11 jogadores para os 110 anos do Racing Club
Hoje é dia de celebração no futebol argentino. O tradicionalíssimo Racing Club, o primeiro dos cinco grandes a fazer jus à presença no grupo, completa onze décadas oficiais de existência. Contaremos um pouco de sua história através de onze jogadores da Academia, que poderiam formar um time inteiro – ainda que em um unusual 1-2-2-6 (!), há para todas as posições e decênios.
O Racing subiu à elite em 1910, ano em que resolvera trajar-se com as cores da bandeira da argentina. Com isso, era o clube perfeito para dar novos ares ao futebol do país, ainda dominado pela era britânica, encerrada no décimo ano de vida da equipe – portanto, a completar 100 anos neste 2013. Em 1913, o Racing tornou-se o primeiro time de fora da colônia anglo-argentina a faturar a elite do futebol.
Não foi caso isolado. Outros seis títulos foram sendo levantados em série, o que ainda faz do Racing o único hepta nacional seguido na Argentina. Ali, a equipe receberia a alcunha de Academia. Desde 1908 e até 1924 (portanto, durante o hepta 1913-19), um dos que davam cátedra era o capitão, o atacante Alberto Bernardino Ohaco. Ainda antes do primeiro título, em 1912, tornou-se o primeiro racinguista na seleção, onde jogou até 1918, incluindo participações nas primeiras Copas América.
Se o estilo criollo propagado pelo Racing, ágil e de improviso, se contrapunha à lentidão e previsibilidade britânicas, o cavalheirismo imposto naqueles tempos era um fator em comum: Ohaco chegou a corrigir um árbitro que, por descuido, estava prestes a validar um gol que marcara com a mão. Ele venceu ainda o título de 1921 e é o maior artilheiro do clube: 202 gols. Foi quatro vezes, seguidas, artilheiro do campeonato, entre 1912 e 1915. Só Maradona, com cinco, foi mais.
Depois de Ohaco, o Racing ainda foi campeão em 1925, mas nova taça argentina só viria em 1949. Neste primeiro grande jejum, o zagueiro José Salomón, um dos maiores do país, foi um dos destaques. Considerado limpo e um grande líder, foi o capitão da grande seleção argentina dos anos 40, multicampeã da Copa América na década, incluindo o recorde de três seguidas entre 1945-47 (ver aqui).
Salomón, que vencera a de 1941, esteve nas duas primeiras do tri. Uma fratura na tíbia e no perônio em lance com Jair da Rosa Pinto, na final de 1946, praticamente decretou o fim de sua carreira. Mesmo assim, Salomón teve até 1974 o recorde de jogos pela Argentina, 44 vezes, 28 dos quais como capitão. Ainda é quem mais a defendeu vindo do Racing. Números que poderiam ser maiores não fosse o lance.
Um dos colegas de Salomón na seleção era o atacante Norberto Doroteo Méndez, do Huracán, e um dos cinco presentes em todo o tri de 1945-47, no qual marcou 17 gols em 17 jogos – é o maior artilheiro da história da Copa América. Após o tri, aterrissou em Avellaneda com os colegas quemeros Juan Carlos Salvini e Llamil Simes para quebrar o jejum da Academia. E, com a outra camisa alviceleste, El Tucho também foi tri em anos seguidos.
Foi nos campeonatos de 1949, 1950 e 1951, fazendo do Racing o primeiro tricampeão seguido na era profissional (a partir de 1931), que igualava de uma vez as três taças profissionais já obtidas pelo rival Independiente. Méndez deixou 48 gols até sair, em 1954. “Impossível não apaixonar-se por um clube como o Racing. Sempre disse que se o Huracán é minha velha, o Racing é minha mulher”, declarou ele, antes um fanático pelo Huracán, sobre seus dois amores.
Como Méndez e Ohaco, Juan José Pizzuti era um atacante do flanco direito. Pelo pequeno Banfield, foi artilheiro do campeonato de 1949, e quase campeão em 1950, concorrendo contra o próprio Racing. Ele só chegou a Avellaneda após o tri e demorou algo a se adaptar – inclusive por ser torcedor do arquirrival Independiente. Em 1953, conseguiu nova artilharia, agora pela Academia, mas só se firmou entre os torcedores depois de um exílio no Boca.
Voltou em 1956 e parou em 1962, com os primeiros títulos pós-tri, em 1958 e 1961, e 118 gols marcados – é o quarto maior goleador racinguista. Como técnico, esteve ainda mais atado à história do clube. Montou o elenco que venceu a Libertadores de 1967 e, no mesmo ano, fez do Racing o primeiro argentino a vencer a Intercontinental. Por conta de Pizzuti, o plantel virou El Equipo de José. Também esteve na fase podre: o rebaixamento em 1983 foi sob ele também.
“Fique tranquila, velha. Nisso, sou como Manfredini, e não como Babastro”, à mãe escreveu Isidoro Gómez, personagem fanático pelo Racing em O Segredo dos seus Olhos, filme argentino que levou o Oscar de melhor estrangeiro em 2010. Pedro Waldemar Manfredini foi comprado “dos mendoncinos por 2 pesos, e resultou-se um jogador extraordinário para a sua época”, o próprio filme explica. Gómez, em autoelogio, queria se contrapor a Julio Babastro, ponta-direita que jogou apenas duas vezes, entre 1962 e 1963, sem marcar.
