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Há cinco anos, a Argentina conseguia o bi olímpico

2008-01

Meia década atrás, algumas eras findavam, outras começavam. Em transições rápidas à vista ou não. Há exatos cinco anos, a seleção argentina também conquistava o bi olímpico, seguido. Em campanha com diversos trocos históricos contra Brasil, Nigéria e até Uruguai, que nem participou.

Às vésperas ou durante o torneio, grandes mudanças. A Espanha emergia no rol das grandes seleções ao vencer a Eurocopa. No país, o Athletic de Bilbao passaria a estampar patrocinadores na camisa e acabavam os tempos de Ronaldinho Gaúcho no Barcelona, reforçado pela campanha insatisfatória em La Liga: 18 pontos atrás do Real Madrid do sumido Bernd Schuster e atrás até do Villarreal (que neste 2013 acaba de voltar da 2ª divisão). Deco também saiu, para o Chelsea de um recém-contratado Scolari.

Na Inglaterra, por sinal, o Manchester City também começava a emergir, ainda financiado por dinheiro tailandês e não dos Emirados Árabes. A principal estrela ainda era Elano. O Tottenham Hotspur, sem Gareth Bale nos titulares, ganhou a Copa da Liga finalizando jejum de nove anos sem troféus e sem vencer o Arsenal. Na Bélgica, o jejum quebrado era o de 25 anos de títulos de clubes flamengos, com a taça indo ao Standard Liège, da região “francesa”. Na França, aliás, o Lyon vencia pela última vez.

Na Argentina? Até então, pouca coisa parecia mudar. O River retomava a hegemonia nacional ao vencer o Clausura. Não se sabia que era a última vez que seria campeão da elite e que, já no Apertura seguinte, ficaria em último. O San Lorenzo, que o eliminou epicamente na Libertadores, mais uma vez ficou sem ela – eliminado por uma certa LDU, para a felicidade dos torcedores do Fluminense, a terem menos pavor de um time equatoriano do que o de um “sempre catimbeiro” argentino.

2008-02

Falando em Brasil, foi um ano anormal: Joel Santana iria treinar a sede da próxima Copa. O Vasco se livrou do Eurico, mas não do rebaixamento, ao passo que o Corinthians saía da 2ª divisão e ofuscou as atenções ao tri seguido do São Paulo de Muricy ao trazer um Ronaldo dado como flamenguista. Rivaldo ia ao Uzbequistão. Já o Internacional, recém-reforçado por D’Alessandro, valorizava a Sul-Americana. Não havia Neymar, mas Thiago Neves. Felipe Massa ainda era um postulante mais sério a campeão e por um Timo Glock não o foi (Vettel não “existia”). Nos Jogos, o favorito Diego Hypólito caiu na ginástica e foi César Cielo e não Thiago Pereira o primeiro ouro brasileiro na natação. O vôlei feminino superou a pecha de pipoqueiro e levou o ouro que repetiria em Londres, com o masculino perdendo.

As Olimpíadas de Pequim estavam muito contestadas por ativistas pró-Xinjiang e Tibete e talvez pelo Guns N’ Roses, que finalmente lançou o Chinese Democracy (na música pop, veio os primeiros singles de umas tais Katy Perry e Lady Gaga). Quem também contestava eram clubes europeus: argumentando que os Jogos não eram do calendário da FIFA, não queriam liberar seus astros. Na véspera do pontapé inicial, foram amparados pelo Tribunal Arbitral do Esporte. Com essa vitória moral e jurisprudência para casos futuros, eles enfim cederam. Mas duas estrelas estavam “garantidas” de qualquer jeito.

Ronaldinho Gaúcho foi “escalado” por Ricardo Teixeira, que apostava em uma recuperação do craque, então com uma promissora transferência ao Milan, que teria como uma das condições justamente a sua liberação para os Jogos. E o amigo Messi, já o jogador principal do Barcelona, expressara que fazia questão de participar das Olimpíadas. Melhor para Sergio Batista, então o técnico sub-23. Teria para si diversos craques da seleção principal ainda com idade olímpica: Gago, Banega, Lavezzi e Agüero já tinham certo reconhecimento, ainda que nem naquela época fosse comparado ao de Lionel.

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O plantel também tinha um desconhecido Di María. Os guris foram reforçados por nada menos que Riquelme e Mascherano. A estreia argentina foi em 7 de agosto, um dia antes da abertura dos Jogos, programada para o “místico” 08/08/2008. Simbolicamente, a canhota de Messi abriu o placar nos 2-1 sobre a Costa do Marfim, em Xangai, livre de frente para o goleiro após passe rasteiro cirúrgico que não poderia ser de outro que não Riquelme, desde o círculo do meio-campo. O outro foi de Lautaro Acosta, que só fez emendar um chute de Messi após cobrança ensaiada de falta a 5 minutos do fim.

