Há 30 anos, os rivais Atlanta e Chacarita subiam à elite
28 de dezembro de 1983. Há exatos 30 anos, jornais argentinos estampavam em suas capas notícias bem contrastantes da véspera: a visita e perdão do Papa João Paulo II a seu quase-assassino, o turco Mehmet Ali Ağca, e a tumultuada definição da segundona, em edição marcada pela subida conjunta de dois ferrenhos arquirrivais: Atlanta e Chacarita Juniors, que curiosamente, estiveram juntos também em quedas: foram rebaixados em 2012 à terceirona e já haviam caído para a segundona em 1979.
A rivalidade entre Atlanta e Chacarita já mereceu especial nosso: clique aqui. Como todas as rivalidades da Grande Buenos Aires, surgiu pela proximidade geográfica, com os estádios de ambos sendo separados por um quarteirão no bairro portenho de Villa Crespo, daí o nome Clásico de Villa Crespo para o dérbi. A rixa não arrefeceu nem com a mudança do Chaca ainda nos anos 40 para a cidade de Villa Maipú, na municipalidade de San Martín, ao norte da capital federal.
Ambos foram habituais frequentadores da elite entre os anos 20 e 70, com a Chacarita até sendo campeão em 1969 e o Atlanta se intrometendo constantemente entre os três primeiros (sua melhor colocação) na virada dos anos 50 para os 60 e, pela última vez, em 1973. Na segundona seguinte à queda em 1979, ambos estiveram bem díspares: os auriazuis ficaram a dois pontos do título e acesso, enquanto os tricolores foram outra vez rebaixados, à 3ª divisão.
Em 1982, enquanto o rival saía da terceirona, o Bohemio ainda beliscou novamente o acesso em 1982, perdendo o último play-off para segunda vaga para o nanico Temperley. Já em 1983, a “engenhosa” fórmula de previa um turno e returno entre todas as 22 equipes, mas elas somariam pontos separadamente, em dois grupos com 11 cada. O melhor pontuador levando em conta os dois grupos ficava com o título. Já a segunda vaga de acesso seria disputada em posteriores mata-matas entre os quatro outros melhores do grupo do campeão e os quatro melhores do outro grupo.
Isso fez com que o El Porvenir, do veterano Oscar Más (grande ídolo do River), que somou 44 pontos, não chegasse aos mata-matas: foi 6º no grupo do campeão Atlanta (seu técnico, Juan Carlos Lorenzo, era o mesmo que venceu as duas primeiras Libertadores do Boca, no bi de 1977-78), enquanto o 4º do outro grupo, mesmo com 43, se classificasse: o próprio Chacarita.
Além disso, aquele 1983, que reintroduziu os abomináveis promedios no campeonato argentino (sistema de rebaixamento que leva em conta as médias de pontos da temporada corrente com a anterior), também os viu ser implantados na segundona. Assim, o Gimnasia y Esgrima La Plata, que somou 31 pontos e foi o pior time, foi “salvo”. Quem caiu no seu lugar foi um que somou 36 pontos em 1983, o Villa Dálmine.
Quem mais venceu foi o Tigre, 20 vezes, só que também perdeu muito, 12. Já o Atlanta venceu 18, empatou 17 e caiu só 7 vezes, sendo que uma no tapetão, na última rodada, por faltar bolas em seu estádio quando vencia por 3-2 o Deportivo Armenio, considerado vencedor por 2-0. Saiu-se invicto nos dois clássicos: empatou sem gols fora e venceu por 2-1 em Villa Crespo, gols de Jorge Villagra e Alfredo Graciani (depois grande ídolo no Boca) para os auriazuis e Daniel Godoy para os funebreros.
O título auriazul foi garantido com uma rodada de antecipação, e com uma ajudinha do rival: o Tigre, único àquela altura a ainda ter chances, levou de 6-2 do Chacarita, com quem também passou a ter diferenças (há quem rotule o jogo deles como clássico, em virtude de poucos jogos recentes contra seus enfraquecidos rivais originais; o do Tigre é o Platense), enquanto o Atlanta arrancou um 1-1 com o Central Córdoba de Rosario, no estádio do Newell’s, em 19 de novembro.
