20 anos do último título da seleção principal
Desde 4 de julho de 1993, craques de calibre mundial já surgiram na seleção argentina: Ortega, Crespo, Verón, Riquelme, Saviola, Aimar, Tévez, Agüero e, claro, Messi. Nomes que, na teoria, não fariam jus a uma longa estiagem de títulos para a Albiceleste, em que pesassem as seleções concorrentes. Mas um jejum, a completar duas décadas hoje, abarcou toda a carreira de alguns e ainda marca as dos mais recentes. Muitos troféus vieram, na verdade, mas só às seleções juvenis, o que inclui os dois ouros olímpicos. Para a principal, nada.
Introduzindo assim, fica até incrível lembrar que aquela taça coroou um recorde de invencibilidade naquele tempo, 32 jogos. Ainda mais ao ressaltar que Maradona só esteve em dois deles. Ele fora suspenso em 1991 por um ano e meio por uso de cocaína e, mesmo ao fim da punição, o técnico Alfio Basile se dera ao luxo de, sem El Diez, coordenar a Argentina que voltou a vencer (duas vezes) a Copa América depois de mais de 30 anos, no bi de 1991 e 1993. Estes títulos recolocaram a seleção como maior vencedora do torneio (o Uruguai reigualou em 1995 e reultrapassou em 2011). A taça de 20 anos atrás também não teve Caniggia, que acabara de ser suspenso pelo mesmo motivo.
A Copa América de 1993, de fato, marcou fins de ciclos e inícios de outros. Foi uma das últimas ocasiões em que clubes locais ainda predominavam em relação aos europeus nas convocações. Só cinco vinham do Velho Continente: Franco (Real Zaragoza), Simeone (Sevilla), Leo Rodríguez (Atalanta), Redondo (Tenerife) e Batistuta (Fiorentina). Estes últimos, após temporadas bem lembradas: pelo segundo ano seguido, o Tenerife acabara de vencer o líder Real Madrid na última rodada do Espanhol e ajudar o título a ficar com o Barcelona.
Redondo iria ao próprio Real, onde também seria ídolo. Já Batigol não conseguira impedir o rebaixamento da Viola, mas seguiria na seleção como caso mais célebre dos que a defenderam vindo de uma 2ª divisão (ele seguiria no clube de Florença, ajudando-o a voltar imediatamente à elite já na temporada seguinte). Os outros “estrangeiros” vinham da América Latina, algo retomado pelo atual técnico Sabella: Goycochea estava no Olimpia, o lateral Sergio Vázquez era da Universidad Católica (vice da Libertadores daquele ano, para o São Paulo) e o capitão Ruggeri, do América do México, país vencido na final.
Aquele foi justamente o primeiro torneio da Conmebol a convidar um representante do México. Ali, os EUA também estiveram pela primeira vez na competição, a reunir a dupla norte-americana com as dez seleções sul-americanas. Três grupos de quatro cada se formaram, com líderes, vices e os dois melhores terceiros avançando às quartas-de-final. Foi o caso do equilibrado grupo argentino, que tinha os próprios mexicanos e também as melhores gerações de Colômbia e Bolívia, ambas classificadas à Copa de 1994 – os andinos seriam os primeiros a vencer o Brasil em uma eliminatória de Copa do Mundo.
E logo os bolivianos foram os lanternas da chave… No dia 17 de junho, a Argentina estreou contra Etcheverry & cia, vencendo-os por 1-0: um condizente cabezazo de Ruggeri (conhecido como El Cabezón), afastando tiro de meta do goleiro adversário, funcionou praticamente como um lançamento para Batistuta, que, a galope, se lançou à grande área e marcou aos 8 do 2º tempo o gol do jogo. O lado ruim ficou para Darío Franco, que se fraturou aos 32 minutos em choque com Marco Sandy. José Basualdo foi convocado de emergência para a sua vaga. Contra os outros dois adversários, só empates.
No dia 20, era a vez do México, cuja maior estrela era o veterano Hugo Sánchez e tinha ainda figurinhas carimbadas da virada do século: o psicodélico goleiro Jorge Campos, o meia García Aspe e o recordista de jogos pela Tricolor, o zagueiro Claudio Suárez. Abriu o placar: Zaguinho (filho do ex-corintiano Zague) passara a Sánchez, que sofrera falta, cobrada rapidamente antes que os argentinos armassem a barreira e se dessem conta que a bola já estava com Patiño, que ficou na cara de Goycochea para marcar, aos 14 minutos. Depois de outros 14, o empate: Claudio García puxou pela ponta-direita e passou a Batistuta, que por ali tentou chutar a gol. A tentativa funcionou como cruzamento rasteiro para Ruggeri igualar.
1-1 seria o empate também contra a Colômbia, no dia 23, jogo nervoso que teve Redondo e Rincón expulsos no início do 2º tempo. No 1º, Simeone, caracterizado pela raça, fez gol do tipo já aos 2 minutos: recebeu de Batistuta e, pela ponta-esquerda, foi derrubado na grande área por Óscar Córdoba (futuro ídolo do Boca). Em vez de plantar um pênalti, se levantou, foi atrás da bola e, sem ângulo, acertou as redes. Mal deu tempo de comemorar: aos 5, os colombianos se infiltraram na grande área argentina e Rincón, em jogada inversa ao que faz Arjen Robben, foi pela esquerda, engando o marcador (Ruggeri) ao girar para chutar com o pé direito e soltar um balaço nas redes.
