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30 anos do 2º e último mundial do Independiente, sobre o Liverpool

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Marangoni com a taça Toyota, Trossero com a Intercontinental: semblantes mais serenos que empolgados

Há 30 anos, o Independiente, sem imaginar a decadência que viveria desde então, tornava-se isoladamente o time argentino mais vencedor no mundo. Em uma final entre o Rojo e os Reds, que jogaram de amarelo, o clube de Avellaneda bateu o grande time europeu daqueles tempos, o Liverpool, em um jogo que chamou muita atenção por ser um encontro anglo-argentino apenas dois anos e meio após a Guerra das Malvinas. Não foi o primeiro desses encontros (naquele mesmo ano, em agosto, o Boca enfrentou o Aston Villa no amistoso Torneio Joan Gamper, em Barcelona), mas foi tratado assim e o público japonês conferiu a primeira revanche esportiva dos hermanos.

Felizmente, na maior parte do jogo sobressaiu-se o futebol e não a pancadaria. As exaltações se resumiram a um lance aos cinco segundos de jogo, quando o lateral Carlos Enrique derrubou Craig Johnston com uma tesoura (confira a partir de 1min51 do vídeo). “Sim, queria matar os ingleses, para mim era a guerra (…). Nessa manhã contra o Liverpool, o Pato (o técnico Pastoriza) me disse o mesmo que me havia dito antes da final da Libertadores contra o Grêmio, no Brasil: ‘se parares o camisa 10, somos campeões’. Era Johnston, o motor do time, jogava pelo meu lado (…). O forte deles era fazer cruzamentos ou chutar de longe. Goyen foi a figura, mas ao (camisa) 10 meti e xinguei para que não se esqueça”.

A declaração acima é do próprio Enrique, compreensivelmente apelidado de El Loco. Ele estava no exército na época da guerra, embora não tenha ido às ilhas: “saímos as duas equipes juntas ao campo. Eu nem falava inglês, se a mim é difícil o espanhol, haha… mas alguns xingamentos eu sabia, havia perguntado ao Maranga, assim os ingleses me olhavam e eu lhes gritava fuck you y la cajeta de tu madre”. Mas em dado momento o próprio Enrique esqueceu as “cenas lamentáveis” e mostrou categoria sobre o tal Johnston ao dar-lhe um drible de chapéu (39min36 do vídeo).

Se o Independiente dera cátedra no Grêmio em pleno Olímpico na final da Libertadores, algo assumido pelos próprios gremistas, com Enrique de fato anulando Renato Gaúcho (confira aqui), o Liverpool também fora campeão europeu derrotando o anfitrião na final em outro Olímpico: o de Roma, sobre o time de Falcão e Bruno Conti. Mas Enrique tinha razão: a principal jogada inglesa eram os chuveirinhos, com poucas tentativas de infiltrações na defesa seja com toques ou dribles.

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Defesa em ordem: Villaverde (número 2), Clausen (4) e o goleiro Goyén deram poucas brechas ao bigodudo Rush & cia

Os britânicos tiveram mais posse de bola e na maior parte do tempo jogaram no campo de defesa argentino, mas não concretizavam chances claras. Em grande dia, a defesa vermelha foi afastando cada tentativa e outro a elogiar o goleiro Carlos Goyen foi o líder Ricardo Bochini: “os ingleses atiraram uns 30 cruzamentos, mas estávamos tranquilos porque Carlitos os bloqueava com grande facilidade”. A dupla de zaga formada por Hugo Villaverde e o capitão Enzo Trossero anulou o galês Ian Rush, artilheiro máximo do Inglesão e do continente (recebeu a chuteira de ouro europeia) naquela temporada.

Outro exemplo de como as jogadas do Liverpool não se definiam ocorreu até quando eles é que deram drible de chapéu: no fim do primeiro tempo, Wark fez isso em Clausen, mas de nada adiantou: o outro lateral do Independiente bloqueou o escocês com o corpo e a bola saiu pela linha de fundo para Goyen cobrar tiro de meta: veja aos 41min35. El Negro Clausen já havia desarmado limpamente o astro Kenny Dalglish na defesa argentina aos 11min50. Outro fragmento da solidez defensiva coletiva roja aparece também aos 1h09min15s.

Em dia onde a defesa argentina trabalhou mais que o ataque, aquele Independiente se mostrava mais estudioso e cauteloso do que de costume em vez da equipe que se habituara a envolver o adversário – Bochini já disse que o time de 1984 era muito mais habilidoso que o supercampeão elenco do início dos anos 70, tetra seguido na Libertadores. O estilo em Tóquio foi tão diferente que “tanto que parecia outro Independiente”, assumiu a cobertura da revista El Gráfico na época.

Claro que em alguns momentos a defesa falhou. E nisso o adversário ficou devendo. Aos 26min18 do vídeo, Dalglish ficou com o gol livre mas o pé murcho mandou para fora. Aos 1h01min30s, Gillespie também ficou na cara de Goyen, mas faltou-lhe ângulo e força para assustar o uruguaio. Algo parecido se passou aos 1h10min20, com Nicol sem ângulo isolando a bola. Aos 1h14min30, foi a vez de Wark, desmarcado, isolar um bom cruzamento. Rush chegou a reclamar de um pênalti aos 1h24min40, mas o árbitro brasileiro Romualdo Arppi Filho e nem mesmo os próprios colegas deram-lhe atenção.