O Chaca só se garantiu por outros fatores do regulamento: um gol a mais de saldo que o Sarmiento de Junín (5º em seu grupo, também com 43 pontos), que venceu mais vezes (16 contra 13) e marcou mais gols (52 contra 43), mas ficou com 6 de saldo contra 7 dos tricolores. No octagonal final pela segunda vaga, começou eliminando o próprio Tigre, nos pênaltis (5-4, com o goleiro Clauido Argüeso pegando a cobrança de Aníbal Bustos), após um 1-1 em casa e um 2-2 fora. Depois, o Sportivo Italiano, derrotado duas vezes por 1-0, gols de Sergio Escudero, um dos vira-casacas com o Atlanta, e Daniel Godoy.
O outro finalista foi o Los Andes de Lomas de Zamora, cujo jogador mais destacado estaria na Copa do Mundo de 1990, o zagueiro José Serrizuela. Fez cinco gols no octagonal, todos de pênalti. O Los Andes eliminou Almirante Brown e Quilmes e não experimentava a elite desde 1971. Seu rival original, o Banfield, passou a se enfezar mais com um antigo amigo, o Lanús. A frustração dos torcedores lomenses não poderia deixar de ser grande, ainda que no jogo de ida o Chaca tenha se saído com confortável 2-0. Mas o Los Andes ainda se sentia em condições de reverter.
Tanto é que caixinhas de doações foram distribuídas em seu estádio no jogo de volta, com vistas a servir de eventual premiação aos jogadores. Ao fim do primeiro tempo, vencia por 2-1. Mas no segundo tempo, Enrique Borrelli empatou rápido para os visitantes e depois ele mesmo viraria o jogo. Serrizuela ainda empatou tudo, mas a esperança já havia acabado. O inverso era sentido pelos torcedores do Chacarita. A euforia era tanta que vários invadiram o campo aos 44 do segundo tempo.
A frustração dos torcedores do Los Andes se somou à revolta de ver os visitantes querendo dar uma debochada volta olímpica. Os caseiros também invadiram o gramado. Começou uma batalha campal entre as torcidas. “Não aconteceu algo pior porque Deus não quis. Se isso tivesse se passado hoje, creio que terminava muitíssimo pior, já que agora as brigas entre barras se dirimem com armas brancas ou de fogo. Nesse dia, ninguém portava armas. Por isso, não houve mortos”, afirmou Luis Escobedo, jogador do Los Andes. A polícia, com sua cavalaria, interviu na chuva de garrafas, pedras e cadeiras.
A ação policial, em vez de esfriar, só colocou ares surreais na peleja: o método usado era característico nos ainda recentes tempos de repressão ditatorial (o primeiro presidente civil pós-ditadura, Raúl Alfonsín, assumira o cargo menos de três semanas antes só) e irritou ambos os lados, que em dados momentos se uniram, celebrando quando retiravam os policiais dos cavalos.
As imagens, muito antes de surgir o Youtube, não correram o mundo, mas escandizaram a Argentina. O Chacarita jogou seus primeiros jogos na volta à elite no estádio do Deportivo Español e ficou impedido de somar pontos por um mês. Mas teve melhor sorte que o rival: o Atlanta logo caiu em 1984 e até hoje não regressou à elite. Já os funebreros vez ou outra estão nela, a última vez em 2010. Abaixo, ficha dos jogos que valeram o acesso da dupla há 30 anos:
Central Córdoba: Pagés; Ovando, J. Ocampo, Murillo (Killer), Ricci; D.Ocampo (Bicciuffi), J. Díaz, Lebioso, Acuña; Forgués, Strambi. T: R. Miralles. Atlanta: Domínguez; Gómez, Millicay, Bianchi, Raffaelli; Jones, Verón, Torres (Cano), Villagra (Milano); L. Díaz, Rojas. T: Juan Carlos Lorenzo. Árbitro: J.C. Crespi. Gols: Torres (20/1º) e Lebioso (39/2º)
Los Andes: Damiano, Escobedo, Medina (Pizzo), Serrizuela e Podeley, Infrán (Cabrera), Aramayo e Pérez, Garay, Alarcón y Cuellos. T: Marchetta. Chacarita: Argüeso, Abramovich, Giorgi, Ingrao e Cánova, Guillermo Rodríguez, Marioni e Yalvé (Ramírez), Godoy, Borrelli (Escudero) y Fonseca Gómez. T: Guerra. Árbitro: Coradina. Gols: Medina (contra 11/1º), Giorgi (contra 14/1º), Serrizuela (24/1º), Borrelli 4 e 23/2º) e Serrizuela (33/2º).
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