35 anos da Copa 1978: Argentina 0-0 Brasil
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Um dos duelos mais conhecidos entre Argentina e Brasil ocorreu há três décadas e meia, pela Copa do Mundo hospedada pela Albiceleste. Ambos dividiam a mesma chave na segunda fase de grupos e fariam um jogo vital: quem vencesse estaria praticamente garantido na decisão, uma vez que ambos haviam ganhado dos outros oponentes do grupo (respectivamente, Polônia e Peru).
Era a segunda partida da Argentina no Gigante de Arroyito, o estádio-caldeirão do Rosario Central, onde Mario Kempes, ex-jogador do clube, finalmente havia desencantado no torneio. Mesmo sem precisar de mais, aquele jogo ainda teria outros temperos extras: desde 1970, o Brasil não perdia para a rival, ao qual inclusive derrotara na Copa do Mundo anterior.
Menotti realizou duas alterações em relação ao jogo anterior: José Valencia, titular até então, cedeu lugar para Kempes, que retornou ao meio-de-campo após ficar de centroavante em razão da ausência de Luque – centroavante original, machucara-se contra a França e enfim voltava aos jogos. Já René Houseman, abaixo do esperado, voltou a ficar no banco de Ortiz para a ponta-esquerda.
Do lado brasileiro, a mudança foi o uso de Chicão no lugar de Toninho Cerezo. Conhecido pela garra em campo, foi uma aposta de Cláudio Coutinho para frear o esperado ímpeto argentino. Em um duelo tenso, ela seria exatamente um dos mais belicosos em campo, atraindo elogios da imprensa brasileira, que provavelmente o tacharia de carniceiro caso jogasse no adversário.
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O jogo todo foi marcado por entradas duras e deixadas firmes de pé para os dois lados, especialmente nos primeiros minutos. Um jogo aguerrido que o árbitro Károly Palotai, na maior parte do tempo, deixou correr, aplicando algo exagerado a lei da vantagem e quase nada advertindo aos jogadores. Os amarelos da partida deveriam ser mais numerosos.
Logo nos primeiros dez segundos, Luque deixou o pé em um Batista já sem bola – Palotai já aí aplicou a vantagem, uma vez que a bola permanecera com o Brasil. Aos 2 minutos, foi a vez de Luque sofrer com um pé adversário, acertado por trás por Oscar. Aos 3 minutos, o mesmo Oscar empurrou Bertoni pelas costas tão logo este recebeu um passe de Gallego. Palotai cometeu até o cúmulo de autorizar uma cobrança de falta para a Argentina mesmo com Luque ainda caído no chão, após outra derrubada de Oscar, que, em outro lance, aos 15 minutos, chegou a empurrar também Ardiles ao chão.
Toninho era outro que por vezes se excedia na valentia, especialmente com Ortiz. Já do lado argentino, os mais catimbeiros foram Luque, Tarantini e até o habilidoso Ricardo Villa, que entrou ao fim do primeiro tempo no lugar de Ardiles e ficou mais notado por diversas faltas do que por passes e lançamentos, facilmente neutralizados naquele dia. Ardiles torcera o tornozelo e o momento em que Toninho Baiano ajudou a carrega-lo para fora foi um raro momento de fair play.
Pela Albiceleste, Passarella era quem conseguia empregar desarmes limpos, chegando a roubar aos 10 minutos bola de um Roberto Dinamite lançado por Gil. A defesa argentina, como um todo, porém, deixou mais espaços abertos, não aproveitados pelo Brasil – ou pelas posições de impedimento em que ficavam os brasileiros ou por Fillol, como no lance em que El Pato antecipou-se em bola passada por Dirceu a Roberto, aos 15 minutos.
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Mesmo quando assinaladas pelo árbitro, faltas para um lado costumavam receber logo um revide, como aos 40 minutos. Gallego entrara forte em Jorge Mendonça. Na jogada que se seguiu à cobrança, Gil deixou desnecessariamente o pé em Kempes, no lance mais nervoso até então – o primeiro em que o árbitro chegou a ser cercado. Foi outra pernada em El Matador o lance mais célebre para os brasileiros: Chicão calçou-o por trás aos 45 minutos. Palotai sacou ali, enfim, um amarelo, que não intimidou o são-paulino a empurrar o rosto de um já levantado Kempes depois de afaga-lo.
