Elementos em comum entre Boca e Newell’s
Hoje, o terceiro confronto seguido entre Boca e Newell’s na última semana decidirá qual vai à semifinal da Libertadores. Na quarta anterior, 0-0 no jogo de ida. No domingo, pelo campeonato argentino, 4-0 aos rosarinos em jogo de reservas. Falaremos aqui dos principais elementos em comum deles.
Se o placar de 0-0 da ida persistir, haverá decisão por pênaltis, que já opôs os dois pelo título argentino de 1990-91: em fórmula que durou apenas aquela temporada, o campeonato de turno e returno foi desmembrado, com cada metade (Apertura e Clausura) tendo um vencedor, que então decidiram a temporada em uma finalíssima. Em plena Bombonera, o Newell’s, de Marcelo Bielsa, levou a melhor.
A partir da temporada 1991-92, cada turno passou a valer um campeonato em separado, fórmula que dura até hoje, já com os nomes Inicial e Final (a fórmula de 1991, a princípio, seria readotada para esta temporada, mas decidiu-se que a finalíssima só definirá um esdrúxulo “supercampeão”). Há quem diga que a mudança teve algo a ver com a comoção pela derrota do Boca, que na época vivia jejum de 10 anos sem títulos nacionais, só quebrado no Apertura 1992 – ano em que o Clausura, no primeiro semestre, fora vencido exatamente pelo NOB. Falamos aqui e aqui.
Até ali, o maior jejum boquense foram os dez anos de 1944 a 1954, que Juan Carlos Colman ajudou a terminar. Fizera carreira no NOB de 1945 a 1949, chegando à seleção – foi campeão titular da Copa América de 1947. Duro e firme, colocava ordem na zaga: era apelidado de El Sargento em Rosario. O Boca, que quase fora rebaixado em 1949 (O NOB foi 5º), o contratou no ano seguinte e lá ele virou El Comisario. Jogou até 1957 e seguiu na seleção até 1956.
Outro participante do título de 1954 era o goleiro Julio Elías Musimessi, antigo colega de Colman na Lepra. Compensava a estatura mediana com elasticidade, agilidade e capacidade nos saltos, desenvolvidos no basquete. Considerado o primeiro grande goleiro sangre y luto, viera, por sinal, do Boca Unidos de Corrientes. Após nove anos, El Gato enfim rumou “ao outro” Boca, em 1953.
Preferiu o clube do coração a jogar no Real Madrid, que se encantara com ele após sua estreia, ainda pelo Newell’s, na seleção: Argentina 1-0 Espanha, no estádio merengue. Musimessi também esteve pelo Boca na seleção, que em dado momento convocou simplesmente toda a defesa xeneize: ele, Colman, Federico Edwards, Francisco Lombardo, Eliseo Mouriño e Natalio Pescia. O goleiro foi boquense até 1959, integrou a seleção na Copa de 1958 e venceu a Copa América de 1955.
Quem substituiu Colman na defesa leprosa foi Jorge Bernardo Griffa. Debutou pelo NOB em 1954 e ficou até 1959. Neste ano, anulou Pelé no título da Copa América e, como Musimessi, atraiu olhares de Madrid, desta vez os do Atlético. Deixou os rojinegros para defender também com sucesso os rojiblancos, nos quais o escalamos aqui. Após parar de jogar, dedicou-se a treinar juvenis e caçar talentos. É considerado o principal olheiro que a Argentina já teve.
Seu novo trabalho fez com que duas diferentes formações vindas da base leprosa catapultassem o Newell’s entre 1988 e 1992, quando o clube obteve três títulos argentinos e dois vices na Libertadores. O Boca passou a obter grande sucesso com suas canteras exatamente após contratar estes serviços de Griffa, em 1996. O descobridor de Jorge Valdano, Américo Gallego, Roberto Sensini e Gabriel Batistuta também trabalharia com os jovens Juan Román Riquelme e Carlos Tévez, dentre outros, fomentando uma cada vez mais lucrativa fonte de receita boquense: venda de promessas.
Na dupla rosarina, dois Marios brilhavam nos anos 70: Kempes no Central e Mario Nicasio Zanabria no clube do Parque Independencia. Marito foi o primeiro campeão por NOB e Boca. Foi com gol dele que a Lepra conseguiu seu primeiro título argentino, em 1974… exatamente em um clássico contra o arquirrival, e no Gigante de Arroyito, vingando-se assim de eliminação contra ele nas semifinais de 1971 (quando o Central seria, também pela primeira vez, campeão). Ele era ainda o capitão.
Chegou à seleção em 1975 e, um ano depois, ao Boca. Já chegou ali sendo campeão nacional em 1976. Nos auriazuis, ele, então ponta-esquerda, passou ao meio-de-campo. Foi uma das peças-chaves também nas primeiras Libertadores vencidas pelo clube, no bi de 1977 (converteu pênalti no Cruzeiro, na final) e 1978, e na primeira Intercontinental, de 1977.
Também nos anos 70, despontou no Newell’s uma das descobertas de Griffa, o zagueiro Juan Ernesto Simón. Detalhe: era torcedor centralista, conforme confessou publicamente em 2001 (sobre casos parecidos, falamos aqui). Foi um dos integrantes do título mundial sub-20 da Argentina em 1979, ao lado de Maradona. Diferente dos estilos aguerridos de Colman e Griffa, Simón conseguia unir eficiência com elegância. Em 1980, estreou pela Argentina após dois anos de carreira.