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Bochini em passes precisos seguidos, em ambos mesmo acossado de perto por britânicos
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A classe de Marangoni, livrando-se de dois britânicos e lançando preciso a Barberón

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mas se a ambição ofensiva roja foi menor, a categoria não. Maior ídolo e campeão do clube, Bochini, único remanescente do título mundial anterior, em 1973 (com ele marcando o gol da taça: clique aqui), cansou-se de dar seus característicos passes e lançamentos preciosos a colegas desmarcados, jogadas que na Argentina acabaram apelidadas de bochinescas. Muitas foram inutilizadas pela defesa do Liverpool não por marcação, mas pela saída mais fácil, a da linha de impedimento. Exemplos não faltam além do gif acima: 5min47, 6min40, 19min26, 30min00, 46min20, 55min00, 57min10, 1h12min50…

El Bocha coordenava um meio-campo luxuoso. Um quadrado mágico com Ricardo Giusti, Jorge Burruchaga e Claudio Marangoni, o único do quarteto a ficar de fora da Copa 1986, por pura opção do técnico Carlos Bilardo, com quem não se entendia e preferiu Sergio Batista e Marcelo Trobbiani, bons mas sem a mesma habilidade. Marangoni era o Maranga ao qual Enrique se referira como seu “professor” de inglês: havia jogado uma temporada no Sunderland em época onde não era comum a terra da Rainha se abrir a jogadores de fora do império.

E foi de Marangoni o passe preciso para o gol, aos 8min5s do vídeo. A linha de impedimento britânica falhou e o jovem José Percudani disparou, inalcançável para os lentos zagueiros do Liverpool, tocando na saída de Grobbelaar. Percudani pouco havia jogado na Libertadores por estar no serviço militar obrigatório e virava o símbolo da conquista, eleito pela Toyota o melhor em campo. Foi uma aposta de Pastoriza no lugar de Sergio Bufarini, que ocupara a vaga na Libertadores. O garoto chegou a desfilar uns dribles aos 13min45s e teria proporcionado outro gol se não fosse fominha aos 1h15min30.

Mas Marangoni também jogou demais e por diversas vezes tentou repetir a jogada: aos 10min40, 53min01, 1h17min20… Tão infernal que as coisas se inverteram aos 17min47: ele, um volante, foi derrubado pelo atacante Rush e não o contrário. O troco viria aos 39min20, com ele deslocando o galês com um drible. Ao fim do jogo, ele conversou com Dalglish sobre uma oferta do Southampton e o escocês lhe respondeu: “Claudio, melhor ficares na Argentina que ali tem sol”. O volante ficou e sua saída do Independiente só veio em 1989, ao Boca, causando grande dor nos rojos. No breve tempo em que esteve na seleção, enfrentou três vezes o Brasil. Venceu em casa e não perdeu as duas fora.

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Bochini, Marangoni e Percudani (com o prêmio de melhor em campo), ofensivamente os principais homens do jogo

Sobre a conquista, Maranga disse que “não a festejamos. Foi o primeiro choque entre argentinos e ingleses depois da guerra. Enquanto os torcedores se abraçavam, o vestiário estava em silêncio. Havia muita gente lastimada, ou morta, e festejar algo que todos relacionavam com o que havia passado era uma falta de respeito. Ninguém sentia como uma vitória esportiva exclusivamente, o faziam algo nacional, e na realidade não tinha relação”.

Desde então, o clube precisou de meia década para voltar a ser campeão, em 1989, justamente sobre o Boca de Marangoni no Argentinão. O que já era uma eternidade à torcida, mal acostumada, continuou por outros cinco anos dali: o título seguinte demorou outros cinco anos, em 1994, quando venceu-se também a Supercopa. Um bi na Supercopa veio em 1995, sobre o centenário Flamengo de Romário no Maracanã, mas desde então veio escassez de vez: novas taças só em 2002, no Apertura, e em 2010, com um pálido elenco sofrendo para bater o rebaixado Goiás na Sul-Americana. E o rebaixamento, em 2013.

De qualquer maneira, o Independiente tornou-se até 2000 o único clube argentino com dois mundiais, só sendo superado pelo terceiro do Boca, em 2003. O zagueiro Pedro Monzón, que entrou no decorrer da partida para o lugar de Villaverde, resumiu bem o que era jogar no Independiente daquela época pré-PlayStation após ser indagado se temia enfrentar o tão falado Liverpool: “nervos eu não tinha, eu pensava que era o melhor do mundo porque a camiseta era a melhor do mundo”.

FICHA DA PARTIDA – Independiente: Carlos Goyén, Néstor Clausen, Hugo Villaverde (Pedro Monzón 29/2º), Enzo Trossero e Carlos Enrique, Ricardo Giusti, Claudio Marangoni, Ricardo Bochini e Jorge Burruchaga, José Percudani e Alejandro Barberón. T: José Omar Pastoriza. Liverpool: Bruce Grobbelaar, Phil Neal, Alan Hansen, Gary Gillespie, Alan Kennedy, Craig Johnston, John Wark (Ronnie Whelan 31/2º), Jan Mølby, Steve Nicol, Kenny Dalglish e Ian Rush. T: Joe Fagan. Árbitro: Romualdo Arppi Filho (BRA). Gol: Percudani (6/1º).

httpv://www.youtube.com/watch?v=P98RPV3Jnt4

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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