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Há 30 anos, o Racing era rebaixado. E há 75, o Independiente, campeão

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Sastre, Erico e o rebaixado Rizzi (que caíra com o San Lorenzo em 1981: só ele caiu com dois grandes)

Hoje no vexame da 2ª divisão, os torcedores do Independiente celebram hoje duas datas festivas, uma relacionada justamente ao rebaixamento do rival Racing, que caiu há exatos 30 anos, bem antes do Rojo de Avellaneda enfim passar pelo mesmo a partir deste 2013. Outra comemoração entra hoje pelo 75º ano: o primeiro título profissional dos Diablos no campeonato argentino.

Em 1938, Independiente, Racing, Boca, River e San Lorenzo haviam acabado de serem reconhecidos oficialmente pela AFA (em 1937) como “os cinco grandes”, por estarem seguidamente na elite havia 20 anos, terem duas taças nela e ao menos 15 mil sócios. Estavam entre os clubes que, em 1931, saíram da Associação Argentina de Futebol (que pregava o amadorismo) para jogar uma liga profissional.

Mas desde 1931, com exceção de um ou outro título do San Lorenzo, as taças foram alternando-se entre Boca e River, que ali começavam a ser a dupla principal do futebol argentino. O Racing não era campeão desde 1925 e o Rojo, desde 1926. Os doze anos de seca nacional vermelha, a maior de sua história, até que a atual, enfim se encerrariam em 1938. Aquele campeonato foi histórico também por outras razões: foi o primeiro da era profissional a receber um promovido da segunda divisão (o rebaixamento na nova era só foi implementado em 1937), o Almagro.

O Almagro logo cairia em 1938 juntamente com o Talleres da cidade de Remedios de Escalada, no sul da Grande Buenos Aires. Este Talleres, que revelou Javier Zanetti mas que nunca mais voltou à elite, era um tradicional time pequeno da época e tinha mais expressão que o xará de Córdoba. Era o principal rival do Lanús, da cidade vizinha de Lanús. Mas o desnível entre ambos fez o atual campeão da Sul-Americana “preferir detestar” mais um clube então amigo das mesmas redondezas, o Banfield, que por razões parecidas “esqueceu-se” que seu clássico original era com outro sumido, o Los Andes.

Já o Independiente vinha embalado pelo trio ofensivo que passou a reunir desde 1937: o ultrapolivalente (zagueiro, meia, atacante e até goleiro: um craque, considerado o mais completo da história) Antonio Sastre, que segundo “O Mestre” Osvaldo Brandão ensinou o futebol aos brasileiros após brilhar nos anos 40 pelo São Paulo e levantar os primeiros títulos do jovem Tricolor Paulista; a revelação Vicente de la Mata, herói da final contra o Brasil da Copa América 1937; e o goleador paraguaio Arsenio Erico, maior artilheiro do campeonato argentino e do clube, com 293 gols, sobre quem um jovem Di Stéfano revelou que queria “apenas imitar”. Eles ainda são os profissionais que mais marcaram pelo time.

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O jovem De la Mata (pela seleção) e Sastre rodeado por colegas após marcar seu gol nos 8-2 no Lanús: Vilariño ao lado, De la Mata atrás, Erico lhe dando um tapinha e Zorrilla abrindo os braços

Em uma época de ouro do futebol argentino, o campeonato foi cheio de gols: só teve quatro 0-0. O empate mais destacado foi um 5-5 entre River e San Lorenzo. O campeão demonstrou a que veio já no 1º turno: 60 em 17 jogos. Nos 17 jogos seguintes, 55. Nenhum outro marcou tanto em um só campeonato argentino, quase 4 por jogo. Erico, que em 1937 teve a maior artilharia em um só torneio (47 gols), seguia afiado: fez “só” 43 em 1938. De la Mata, 27. No ataque, o trio era abastecido por José Vilariño e José Zorrilla pelas pontas, e, por trás, pelos meias Celestino Martínez e Raúl Leguizamón.

Mas, além do melhor ataque, o Rojo reuniu ainda a melhor defesa, que sofreu 37 gols ao todo. Nela, se destacavam a inexpugnável zaga de Sabino Coletta e o espanhol Fermín Lecea e o goleiro Fernando Bello, apelidado de Tarzán pelos saltos (jogava também basquete). O segundo turno foi marcado pela disputa renhida entre Independiente e River  – os dois já haviam concorrido pela taça no ano anterior, mas os Millonarios sobraram no fim, com 6 pontos de vantagem em uma época onde a vitória valia 2. Em 1938, justo por 2 pontos a mais, veio o troco do Rojo.