No início do segundo tempo, novas catimbas mútuas. O recém-colocado Villa acertou mais canelas do que bolas e recebeu seu amarelo, atribuído também a Edinho quando foi derrubado pelo zagueiro do Fluminense. Leão quase foi amarelado também, em uma tentativa de cera ainda aos 2 minutos da segunda etapa. Zico também recebeu um amarelo, insatisfeito com outras entradas não-punidas de Villa. Em compensação, Palotai não puniu Toninho quando este pôs a mão na bola, aos 28 minutos.
Em um jogo truncado, foram pouquíssimas as chances mais claras de gol. As tentativas se resumiram praticamente a chutes fracos de longa distância que não deram trabalho a Fillol ou Leão. A melhor chance argentina ocorreu aos 37 minutos do primeiro tempo: Bertoni cruzou rasteiro e Ortiz, livre, chutou para fora; ele acabaria substituído. Não por Houseman, mas por Norberto Alonso – que, como Luque, retornava após lesionar-se contra os franceses.
Já o Brasil teve duas boas chances, ambas com Roberto Dinamite. Aos 24 do segundo tempo, Zico, após triangular com Batista, deixou o artilheiro vascaíno na cara do gol, mas Fillol saiu bem. Aos 43, Roberto, entre dois adversários, chutou para o alto. O goleiro argentino já havia levado a melhor também aos 6 minutos do segundo tempo, bloqueando-lhe cara-a-cara, com a bola ainda batendo na trave na sequência de um lance invalidado instantes antes pelo impedimento de Roberto.
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Ao fim, o empate acabou melhor para os argentinos. Na imprensa brasileira, mesmo com o polêmico resultado de Argentina-Peru na rodada seguinte, também sobrou espaço para críticas ao comportamento dos canarinhos contra os anfitriões, no sentido de que ficaram de fora da final por falta de méritos próprios: “não ousamos tentar vencer a Argentina, em Rosario. Nosso capitão declarou-se satisfeito com o empate em zero, embora todos temêssemos um saldo de gols insuficiente, o que acabou acontecendo. (…) Faltou a decisão de atacar (…). O Brasil poderia ter se classificado ali. Essa aparente contradição seria repetida ainda no jogo contra a Polônia. E, talvez, mesmo fazendo mais gols nesse dia, nossa Seleção fosse eliminada”, escreveu-se na Placar na edição pós-Copa da revista.
A mesma revista também informou algo profético, na edição anterior à última rodada da segunda fase de grupos: “Mas a Argentina tinha ganho, apesar do 0-0. Simplesmente porque é mais fácil prever uma vitória dos argentinos sobre os já desmotivados peruanos do que uma do Brasil sobre a Polônia (…). Não é improvável que a Argentina enfie três no Peru, ainda mais que ela jogará sabendo quantos gols precisará fazer. (…) Mesmo uma vitória [sobre a Polônia] não será motivo de grandes festejos [para o Brasil] – ela poderá apenas garantir a disputa pelo terceiro lugar.”
Ainda na edição pós-jogo de 35 anos atrás: “Se a Argentina é, realmente, tudo aquilo que o técnico César Luis Menotti andou dizendo (…), ninguém deve duvidar de sua classificação para a final de domingo, no Monumental de Núñez. Quarta-feira, enfrenta o Peru, um velho freguês, e uma goleada é considerada líquida e certa pelo técnico”.
FICHA DA PARTIDA – Argentina: Ubaldo Fillol, Jorge Olguín, Luis Galván, Daniel Passarella e Alberto Tarantini, Osvaldo Ardiles (Ricardo Villa 46/1º), Américo Gallego e Mario Kempes, Oscar Ortiz (Norberto Alonso 31/2º), Leopoldo Luque e Daniel Bertoni. T: César Menotti. Brasil: Leão, Toninho Baiano, Oscar, Amaral e Rodrigues Neto (Edinho 34/1º), Batista, Chicão e Dirceu, Jorge Mendonça (Zico 22/2º), Gil e Roberto Dinamite. T: Cláudio Coutinho. Árbitro: Károly Palotai (HUN).
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