tempos foram o volante Augustín Pelletieri, de nove anos pelo Lanús, o zagueiro Leandro Gioda, o refinado meia Diego Valeri e o goleiro Agustín Marchesín, pedido juntamente com o zagueiro Paolo Goltz à Copa 2014.

Joza Novalis já dissecou nesta outra matéria como funciona a bela estrutura do Lanús, cada vez mais acostumado a disputar a Libertadores e os títulos caseiros, como bônus conseguindo a Sul-Americana 2013 – e, poliesportivamente, sendo ao lado do Boca o único clube de futebol com time de basquete na liga nacional e abrigando turmas até de ioga e fotografia. Parte da história grená já foi contada no site também pelas notas especiais abaixo. Foram poucos, é verdade, reflexo das glórias ainda pequenas na maior parte desses cem anos. Mas tudo indica que essa produção deve aumentar…

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Diego Valeri, líder do primeiro título caseiro, em 2007, e os campeões da Sul-Americana 2013: o Lanús tem mais títulos continentais que times mais expressivos no país, como Newell’s, Rosario Central, Huracán e Gimnasia LP

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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