As quartas-de-final colocaram prematuramente um Brasil-Argentina. A seleção de Parreira tinha vários que ficariam de fora da Copa 1994: Antônio Carlos, Válber, Roberto Carlos, Marco Antônio Boiadeiro, Luisinho, Palhinha, Marquinhos, Edmundo e Almir jogaram naquele 27 de junho e pressionaram muito no 1º tempo, em especial com perigosos cruzamentos de Cafu (que chegou a acertar a trave) ou Edmundo pela direita. Aos 37, Müller, também como Rincón, veio pela esquerda e cortou para a direita, driblando Borelli antes de marcar. No 2º tempo, a Argentina equilibrou.
O jogo seria o terceiro 1-1 seguido da Albiceleste. O empate veio em escanteio cobrado por Gorosito na medida para um cabeceio de sucesso de Leo Rodríguez. A Argentina poderia até ter virado: em contra-ataque, Acosta se mandou à grande área, onde foi derrubado por Roberto Carlos, mas o pênalti não foi assinalado pelo peruano Alberto Tejada. E nos penais a classificação foi decidida. Melhor para os hermanos, que tinham o Tapa Penales. Acabaria eleito o melhor jogador do torneio.
Goycochea se consagrara na Copa de 1990 pelas defesas em duas decisões por penais seguidas, contra Iugoslávia e a anfitriã Itália. Contudo, sua carreira clubística não deslanchara. Mas, embora estivesse no futebol paraguaio, seguia na seleção e reafirmou-se naqueles dias. As cinco primeiras cobranças de cada time foram convertidas, mas Goyco esteve perto de defender três, de Cafu, Müller e Luisinho, só não acertando o canto nas de Zinho e Roberto Carlos. Na primeira das séries alternadas, pegou na esquerda a de Boiadeiro e viu Borelli acertar a sua para colocar a Argentina nas semifinais.
Nas semis, um reencontro com a Colômbia em 0-0, cujos maiores destaques foram cobranças de falta para cada lado: Córdoba espalmou para fora uma rasante de Batistuta, enquanto os cafeteros acertaram a trave. Os pênaltis tiveram roteiro parecido com o do Brasil: inicialmente, todos acertaram os seus, com Goycochea adivinhando três vezes a escolha colombiana, de Asprilla, Wilson Pérez e Valderrama – de quem quase pegou (tocou na bola, que escapuliu e ainda bateu na trave antes de entrar). Na primeira alternada, pegou na esquerda o de Aristizábal e Borelli outra vez definiu o resto.
Na final, outro reencontro, agora com o México. Como todos os jogos anteriores, a Argentina jogaria em Guayaquil, roteiro idêntico a de outra Copa América histórica, a de 1947, marcada pelas únicas exibições de Di Stéfano pela seleção e por ter concluído um recordista tricampeonato seguido (ver aqui). Os gols vieram todos em espaço de onze minutos no 2º tempo: aos 18, a defesa argentina lançou Batistuta, que trombou com Ramírez Perales e, mesmo com Jorge Campos obstruindo-lhe o ângulo direito, chutou ali, rente ao poste.
Aos 22, Galindo venceu Goycochea num pênalti quase que cavado por ele, que havia passado bela bola a Zaguinho, derrubado na grande área. E, aos 29, Batistuta marcou novamente: Simeone ganhou um lateral próximo a área mexicana e rapidamente o cobrou para Bati, que passou por Gutiérrez e fuzilou Jorge Campos. Os astecas pressionaram, mas sem maiores sufocos, com Márcio Rezende de Freitas pedindo a bola antes mesmo do acréscimo de 2 minutos que pedira se concretizar.
Apesar do título e do bi, Basile, como Parreira, realizaria muitas alterações no seu time-base – Goycochea, Fabián Basualdo, Ruggeri, Borelli e Altamirano, Zapata, Simeone, Redondo e Gorosito (ou Leo Rodríguez), Batistuta e Acosta –, com metade (em negrito) ficando de fora da Copa de 1994, na qual Goycochea e Borelli iriam, mas sem jogar. Franco, Craviotto, García e Zamora, outros campeões, também não iriam. A equipe não se encontrou nas eliminatórias. Contra a Colômbia, em Bogotá, a série invicta acabou e a seleção esteve perto de ficar de fora do mundial. Só Ruggeri, Redondo, Simeone e Batistuta seguiriam sem serem chamuscados após o pior momento, também contra a Colômbia. Em cerca de dois meses, relembraremos…
CAMPEÕES: 1 – Sergio Goycochea (Olimpia-PAR). 2 – Sergio Vázquez (Universidad Católica-CHI). 3 – Ricardo Altamirano (River). 4 – Fabián Basualdo (River). 5 – Fernando Redondo (Tenerife-ESP). 6 – Oscar Ruggeri (América-MEX). 7 – Ramón Medina Bello (River). 8 – Darío Franco (Real Zaragoza-ESP), depois José Basualdo (Vélez). 9 – Gabriel Batistuta (Fiorentina-ITA). 10 – Diego Simeone (Sevilla-ESP). 11 – Néstor Gorosito (San Lorenzo). 12 – Luis Islas (Independiente). 13 – Fernando Cáceres (River). 14 – Néstor Craviotto (Independiente). 15 – Jorge Borelli (Racing). 16 – Claudio García (Racing). 17 – Gustavo Zapata (River). 18 – Alberto Acosta (Boca). 19 – Julio Zamora (Newell’s). 20 – Leonardo Rodríguez (Atalanta-ITA). 21 – Norberto Scoponi (Newell’s). 22 – Alejandro Mancuso (Boca).