Ambos perderam só 4 vezes em 34 jogos. Ao fim, pesou os 2 empates a menos do campeão (3 contra 5), que já começou arrasador: 6-2 no Tigre no primeiro jogo, 9-0 no Almagro no terceiro, 6-1 no Ferro Carril Oeste no quinto, 4-2 no próprio River em pleno Monumental de Núñez na sexto… aliás, o Monumental foi estreado oficialmente exatamente neste jogo, três dias depois da inauguração amistosa contra o Peñarol (clique aqui). Também houve um 7-1 no Vélez, 5-0 no Estudiantes, no Talleres e no Platense, um 9-2 no Chacarita, um 4-0 fora de casa no Boca…

Apesar das recorrentes goleadas dos Diablos, o River não aliviava, inclusive dando o troco em Avellaneda, onde venceu o Independiente por 3-1 no segundo turno. O título só foi definido mesmo na última rodada. O Millo, que nos três jogos anteriores, sendo dois fora de casa, venceu por 5-2, contra Talleres, Racing e Huracán, aplicou um 3-0 no Vélez. Mas o Independiente, que seria campeão com um empate em casa diante do fraco Lanús, deu outra sapecada: 8-2, com gols das três grandes estrelas – um de Sastre, dois de De la Mata e três de Erico. José Vilariño completou o massacre.

O Independiente ainda seria bi no ano seguinte, e outra vez campeão em 1948. O Racing só seria campeão em 1949, mas começou a rir mais: logrou um tri seguido, o primeiro do profissionalismo, até 1951 e outra taça em 1958, enquanto o rival outra vez passou doze anos de seca. A década de 60, então, viu a época de ouro da dupla de Avellaneda: Independiente campeão em 1960, 1963 e 1967 (aí com o mesmo Osvaldo Brandão como técnico: clique aqui), Racing em 1961 e 1966. Foram, sobretudo, os primeiros argentinos campeões da Libertadores: Rojo em 1964 e 1965, Academia em 1967.

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De la Mata pelo clube e o time de 1938: o técnico Ronzoni (campeão com o time no amadorismo), Lequizamón, Franzolini, Coletta, Bello, Lecea e Martínez; Vilariño, De la Mata, Erico, Sastre e Zorrilla

Só que o Racing conseguiu algo maior: primeiro argentino a vencer a Intercontinental, em 1967 (clique aqui). Era El Equipo de José, o time do técnico Juan José Pizzuti, antigo goleador racinguista dos anos 50 que ironicamente era torcedor do Independiente. Os vermelhos enfim se sobrepuseram nos anos 70: tetra seguido na Libertadores entre 1972-75 e, finalmente, o primeiro título na Intercontinental, em 1973 (clique aqui). Um cruel cereja viria dez anos depois, em 1983. O Racing não era campeão justamente desde a Intercontinental de 1967 e desde 1974 passou a ter menos vitórias no clássico.

Em 1983, a gozação mais recente é que até uma “cópia” sua, o Racing de Córdoba, estava melhor: foi vice nacional em 1980 (clique aqui), quando treinado por um antigo herói daquele Racing de 1967, Alfio Basile. O jogo que rebaixou o Blanquiceleste foi justamente contra a “imitação”. O torneio reinstituiu os famigerados promedios para o rebaixamento, sistema a considerar a média de pontos da temporada corrente com a anterior (atualmente, com as duas anteriores). Foram retomados por conta da comoção pelo primeiro rebaixamento de um grande, o do San Lorenzo em 1981.

A medida visaria proteger os grandes, e até salvou o River em 1983, mas ironicamente condenou outro grande no lugar, o Racing. Para aumentar a ironia, o outro que deveria cair com o River seria o Racing de Córdoba (mas foi o Nueva Chicago). Em 1982, o Racing ficou em 16º em um campeonato com 19 times. Em 1983, foi o 17º. Já o 18º River e o 19º Racing de Córdoba se salvaram porque, em 1982, ficaram respectivamente em 10º e 7º. Até o também rebaixado Nueva Chicago teve campanhas melhores, dois 15º. La Academia não só foi rebaixada, como teve os piores promedios do biênio.