Do Maipú, Manfredini chegou em meados de 1957, saindo ao fim de 1958, após apenas 39 jogos, só que com 28 gols e o protagonismo no título de 1958. O ataque racinguista inteiro (Belén-Sosa-ele-Pizzuti-Corbatta) iria à Copa América de janeiro de 1959; só Sosa não foi titular na conquista, em que Manfredini reproduziu o passo no clube: poucos jogos (3), mas pé calibrado (2 gols). O pé, por sinal, lhe renderia a alcunha de Il Piedone d’Oro na Roma, para onde foi e onde seria artilheiro da Serie A de 1962-63.
O grande herói do ápice da história do Racing foi Juan Carlos Cárdenas, que, em três diferentes passagens, começou em 1962 e despediu-se em 1976. A razão pela qual El Chango ocupa o lugar do superartilheiro Evaristo Barrera (de 136 gols em 142 jogos na década de 30)? Foi de Cárdenas o solitário gol do título da Intercontinental de 1967. Ainda fez outros 91 pelo Racing em outros 320 jogos.
Aquele, contudo, foi o que marcou, pelo valor da conquista e por detalhes extras: o rival Independiente era bi da Libertadores, mas perdera as duas Intercontinentais que jogara, ambas para a Internazionale. O adversário da Academia era o Celtic, que fora campeão europeu exatamente sobre La Grande Inter. Cada lado venceu em casa e Cárdenas logo tornou-se herói: foi dele o gol da vitória por 2-1 em Avellaneda.
Um tira-teima foi programado para a neutra Montevidéu: perto demais da Argentina, mas com uma plateia repleta de uruguaios que, em nome da rivalidade platina, apoiou em cheio os escoceses, os primeiros britânicos campeões europeus (o primeiro inglês, o Manchester United, só venceria no ano seguinte). Aos 10 minutos do segundo tempo, veio o lance tão repetido: Cárdenas recebe de Juan Carlos Rulli, domina, adianta-se um pouco e arrisca uma bomba de fora da área. A bola entra no ângulo do goleiro John Fallon.
Da Equipo de José, um dos líderes em campo era Alfredo “Alfio” Rubén Basile, um meia que Pizzuti transformou em zagueiro, um dos dois pilares (ao lado de Roberto Perfumo) da celebrada muralha defensiva dos campeões nacionais de 1966 e internacionais em 1967. Ficou de 1964 a 1970, chegando a também defender a Argentina no período. Como Pizzuti, Basile também se confunde com o Racing como técnico, mas de caminho inverso: primeiro na dor, depois na glória continental.
Enquanto o ex-clube decaía, Basile involuntariamente alimentava as brincadeiras dos rivais ao levar a “imitação” Racing de Córdoba ao vice nacional de 1980. E foi diante do homônimo cordobês treinado por El Coco que o Racing “original” foi rebaixado, em 1983. A Academia não conseguiu retornar de imediato em 1984 e recorreu a seu antigo ídolo. O ex-zagueiro veio e conseguiu o acesso, em 1985.
Ainda sob ele, os alvicelestes voltaram a ser campeões internacionais, na primeira Supercopa Libertadores (torneio extinto em 1997 que reunia somente campeões da Libertadores), em 1988. Em 1990, substituiria Carlos Bilardo como técnico da Argentina, comandando um ciclo bastante vitorioso até 1994. É desse período os últimos títulos da seleção principal, o bi nas Copas América e 1991 e 1993.
O grande comandante do título da Supercopa 1988, a solitária alegria racinguista entre 1967 e 2001, foi o inteligente meia uruguaio Rubén Walter Paz. Já ídolo nos vizinhos Uruguai (Peñarol) e Brasil (Internacional), ele veio em 1987 de outro Racing, o de Paris, que inspirara o nome do argentino.
Cerebral, Paz sabia quando organizar as jogadas e quando resolver sozinho, chegando a fazer um gol no Independiente invadindo a área pela direita, enganando um adversário e cravando rente à trave. Andrés D’Alessandro já contou que o ¡U-ru-gua-yo! era o seu ídolo na infância. Após vencer o Cruzeiro na final da Supercopa, gerou-se um boom que colocou a Academia como líder inicial do campeonato argentino de 1988-89. No período, o meia foi eleito o melhor jogador do continente.
A perda nos tribunais de pontos para o concorrente Boca, na metade daquele nacional (o jogo fora interrompido após um rojão racinguista ferir o goleiro boquense Carlos Navarro Montoya), porém, fez a equipe desgringolar, terminar só em nono e ainda ver o Independiente campeão. Paz acabou indo ao Genoa, mas voltou já em 1990, após a Copa do Mundo. Ficou até 1993.
