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75 anos do Monumental de Núñez

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Coronel Abraham Quiroga, assessor do presidente da Argentina, cumprimenta os jogadores na inauguração

No início da semana, relatamos (aqui) os 90 anos da mudança do River para o nobre norte de Buenos Aires. Já hoje, completam-se 75 de mudança ainda mais ao norte, na inauguração do estádio Monumental de Núñez, cujo nome oficial leva o nome do dirigente que proclamou que “Deus não me deu a sorte de ter filhos; esse lugar, ocupa o River”: Antonio Vespucio Liberti. A ocasião inclusive renderá uniforme especial da Adidas, do qual falamos ontem.

O nome de Liberti passaria a ser usado em 1986. Não era o presidente riverplatense em 1938 (e sim Julio Degrossi), mas fora quem abraçara o projeto. Liberti tinha origens comuns à do clube, fundado na humilde zona sul portenha, em La Boca, daí surgindo a rivalidade com o Boca Juniors, que se manteve neste bairro. O dirigente, que morreu humilde, era filho de genoveses, numerosos lá e que caracterizaram a dupla: o River adotou as cores vermelha e branca por serem as da bandeira de Gênova, e os auriazuis se chamam de xeneizes, derivação de zeneise – “genovês” no dialeto da região italiana da Ligúria.

O River saíra de La Boca em nome de acelerar seu crescimento, ao estabelecer-se entre as residências da classe alta da Capital Federal, mais concentradas no norte. A primeira parada foi no bairro de Palermo (em área hoje pertencente ao da Recoleta). Quinze anos depois, o experimento podia ser considerado um sucesso: o clube cresceu, fortaleceu-se a ponto de quebrar recordes de transferências de jogadores, passou até a ser apelidado de Millonario e já conseguira três títulos. O estádio da esquina da Alvear com Tagle ficara pequeno demais. Em outubro de 1934, terrenos mais ao norte foram adquiridos.

Além da associação à elite e das mesmas cores, uma semelhança com o São Paulo no caso foi a região onde se ergueria um novo estádio: os arredores do bairro de Belgrano com o de Núñez eram um tanto inóspitos e desprestigiados, como o Morumbi antes da construção do Cícero Pompeu de Toledo. O início da construção do Monumental veio em hora apropriada: o aço utilizado era importado e só ele custaria o dobro da despesa total com todo o estádio se a obra tivesse passado pelos anos da Segunda Guerra Mundial, a estourar em 1939.

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Monumental em construção na região “desértica” de Belgrano com Núñez (A), e a distância dela para o antigo estádio da zona norte (B): cerca de 9 quilômetros. Clique para ver ampliado

O custo foi mais barato – em torno de três milhões de pesos do custo inicial de 4.479.545,80 – também pela desistência de construir-se a tribuna norte, tornando o formato do Monumental uma “ferradura” por vinte anos, até 1958, com o dinheiro da venda de Omar Sívori à Juventus. O clube já havia recebido 2 milhões e meio emprestados da prefeitura. Leopoldo Bard, fundador, ex-jogador e ex-presidente, comparou com as origens: “e pensar que o prédio de Dársena Sur (em La Boca) nos havia custado 1,50 pesos do carimbo fiscal, que nem sequer pagamos. Neste (novo) terreno, pagamos 569.403 pesos”.

“Os incrédulos viam assombrados como se efetuavam as escavações de forma primitiva e se transportava a terra no lombo de burros, já que não havia escavadoras. Viam como o cimento devorava implacavelmente os velhos baldios, as parcelas ribeirinhas repletas de lixo, o mundo de sem-tetos e de cachorros vagabundos. Viam como se ganhava a batalha ao rio”, escreveu o livro oficial do centenário riverplatense. Há 75 anos, já estavam prontas as tribunas, o campo, a pista de atletismo, dormitórios e salões para concentrações, vestiários, ginásio, oficinas administrativas e uma confeitaria.

Da pedra fundamental, colocada em 25 de maio (aniversário do Millo) de 1935 na esquina da Avenida Centenario (hoje, Figueroa Alcorta) com uma apropriadamente chamada Río de La Plata (River Plate em espanhol), até a inauguração, passou-se três anos e um dia, isto porque a construção propriamente dita durou metade: só começou em setembro de 1936. Em 26 de maio de 1938, um desfile com ex-dirigentes, antigos campeões e representantes de cada esporte do River precedeu o amistoso assistido por 70 mil almas, incluindo autoridades nacionais, municipais, da AFA e de outros clubes.

O adversário foi o Peñarol, o mesmo com o qual o River inaugurara seu primeiro estádio na zona norte, quinze anos antes. Sabe-se que, naquela ocasião, os uruguaios venceram. Uma década e meia depois, a inauguração foi mais auspiciosa: River 3-1. O autor do primeiro gol, aos 31 minutos, foi Carlos Peucelle. Fora a sua contratação junto ao hoje extinto Sportivo Buenos Aires, em 1931, que originou o apelido de Millonario ao River – Peucelle já era um astro; até marcara na final da Copa de 1930.

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River campeão de 1936. 9 dos 11 que estrearam o Monumental: Vassini, Carlos Santamaría (ídolo do Fluminense), Cuello, Sirni, Minella e Wergifker; Renato Cesarini, Bernabé, Moreno, Pedernera e Peucelle

Na jogada, Peucelle recebeu passe de outro reforço de peso, Bernabé Ferreyra (sua contratação em 1932 foi recorde por 20 anos; falamos aqui), venceu na corrida o marcador Jorge Clulow e vazou o goleiro César Rivero com chute baixo e cruzado. Aos 21 do segundo tempo, foi a vez de Bernabé disparar uma de suas características bombas (era conhecido como El Mortero de Rufino, sua cidade natal) para anotar 2-0. Aos 27, José Manuel Moreno, tido pelos mais antigos como mais habilidoso que Maradona, fez 3-0 ao concluir cruzamento de Peucelle. Após os 30 minutos, Pedro Young descontou.

Os primeiros onze millonarios a jogarem no Monumental de Núñez (que, apesar do apelido, está situado no bairro de Belgrano, logo abaixo de Núñez) foram Sebastián Sirni, Luis Vassini e Alberto Cuello; Esteban Malazzo, José María Minella e Aarón Wergifker (nascido no Brasil); Peucelle, Eladio Vaschetto, Bernabé, Moreno e Adolfo Pedernera. Este, por sua vez considerado por Alfredo Di Stéfano o maior jogador que viu, relatou que “passar da Avenida Alvear (hoje, Del Libertador) e Tagle, um luxo de campo, a um monstro como o Monumental era algo enorme para a época. Naquele tempo, essa zona era quase um lugar abandonado, praticamente deserto”.

Após a mudança ao norte, a inauguração do Monumental foi um novo divisor de águas para o River: já com três títulos profissionais (os dois últimos, durante a construção do estádio, no bi de 1936-37) e um amador, o clube embalou de vez na década seguinte, quando virou o maior campeão profissional no país, posto que jamais deixou. “Buenos Aires, por fim, tem um estádio digno de sua importância”, escreveu a El Gráfico à época da inauguração. Não por acaso, é o campo mais adotado pela seleção argentina a partir dali. Nele, ela levantou pela primeira vez a Copa do Mundo, quatro décadas depois.

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Intendente municipal Mariano de Vedia y Mitre (em cujo governo construiu-se a Avenida 9 de Julio e o Obelisco) prestes a dar o pontapé inicial do Monumental

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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