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Luto no San Lorenzo: falece o símbolo “Ovelha” Telch

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Talvez a melhor imagem que traduza a idolatria sobre Telch

No Brasil, o endeusado é Doval. Na Argentina, Veira. Mas quem mais vingou daqueles Carasucias como jogador do San Lorenzo e da seleção foi outro: Roberto Marcelo Telch, cujos cabelos cacheados lhe provocaram os apelidos de Oveja (“Ovelha”) e Cordero. Jogou por treze anos no clube do Papa e até este ano era o profissional mais vezes campeão nos azulgranas. Também fez história na seleção argentina, saindo da reserva para marcar dois gols em um 3-0 sobre Pelé & cia em pleno Pacaembu há meio século. Fez sucesso ainda na melhor época do hoje decadente Unión de Santa Fe. Falecido ontem aos 71 anos, é o terceiro homem com mais jogos no campeonato argentino.

Nascido em Córdoba mas surgido no San Lorenzo desde a base, dizia que sua única mágoa foi justamente não ter se aposentado no clube, onde debutara profissionalmente em 1962 e foi dispensado em 1975 pelo técnico Alberto Rendo, outrora seu colega no meio-campo. Ganhou mais continuidade a partir de 1963. Ainda jovem, neste ano teve a única expulsão de sua carreira, contra o Atlanta.

Ainda jovem, acabou convocado de última hora pela seleção em 1964 para a disputa da Copa das Nações, criada para celebrar os 50 anos da CBF (então CBD): foi chamado para a vaga que seria originalmente do colega sanlorencista José Albrecht. A própria Argentina foi convidada no improviso, pois a primeira opção era a Itália. Ao se falar “improviso”, não se exagera: a delegação não tinha nem preparador físico, a ponto de Telch estar comendo um cachorro-quente quando foi chamado pelo técnico José María Minella para substituir José Mesiano, fraturado no nariz por… Pelé.

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Rattín, Ramos Delgado, Carrizo, Vieytez, Vidal e Simeone; Onega, Rendo, Prospitti, Rojas e Telch antes de enfrentarem a Inglaterra na Copa das Nações

Desacreditados no próprio país, os argentinos, eliminados na primeira fase nas duas últimas Copas do Mundo, já haviam batido com dificuldade Portugal de Eusébio enquanto os bicampeões mundiais haviam massacrado a Inglaterra. Ainda sem a cabeleira black power que o caracterizaria mesmo na velhice (estava cumprindo la colimba, como os argentinos chamam o serviço militar obrigatório), estava com as chuteiras em um canto mas foi sugerido ao treinador pelo capitão Antonio Rattín, que se encarregaria de marcar Pelé – a função que Mesiano vinha cumprindo tão bem a ponto de tira-lo do sério.

Telch estreou ali pela seleção e marcou duas vezes em uma noite inesquecível, com direito ao veterano goleiro Amadeo Carrizo defender um pênalti de Gérson. Os argentinos praticamente asseguraram o título, confirmado após vencerem os ingleses – dessa vez, com La Oveja de titular. A conquista renovou a moral da Albiceleste e foi seu título mais relevante até a Copa 1978. Ironicamente, isso não convenceu o novo técnico Juan Carlos Lorenzo a usar alguns campeões na Copa 1966, como Telch, Carrizo, o futuro santista Ramos Delgado e o mencionado Rendo, bastante elogiado no torneio.

Retratamos a Copa das Nações neste outro especial, quando ela fez 50 anos, em junho. Telch só voltaria a jogar pela Argentina em 1970, mas se firmou de vez no San Lorenzo após aquela taça. Naquele mesmo ano, o clube faturou a Copa Jorge Newbery causando sensação com seu jovem e irreverente quinteto ofensivo: Narciso Loco Doval, Victorio Manco Casa, Fernando Nano Areán, Héctor Bambino Veira e, na ponta-esquerda, Roberto Oveja Telch. Eram os Carasucias (“Os Cara-Sujas”, gíria argentina para moleques). Mas o título argentino só viria em 1968. E de forma histórica.

Nas eliminatórias à Copa de 1974: foi o único do quinteto Carasucia a jogar mundial

Treinado pelo brasileiro Tim (quem levaria Doval ao Flamengo), o Ciclón se tornou ali o primeiro campeão profissional argentino de forma invicta. Telch já não jogava no ataque e sim na ligação para ele desde a defesa, como volante infatigável, voluntarioso e ótimo ladrão de bolas,com correção. Los Carasucias agoram eram Los Matadores. Falamos dessa taça ano passado: clique aqui.

Entre 1968 e 1974, o San Lorenzo viveu seu período mais continuadamente vencedor, campeão argentino quatro vezes. Telch foi um dos quatro presentes em todo o ciclo, ao lado do lateral Sergio Villar, do volante Victorio Cocco e do goleiro Agustín Irusta. Em 1972, ironicamente sob o mencionado Juan Lorenzo de técnico, faturou-se os dois campeonatos do ano, algo também inédito (leia).

Em 1974, então, Telch era o capitão, pela liderança indiscutível que exercia sem precisar bancar o caudilho. Havia ido naquele ano à Copa do Mundo, enfim – glória manchada pela acusação de estupro de uma camareira na Alemanha. Daqueles cinco Carasucias, foi o único que conseguiu, além de ser o mais longevo na seleção (ironicamente, aqueles dois gols foram os seus únicos por ela, em 27 jogos) e no clube. Os quatro troféus nacionais puseram por 40 anos Telch, Villar, Cocco e Irusta como os profissionais mais vezes campeões nos cuervos. Leandro Romagnoli os superou em 2014 ao erguer a Libertadores (vencera também o Clausura e Mercosul 2001, Sul-Americana 2002 e Inicial 2013).

“Proibido usar água e sabão”: Telch com Estévez, Romagnoli, Saric e Romeo, supostos novos “cara-sujas”

La Oveja, porém, só jogou um ano mais. Foi dispensado em 1976 como o jogador que mais vezes defendeu o San Lorenzo, 425 vezes – depois foi superado só por Villar. Marcou só 25, muitos de cabeça, mas até nisso despertava dose extra de idolatria: o faro de gol crescia no clássico com o Huracán, vazado 5 vezes por Telch. Ou seja, um quinto dos seus gols azulgranas foram no rival.

Telch respondeu a quem o julgava decadente sendo o motor do meio-campo do Unión. O clube alvirrubro de Santa Fe viveu seu auge naquele fim de anos 70. O veterano estava lá na melhor campanha do Tatengue, o vice-campeonato nacional para o River em 1979. Telch encerrou a carreira um ano depois, no rival Colón. Totalizou 630 jogos na elite argentina. Na época, era o recordista de partidas nela, superado depois pelas 638 de Ricardo Bochini e 765 de Hugo Gatti.

Já dedicamos especiais a outros Carasucias: clique aqui para ler sobre Doval, falecido em 1991 (por sinal igualmente em um 12 de outubro, como Telch), e aqui para Casa, morto ano passado. Areán partira em 2011. O boêmio Veira, eleito no centenário sanlorencista, em 2008, como maior ídolo do clube, é o único remanescente daquele folclórico quinteto e uma anedota sua revela o profissionalismo de Telch: “corra você, que se deita 8 da noite”, teria dito à Oveja após chegar ressacado a um treino…

 

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Seus característicos cabeceios em mural sanlorencista e no outro ambiente onde foi ídolo, o Unión
Telch homenageado pelo San Lorenzo ao enfrenta-lo pela primeira vez, pelo Unión

 

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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