A Equipo de José teve um excelente goleiro, Agustín Cejas, que brilharia também no Santos de Pelé. Mas não é heresia colocar em seu lugar aqui Ubaldo Matildo Fillol, o goleiro titular que venceu a Copa de 1978. Mais conhecido no Brasil pela ligação com o River Plate, Fillol despontou em Avellaneda, em 1972, vindo do Quilmes. O River, realmente, não tardou a buscá-lo: El Pato defendeu seis pênaltis naquele ano e chegou já ali à seleção. Inicialmente a contragosto, o arqueiro foi a Núñez em 1973.
Já consagrado, Fillol voltou em 1987, quando o Racing ainda juntava os cacos dos tempos de segundona. O próprio capitão, o zagueiro Gustavo Costas, fez questão de lhe repassar a braçadeira. Como Paz, Fillol deixou o clube ao fim da temporada 1988-89, indo se aposentar no Vélez, que também levou Basile.
Após treinar a Argentina na Copa de 1994, Basile retornou ao comando do Racing em 1996. O craque do time era o meia Rubén Óscar Capria, o único dessa lista que não chegou a jogar pela seleção, o que pode-se atribuir, em parte, à descarada preferência de Daniel Passarella por jogadores saídos do River Plate (naquele momento, realmente fantástico).
El Mago era o meia a gosto dos argentinos: camisa 10 e canhoto, armava as jogadas para os gols da dupla Claudio López e Marcelo Delgado (o último racinguista em uma Copa do Mundo, em 1998). Capria também fazia os seus: foram 41 em 142 jogos, de todo jeito, o que ficou demonstrado em uma de suas melhores tardes: na briga pelo título do Apertura 1995, o Racing visitou na antepenúltima rodada o festejado Boca de Maradona e Caniggia, líder invicto.
O adversário só havia levado seis gols no certame. Só naquele encontro na Bombonera, levou outros seis, metade deles vindos de Capria, vice-artilheiro da competição: aproveitando rebote de Navarro Montoya, em chute de fora da área e emendando com a cabeça um cruzamento. A taça, contudo, ficaria com o Vélez de Carlos Bianchi. Sob Basile, El Mago ainda liderou a Academia a um quarto lugar no Apertura 1996 e às semifinais da Libertadores de 1997. O time conseguiu eliminar o campeão River nas oitavas, e conseguiu também perder lugar na final ao levar um 1-4 para o Sporting Cristal em Lima após ter vencido por 3-1 em casa.
Se Capria não conseguiu resolver o jejum nacional, Diego Alberto Milito esteve presente na quebra do tabu, ainda que não fosse titular. Debutou em 1999, o terrível ano da falência da instituição. “Amo o Racing. Muitíssimo. Me encanta jogar aqui por mais problemas que tenhamos”, afirmou ele, racinguista na infância como o irmão, Gabriel – que, contudo, virou a casaca e se fez no Independiente.
Até meados de 2001, porém, El Príncipe não deslanchara: dois gols em 44 jogos, números baixíssimos para um atacante. O terceiro, na partida 45, veio com ele entrando com febre no decorrer de uma partida contra o Colón em Santa Fe, empatando em 1-1 e livrando o time da repescagem contra o rebaixamento na temporada 2000-01. Na campanha do título, no Apertura 2001, fez três gols, mas o nome mais marcante da temporada europeia de 2009-10 (marcando gols em toda a tríplice coroa da Internazionale, a primeira da Itália) era reserva do obscuro Rafael Maceratesi.
Milito, enfim, deslanchou a partir de 2002. Depois daquela partida 45, fez 35 gols em 104 jogos, o suficiente para ainda fazer dele o maior artilheiro do clube no século XXI. Foi para a Europa há quase dez anos, em 2003, depois de quatro torneios seguidos como goleador do time e de uma eliminação apenas nos pênaltis nas oitavas da Libertadores, para o semifinalista América de Cali.
Certamente, cometemos algumas injustiças aqui, como a ausência de quem mais defendeu a Academia, o zagueiro Gustavo Costas – sobre quem dedicamos um especial recentemente. Enrique García e Omar Corbatta, outros grandes ídolos, também já tiveram seus especiais. Abaixo, estes e outros que também ajudam a contar a riquíssima história do Racing Club de Avellaneda, na ordem cronológica dos fatos:
HISTÓRIA:
*Cilindro: Um sessentão de primeira qualidade
*Há 45 anos, o Racing vencia a sua Copa Libertadores
*45 anos do título mundial do Racing Club
*Títulos Argentinos no Mundial Interclubes (II): Racing 1967
*Independiente – Racing: 1983, Rojo campeão, Academia rebaixada
*Há dez anos, acabava o jejum do Racing
PERSONALIDADES:
*Morre ex-presidente Néstor Kirchner, hincha de Racing
*River Plate – Racing: Reinaldo Merlo, jogador-ídolo e técnico-ídolo
*“Chueco” García, o Poeta da Canhota
*Gustavo Costas, o Racing em pessoa
RIVALIDADES:
*Independiente – Racing: Dias de violência em Avellaneda
*Independiente – Racing: Tradição de grandes goleadas
*Racing x Independiente: Uma concorrência feroz e saudável
*105 anos do Superclássico de Avellaneda
*Torcedores de um, jogaram no rival