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Lucas Bernardi: a alma e uma das armas secretas do Newell’s

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Nos dias em que o Newell´s Old Boys chama a atenção do mundo, vários nomes se destacam no clube. De Martino a Maxi Rodríguez, passando por Heinze e Scocco pouco se pode falar diante do reconhecimento geral que eles têm proporcionado ao Rojinegro. Só que um jogador simboliza muito mais do que fizeram os nomes citados acima: o capitão Lucas Bernardi. A partir de várias falas, desde sua volta ao clube, em 2009, veja o retrato da “alma” atual do conjunto de Rosário.

No começo de 2009, Bernardi deixou o Mônaco para voltar ao clube que o lançara ao futebol, 11 anos antes, em 1998: o Newell´s Old Boys. Tanto na Europa quanto na Argentina ninguém entendeu muito a sua atitude. O volante tinha várias propostas tanto para seguir no Velho Continente quanto para ser repatriado por vários clubes importantes da América do Sul. Mas foram razões do coração que o fez desembarcar em um clube à beira da falência institucional.

Algumas fontes dizem que Bernardi chorou ao visitar Rosário e ver as instalações do clube. Mas não tanto como ao se deparar com o estado caótico do Centro Malvinas, em que ele foi lançado, ou a Casa de Los Juveniles onde, sob do estádio Coloso, os garotos dormiam em camas simples. O que o teria destruído foi o fato de que apesar do cenário de penúria que havia nos lugares citados, ainda assim o clube mantinha o CIENOB e fazia um verdadeiro inferno para que ali houvesse um mínimo de decência e qualidade.

Mas o que é o CIENOB? Trata-se do Centro Integral Educativo do Newell´s OLD Boys. Ali, crianças que chegam ao clube recebem educação durante todo o tempo em que não estão treinando futebol. Isto pareceu demais para Bernardi, que após uma semana lacônico e pensativo teria anunciado à sua família que voltaria para o clube do coração. Resolvido isso, havia outro problema. Como o clube pagaria a um jogador de seu status o salário que ele poderia receber em outros lugares?

O capitão não teve dúvida. Resolveu assinar com o Newell´s por uma quantia simbólica e irrelevante. Sua dignidade o impede de falar do assunto, mas por meses o atleta não apenas se esquivou de receber salários como ainda intensificou doações de seu próprio bolso para melhorar as instalações. Este tipo de coisa ele nunca tornou público até porque a publicidade que queria promover era outra: a do exemplo absoluto dentro e fora de campo.

E isto, desde o tom de voz, e da cordialidade na fala, até ser o primeiro atleta a chegar ao clube e um dos últimos a sair. Isto não foi nada. Maior ainda foi a maneira como tentou conciliar o resgate da autoestima associado à preocupação com as finanças e o futuro institucional do Newell´s. Durante certo tempo, Bernardi chegou a ser ouvido pelos dirigentes, que poderiam ter aproveitado melhor a sua vasta experiência no exterior. Depois de perceber que isso não adiantava, canalizou suas preocupações para o elenco rojinegro e aos problemas em campo.

Com o aprofundamento da crise institucional, o monstro da desorganização, que se alimenta dos aproveitadores, cresceu a ponto de engolir todas as boas intenções que circulavam no Parque Independência. Tentou engolir também ao capitão. Com o rebaixamento batendo às portas e vários técnicos chegando e saindo, Bernardi virou o escudo que protegia o elenco dos ataques ferozes dos barrabravas. A situação quase o destruiu como pessoa. Sua família foi agredida, seu pai teve seu comércio depredado, seu veículo danificado etc.

Neste momento, dirigentes e técnicos abandonavam o barco e partiam. Bernardi ficava. Mortes começaram a circular no dia-a-dia dos torcedores e vitimavam àqueles que tentavam apoiar o time, dentro de campo. Quando elas indicaram que chegariam aos atletas, Bernardi ampliou sua função de escudo e reteve para si um sem-números de problemas: Telefonemas anônimos não o deixavam dormir sucessivamente por várias noites. Perseguição nas ruas da cidade e tocaias tentavam intimidá-lo e exilá-lo dentro de sua casa. Tapa na cara, dedo apontado em riste e ofensas verbais eram uma constante. Mas ele permaneceu.

Por fim, quando o Newell´s colocava os dois pés na segunda divisão, outros heróis leprosos vieram se juntar a Bernardi para salvar o Rojinegro do Parque Independência. Heinze, Scocco, Maxi, Sebá Domínguez e sobretudo Tata Martino colocaram seus prestígios em jogo para desembarcar no clube (com exceção ao defensor do Vélez, que apenas apoiou financeiramente). Com a ampliação do escudo, o monstro das crise perdeu força. Neste momento, o Newell´s se levantou, assim como sempre esteve erguido Bernardi, o iniciador de todo o processo.

Um cérebro dentro e fora de campo

Dentro da cancha é fácil ver como atua o capitão leproso. Mas ele é muito mais que isso. O jogador é um exemplo de quem tem visão empresarial, olhar sobre a base e olhar sobre o futuro do clube. Esse mesmo olhar ele pratica dentro de campo, organizando a equipe. Por vezes, com falas diretas a seus companheiros; por outras, sinalizando ações com seu posicionando em certos lances. Quando precisa dar uma bronca, não pensa duas vezes para fazê-lo: só que quase sempre apenas com um olhar.

Sua visão sobre futebol é profunda, precisa e norteada pela objetividade. Uma de suas preocupações vitais é a de eliminar o excesso de inocência das jogadas mais simples de cada um de seus colegas em campo. Para Bernardi, inocência é coisa de meninos num típico esporte para homens.

Destaque de uma equipe que tem no jogo rápido um de seus pontos fortes, o capitão deixa claro que a prática do bom futebol passa antes de mais nada pela retenção e domínio da pelota. Toque pra lá, toque pra cá é o seu princípio, embora haja espaços do campo em que também essa prática há de ser relativizada.

Em geral, todas as equipes sonham em ter um meio-campista habilidoso, que comande o setor e seja o ponto de equilíbrio da equipe, além de espécie de fábrica de suas boas jogadas ofensivas. Bernardi concorda com isso, mas considera algo anterior a isto e até mais importante: o jogador há de ser inteligente. Este atleta pode não ter tanta habilidade, mas sua inteligência é do tipo de coisa que o faz se adaptar a vários esquemas e às várias situações que uma partida coloca, durante seu 90 minutos.

Bernardi não abre mão de que uma equipe pratique sempre o bom futebol. Não abre mão disso. Mas veja como ele relativiza essa questão: “A meu ver, aquela equipe que talvez esteja toda atrás e apenas com o 9 na frente pode desempenhar o bom futebol, porque tem o mérito de reconhecer que este é o seu melhor recurso, talvez o único. Seu jogo é o melhor possível porque está atrelado à consciência de suas limitações e virtudes”.

Isto fica claro ao vermos o próprio jogador em ação. Bernardi pode atuar em várias posições, assim como ficou claro na primeira partida contra o Galo, em que Martino tirou o peruano Cruzado e o adiantou em campo. O capitão foi um dos destaques da equipe, principalmente por monitorar em Mateo a sua marcação a Ronaldinho Gaúcho.

Publicado originalmente no dia 05/07/2013, às 13h08

Joza Novalis

Mestre em Teoria Literária e Lit. Comparada na USP. Formado em Educação e Letras pela USP, é jornalista por opção e divide o tempo vendo futebol em geral e estudando o esporte bretão, especialmente o da Argentina. Entende futebol como um fenômeno popular e das torcidas. Já colaborou com diversos veículos esportivos.

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