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15 anos de um campeonato histórico

Sorín, Astrada, Berizzo, Ayala, Hernán Díaz e Burgos; Escudero, Francescoli, Gallardo, Berti e Salas: titulares do campeão há 15 anos

A quatro dias do natal de 1997, encerrava-se um campeonato dos mais históricos na Argentina, ao menos na era dos torneios curtos. Foi o antepenúltimo campeonato argentino disputado até a última rodada pelos dois principais clubes do país, que ali se despediam de dois de seus maiores emblemas.

River Plate e Boca Juniors, como no início do novo milênio, viviam momentos antagônicos. A diferença é que, na época, a balança pendia favoravelmente aos millonarios. No ano anterior, estes levantaram sua segunda Libertadores da América. Com isso, ambos eram bicampeões continentais e tinham uma Intercontinental. Mas os de Núñez, a já terem mais troféus nacionais e abastecidos com invejáveis categorias de base, tinham essa vantagem e também a do presente melhor.

O Boca, que nos vinte anos anteriores fora campeão nacional apenas duas vezes – a última, cinco anos antes -, vinha vivendo do passado, o que se refletia em uma política de contratar medalhões que, geralmente, não vinham correspondendo em campo; seria a partir de 1996 que passou a dar mais atenção aos juvenis, a contarem naquele ano com o trabalho de Jorge Griffa, de sucesso com o Newell’s de Marcelo Bielsa. O resultado, porém, só apareceria a longo prazo; à massa xeneize, restava a satisfação de ainda ter mais vitórias nos Superclásicos, nos quais vinham se saindo muito bem na década.

Os auriazuis encheram-se de reforços para o Apertura de 1997, a fim de brecar o arquirrival, que já vinha de dois títulos argentinos seguidos. Os mais midiáticos já pertenciam ao clube: Claudio Caniggia voltava aos gramados após um ano sabático, por conta do suicídio da mãe, o que interrompera uma bela retomada de carreira do Pájaro. Diego Maradona, às voltas com problemas físicos e suspensões por doping, retornava depois de onze meses.

Novidades do Boca em 1997: Maradona e Caniggia (com Veira) de volta, Guille B. Schelotto e Palermo, que comemora o gol da vitória no River

Das demais contratações, muitas se tornariam ídolos da reviravolta boquense na virada de século: os colombianos Óscar Córdoba (América de Cali), no gol, e Jorge Bermúdez (Benfica), na zaga; o zagueiro Walter Samuel, do Newell’s; de La Plata, o atacante Martín Palermo, do Estudiantes, e seus então rivais do Gimnasia y Esgrima, os gêmeos Guillermo e Gustavo Barros Schelotto; e, para técnico, aquele que conduzira o rival à primeira Libertadores e Intercontinental, em 1986: Héctor Veira.

Como treinador, Veira já havia sido campeão nacional no River e também no clube onde é símbolo, o San Lorenzo, e teria a oportunidade de ser o primeiro a vencer com os três grandes da cidade de Buenos Aires – além de igualar Alfredo Di Stéfano, único técnico campeão por Boca e River. O Millo, do seu lado, mantinha o timaço que o técnico Ramón Díaz, hoje de volta, dispunha na época (Enzo Francescoli, Marcelo Gallardo, Marcelo Salas, Juan Pablo Sorín, Santiago Solari, Leonardo Astrada…) e ainda adquirira um jogador do rival, o atacante Sebastián Rambert, sem sucesso nos dois.

A temporada 1997-98 já começou histórica: pela primeira vez, a primeira divisão argentina reuniria três clubes de mesmo nome: os Gimnasia y Esgrima de La Plata e de Jujuy (que permaneceriam na elite, conseguindo até o terceiro e quarto lugar no Clausura) e o Gimnasia y Tiro, de Salta (a ser rebaixado). Mas também por outra razão, esta na esfera judicial: uma resolução legal sem precedentes “suspendeu a suspensão” dada a Maradona.