Depois de cinco anos no Parque, passou ao futebol francês, em 1983. Outros cinco anos depois, estava de volta à Argentina, chegando em 1988 ao Boca, com o qual regressou depois de nove anos à seleção – foi o líbero da Albiceleste vice-campeã mundial em 1990. Como auriazul, aposentou-se em 1994, com numerosas taças sul-americanas: uma Supercopa, uma Recopa, uma Copa Master e uma Oro.
A seguir, cabe falar de outra descoberta de Griffa: Gabriel Omar Batistuta. No Newell’s, onde começou, ele ficou pouco tempo e ainda era irregular, mas foi titular no vice-campeão da Libertadores de 1988 – o primeiro gol da carreira do maior artilheiro da seleção foi nas semifinais daquela edição, em duelo argentino contra o San Lorenzo. Em 1989, foi ao River, onde já ali foi boicotado por Daniel Passarella após um início até promissor com a dupla de técnicos Reinaldo Merlo e Norberto Alonso. Bati marcou o gol que valeu a liguilla daquele ano, mas Merlo e Alonso renunciaram com a não-reeleição do presidente que os contratara e Passarella chegou.
Batistuta virou a casaca sem maiores obstáculos após sumir da titularidade do River no restante da temporada campeã de 1989-90. Nos xeneizes, começou vacilante, para enfim estourar em 1991: foi o artilheiro do Clausura e chegou à seleção. Só que, se no River fora campeão, ainda que na reserva, nos auriazuis restou-lhe o vice da dita temporada 1990-91, perdida para o NOB. Ele não esteve na finalíssima na Bombonera justamente por conta de seu sucesso: estava concentrado na seleção para as paralelas disputas da Copa América, onde seria destaque e logo vendido à Fiorentina.
Três das últimas quatro Libertadores vencidas pelo Boca tiveram ao menos um jogador surgido no Newell’s. Após vencer a de 2000, Walter Adrián Samuel (que classificara a equipe à final ao descontar para 1-3 a derrota para o América no México; os 0-3 levariam aos pênaltis) foi ser colega de Batistuta na Roma. Ainda como Walter Luján (passou a usar Samuel, sobrenome do padrasto, em 1996), começara a carreira no NOB. Após ser campeão mundial sub-20 pela Argentina em 1997, foi contratado pelo Boca.
Em 2003, o caudilho da defesa era Rolando Carlos Schiavi, que quase foi à mesma Roma tão logo chegou ao Boca, em 2001: sua estreia foi em amistoso contra os romanistas, que lhe convidaram. Recém-chegado do Argentinos Juniors, Schiavi preferiu ficar. Outra estória recordada foi durante a campanha vitoriosa na Libertadores de 2003: jogou quase a partida inteira contra o Colo Colo sentindo apendicite e, tão logo foi enfim substituído, saiu diretamente para um hospital em Santiago operar-se.
Literalmente açougueiro (exerceu essa profissão), El Flaco começara na base do Newell’s, onde não chegou a se profissionalizar. Resolveu a pendência em 2007, vindo de passagem apagada pelo Grêmio, a perder (para o Boca) a final da Libertadores. Ficou até 2011 e tornou-se, com 20 gols, o maior zagueiro-artilheiro da Lepra, com a qual foi vice-campeão do Apertura 2009. Foi o capitão daquele elenco e, aos 36 anos, acabou convocado por Maradona para a seleção: ainda é o mais velho estreante na Albiceleste. Retornou ao Boca em 2012 e até foi vice na Libertadores. Hoje, está na China.
O meia Guillermo Andrés Marino, desde 2010 integrante da sensação Universidad de Chile, nunca se firmou no Boca. Mas, estatisticamente, foi um grande campeão nele: Apertura 2005, Clausura 2006, Recopa 2005, Sul-Americanas de 2005 e 2006 e a Libertadores 2007. Destacou-se mais no último Newell’s campeão argentino, em 2004. Houve quem o considerasse na época a principal peça da equipe, como o Roque Alfaro, campeão pelo clube em 1988.
Não foram poucos os outros que atuaram por ambos. Destes, Diego Armando Maradona é, inegavelmente, o principal. O mencionado jejum que o Boca encerrou em 1992 começara após 1981, quando o clube fora campeão embalado pelo recém-chegado Dieguito, que, contudo, logo foi ao Barcelona. Retornou com tudo em 1995: o clube era líder até a antepenúltima rodada e estava invicto, mas desgringolou após perder em casa por 4-6 para o Racing. Maradona, que já não estava o mesmo, ficou ali até anunciar o retiro, em 1997. Seu único título acabou sendo o de 1981.
Seu passo pelo Newell’s veio quando a Lepra ainda respirava seu auge, após o ciclo 1988-92. Esportivamente, foi um fracasso: chegou em outubro de 1993 e, em dezembro, lesionou-se. Supostamente desgostoso com promessas não-cumpridas, jogou pela última vez como rojinegro em janeiro (contra o Vasco), embora fosse considerado oficialmente jogador do clube até o fim da Copa de 1994. Apesar disso, é tido por meia Rosario como um troféu simbólico.