O segundo jogo foi contra a Austrália, vencida em Xangai a 15 minutos do fim em contra-ataque com Riquelme em disparada trocando passes com Messi e Di María, que inverteu para Lavezzi emendar de primeira. A seguir, os sérvios, competindo enfim pela Sérvia isolada – que, por sinal, perdera Kosovo em fevereiro, ao menos segundo uma centena de países que já reconheciam a independência da região até junho daquele 2008. Na bola parada, com um pênalti acertado por Lavezzi e uma falta de Buonanotte (estrela do dito River campeão), veio os 2-0 em Pequim.

Nas quartas-de-final em Xangai, a Holanda, quem mais deu trabalho: os gols no primeiro tempo de Messi (aproveitando trapalhada do defensor Jong-a-Pin, que lhe “entregou” a bola na defesa após chutá-la em cima de Lio, que só driblou o goleiro antes de concluir) e, em impedimento, de Otman Bakkal, foram o resultado até o fim dos 90 minutos. Na prorrogação, um lindo passe rasteiro de Messi fez a bola passar por quatro laranjas e chegar a um livre Di María marcar.

Nas semis, um Brasil entalado: vencera os dois jogos anteriores entre as seleções principais, por 3-0 em Londres pouco após a Copa 2006 e outro 3-0 na final da Copa América 2007, onde a Argentina vinha encantando e o Brasil chegou à final contestado pelos resultados e por Doni e Afonso Alves. Messi esteve nas duas partidas e teve desforra na mesma moeda – contra uma seleção que ainda não havia levado gols no torneio. Já no 2º tempo, Agüero completou com o peito um chute diagonal de Di María pela ponta-esquerda. El Kun fez o segundo completando um tiro de Riquelme pela ponta-direita; Messi cozinhara a bola diante de três brasileiros antes de passa-la ao maestro do Boca.

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2008-05Os canarinhos até diminuíram no Estádio dos Trabalhadores de Pequim: Pato pegou rebote de uma falta de Ronaldinho que acertou a trave direita de Romero, mas o impedimento do hoje corintiano anulou o lance. Messi, então, lançou Agüero, calçado por Breno na grande área. Com um chute forte no meio do gol, Riquelme pôs a pá de cal no sonho do inédito ouro brasileiro. Novamente em Pequim, agora no Ninho do Pássaro, a final foi contra a Nigéria.

Os brasileiros lembram-se bem da eliminação para o time de Kanu nos Jogos de 1996, mas nem tanto que os argentinos de Ayala, Zanetti, Crespo, Ortega, Almeyda e Gallardo, todos jovens de idade olímpica, também perderam para os africanos, na final. A revanche foi selada com um solitário e belo gol. Di María, em disparada em contra-ataque puxado por Messi, encobriu o arqueiro nigeriano no início do 2ª tempo. 80 anos após perder para um Uruguai bi olímpico, a Albiceleste igualava aos rivais do Rio da Prata.

Aquele 2008 teve mesmo transições, ainda que à época pudessem ser consideradas novas eras em si, como Felipão no Chelsea, Joel Santana na África do Sul, o nanico Hoffenheim na Alemanha, a seleção russa de Arshavin e até Maradona como técnico da Argentina.

No posto de melhor do mundo, a transição atendeu por Cristiano Ronaldo, recém-campeão da Liga dos Campeões com o Manchester United. Pois a era que começou, antes até da recessão econômica (o Lehman Brothers pediria concordata no mês seguinte aos Jogos) e da eleição do primeiro negro à presidência dos EUA, foi a de Lionel Messi. É empolgação falar assim, mas também é fato.

A partir dali, apesar da derrota para o Numancia e um empate com o Racing Santander nos dois primeiros jogos do Espanhol, La Pulga lideraria o Barcelona à inédita tríplice coroa (campeonato e copa nacionais e Liga dos Campeões) na Espanha. Quatro títulos seguidos de melhor do mundo depois, é bom lembrar que a primeira conquista dessa era veio há meia década atrás – ainda que algo relegada na época em meio a Phelps, Bolt, Isinbayeva e Walsh & May. Veio não no outro lado do Atlântico, e sim no outro lado do mundo, na terra em que imperadores governaram de milênios antes de Cristo até 1912.

2008-06
Riquelme, Pareja, Romero, Garay, Zabaleta e Gago; Messi, Agüero, Monzón (o do Fluminense), Di María e Mascherano

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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