El Gráfico após novo doping de Maradona. Cansado do assédio da imprensa, ele parou de jogar

Diego, já na primeira rodada, foi apanhado com substâncias banidas após vencer seu antigo Argentinos Juniors por 4 a 2, marcando de pênalti. Em contrapartida, ele teria que fazer exames após cada jogo. Ele, também de pênalti, faria seu último gol como profissional em 14 de setembro, na terceira rodada, contra outro ex-clube, o Newell’s (2 a 1). Uma sucessão de problemas físicos o afastou de mais partidas, com El Diez só jogando outras três vezes no Apertura.

Após participar do 0 a 0 com o Vélez e do 2 a 1 no San Lorenzo, Maradona, às turras com a imprensa, anunciou sua aposentadoria no final de outubro após divulgação da falsa notícia da morte de seu pai. Seu último jogo oficial ocorrera no dia 25 daquele mês: 2 a 1, de virada, em um clássico contra o River em pleno Monumental de Núñez. Naquela partida, retratada neste outro especial, os xeneizes impuseram a segunda derrota da campanha riverplatense e alcançaram a liderança, com 24 pontos, dois à frente do rival.

Só que, na partida seguinte, provavelmente sob o choque da saída de seu principal astro, os boquenses perderam dentro da Bombonera para o Lanús, por 0 a 1, enquanto o River massacrava fora de casa o Platense por 5 a 2, retomando a dianteira em um ponto. Os dois continuaram a disputar palmo a palmo o campeonato nos oito jogos restantes.

A liderança, todavia, não sairia mais de Núñez até o fim, a despeito do Boca vencer seis e empatar duas e de só ter sofrido uma derrota em todo o Apertura, aquela para o Lanús; ao passo que o River perdera para o rival e também para o Rosario Central (também em casa, na segunda rodada), mas nos mesmos últimos jogos vencera sete e empatara um. Os auriazuis realizaram a melhor campanha que um vice-campeão já teve nos torneios curtos, totalizando 44 pontos.

Sorín, Solari, Rambert, Berti e Francescoli comemoram o título de 15 anos atrás. À direita, o aposentado Francescoli no Havaí, em janeiro de 1998

Para se ter uma noção, apenas sete vezes o próprio campeão argentino nesses mais de quarenta torneios curtos já realizados conseguiu pontuação melhor. O recorde pertence ao San Lorenzo do Clausura 2001, que teve apenas três pontos a mais no embalo de um ano histórico para si, em que conseguiu um recorde nacional ainda seu de treze vitórias seguidas. O que fizera a favor do River no Apertura 1997 foi ter empatado menos que o rival, conseguindo uma vitória a mais que ele e encerrando a competição com 45 pontos.

Depois do Apertura 1997, River e Boca só chegaram à última rodada disputando a taça no Apertura 2000 (título bostero) e no Clausura 2004 (título gallina). Na última de 1997, por sua vez, o Boca venceu o Unión de Santa Fe por 4 a 0, mas um empate, àquela altura, servia aos millonarios, que tinham três pontos de vantagem. Eles já haviam dado uma volta olímpica apenas quatro dias antes, ao baterem o São Paulo na decisão da última Supercopa Libertadores (última taça internacional do time).

Naquele 21 de dezembro de 1997, que contou ainda com um triste clássico entre Huracán e San Lorenzo (em que ambos foram considerados judicialmente derrotados por conta de incidentes de torcidas que resultaram na morte de um torcedor), os líderes, com um 1 a 1 com o Argentinos Juniors, garantiam o último tricampeonato seguido já visto na Argentina; o River é quem mais foi tri, justamente três vezes. Ali se despedia o ídolo Enzo Francescoli, que se aposentava no ano em que tornou-se o terceiro estrangeiro – e maior uruguaio – com mais gols no país.

Abaixo, vídeo de um Superclássico daquele mesmo ano, no Clausura, que serve de tributo à excelência que os dois demonstraram no segundo semestre, ainda que com gosto melhor para o River. Dentro de casa, perdia por 0 a 3, só não sendo pior por conta de Roberto Bonano defender um pênalti. Nenhum placar tão adverso, antes ou depois, conseguiu ser igualado no dérbi, mas a banda roja conseguiu buscar o empate, aos 42 minutos do segundo tempo. Mais abaixo, vídeo do jogo do título do Apertura.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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