Tamanha pobreza confirmou o descenso ainda antes do final do campeonato, na penúltima rodada. Nem o mesmo Juan José Pizzuti, recontratado para salvar o time, deu jeito. Se em 1938 o notável foi a chuva de gols, o “inverso” 1983 viu a crescente violência nos estádios. O interesse pelos jogos se deveu mais ao equilíbrio pela liderança e contra o rebaixamento do que pela qualidade. Na 21ª rodada, o clássico Newell’s-Rosario Central foi encerrado aos 42 do segundo tempo após a queda de um alambrado.

Na 32º, em uma das derrotas do Racing (1-0 para o Ferro Carril Oeste), o jogo foi suspenso aos 30 do segundo tempo após um bandeirinha ser atingido por um rojão.  Na 34º, o confronto cordobês entre Talleres e Instituto acabou aos 44 do segundo tempo por incidentes nas arquibancadas. O restante do jogo contra o Ferro foi disputado no dia 13 de dezembro, cinco dias antes do rebaixamento se consumar. Caldeiro empatou no último lance e fez todos crerem que um milagre ainda era possível.

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Ataque do Racing de Córdoba contra o “original” há 30 anos e cena da pancadaria nas arquibancadas

Dois dias depois, em 15 de dezembro (o Racing jogou sete vezes em 20 dias), o mesmo Caldeiro abriu o placar contra o Unión aos 40 do segundo tempo, mas Miguel Brindisi, que reforçaria o próprio Racing na segundona, empatou no fim. Os concorrentes Nueva Chicago e Temperley venceram fora de casa, contra nada menos que River e Newell’s, respectivamente. Se o Temperley, recém-promovido, vencesse mais uma vez nos dois últimos jogos, o Racing caía. Sua queda veio na 37ª rodada, com projéteis da torcida do Rosario Central finalizando sua derrota para o San Lorenzo aos 39 do segundo tempo.

O Racing levou o primeiro gol, mas terminou o primeiro tempo vencendo de virada. Mas tomou a contra-virada logo no início do segundo. O desespero maior, porém, veio quando se anunciou que o Temperley estava vencendo o River. Veio o quarto gol cordobês. No finalzinho, La Academia diminuiu e provocou uma avalanche de torcedores esperançosos. Só que as forças de segurança, acostumadas aos tempos militares ainda bastante recentes (a posse do primeiro civil pós-ditadura, Raúl Alfonsín, fora na semana anterior), entenderam que estavam sendo atacadas e reprimiram duramente. Os torcedores revidaram os cassetetes atirando garrafas, rádios e depredando até as cabines de imprensa, sendo “contra-atacados” com gases, cachorros e até cavalos. A partida foi dada por encerrada aos 41 minutos do segundo tempo.

“Já se vê, já se vê, a Equipe de José”, cântico dos dourados anos 60, foi ironizado para “Para a (série) B, para a B, a Equipe de José”. Esse não foi o fim do vexame. Como tudo sempre pode piorar, houve um epílogo que só aumentou a humilhação. Contaremos em quatro dias… Abaixo, fichas técnicas.

Independiente: Bello, Lecea e Coletta, Franzolini, Leguizamón e Martínez, Vilariño, De la Mata, Erico, Sastre e Zorrilla. T: Guillermo Ronzoni. Lanús: Pérez, Wilson e Rodríguez, Bazterra, Sánchez e Ducca, Cravero, Correa, Dosetti, Pícaro e Núñez. Árbitro: Macías. Gols: Erico (21/1º), De la Mata (24/1º), Vilariño (27/1º), Cravero (28/1º), De la Mata (29/1º), Erico (35/1º), De la Mata (41/1º), Sastre (6/2º), De la Mata (13/2º) e Dosetti (42/2º).

Racing: Wirtz, Azzolini, Tesare, Castelló e Veloso, Caldeiro, Urán (De Andrade) e Marchetti, Orte, Rizzi e Magallanes (Matuszyczk). T: Juan José Pizzuti. Racing de Córdoba: Ramos, E. Maldonado (Vivanco), Noriega, Coloccini e Quiñones, Seronero, J. Maldonado e Gasparini, Amuchástegui, Cabral (Zingarello) e Oyola. Árbitro: Teodoro Nitti. Gols: Oyola (6/1º), Magallanes (11/1º), Tesare (25/1º), E. Maldonado (8/2º), Gasparini (11/2º), Amuchástegui (29/2º) e Castelló (40/2º)

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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