Especiais

Quando Osvaldo Brandão fez história na Argentina

Ferreiro, Santoro, Acevedo, Monges, Pavoni e Pastoriza; Bernao, Savoy, Artime, Yazalde e Tarabini

Há exatos 45 anos, uma equipe argentina foi campeã pela primeira vez sob um técnico brasileiro. E com aquele conhecido como “O Mestre” na função: Osvaldo Brandão, celebrado nos grandes paulistanos, e quem armou o Brasil de 1958 (Vicente Feola só estreou a um mês da Copa). No Club Atlético Independiente, em um título espetacular e desconhecido pelos brasileiros, Brandão uniu riqueza técnica e potência ofensiva, tendo recorde de aproveitamento na era profissional. Já havia passado por lá em 1961, após levar a Taça Brasil de 1960 com o Palmeiras, onde foi quem mais treinou.

Seis anos antes, não se dera tão bem em Avellaneda: sexto e o arquirrival Racing campeão. Aceitou convite do São Paulo, onde passou dois anos, seguidos de outros dois no Corinthians; sob ele o Timão tivera o último título pré-tabu, no estadual de 1954, e também com ele o quebraria, no de 1977. Também foi campeão na Portuguesa (Rio-São Paulo de 1952). Regressou ao Independiente em 1967, remodelando-o mais ofensivamente.  O time faturara o bi de 1964-65 na Libertadores com um trio ofensivo: Raúl Bernao, Osvaldo Mura e Luis Suárez.

Brandão adotou um 4-2-4: Bernao, equiparado a Garrincha, na ponta-direita; no meio do ataque, dois matadores juntos, o já consagrado Luis Artime e o jovem recém-lançado Héctor Yazalde (mais sobre ele aqui); e o hábil ambidestro Aníbal Tarabini na outra ponta. Os três últimos chegaram já após o bi continental; Suárez já havia saído e Mura, sem tanto espaço, iria ao Atlanta após o título, como parte do pagamento por Miguel Raimondo. Mura se revezou com Raúl Savoy, canhoto que desequilibrava pela direita entre o meio e o ataque, transformando a linha de frente praticamente em um quinteto.

Do meio para trás, o resto da equipe-base era formado basicamente com outros remanescentes do bi sul-americano, casos do seguro goleiro Miguel Santoro, diablo com mais jogos na posição; o rude lateral-direito Roberto Ferreiro, capitão e, posteriormente, técnico da primeira Intercontinental vencida, em 1973; o raçudo beque David Acevedo; e, na ala esquerda, o xerife uruguaio Ricardo Pavoni, atrás apenas da futura lenda Ricardo Bochini entre os que mais jogaram e foram campeões pelo CAI.

Brandão nos anos 60 e o garoto Yazalde, lançado por ele

Completavam o time dois chegados em 1966: o paraguaio Idalino Monges, a brava dupla de Acevedo na zaga; e o meia José Omar Pastoriza, ex-jogador do arquirrival Racing. El Pato cruzara a Avenida Bartolomé Mitre em uma troca por Miguel Ángel Mori e o brasileiro João Cardoso e viria a tornar-se um dos maiores símbolos em pessoa do Rojo, como jogador e como treinador.

1967 havia sido o ano em que o calendário doméstico da elite do futebol argentino se dividiu em dois torneios. O campeonato argentino, historicamente restrito à Grande Buenos Aires e La Plata, se converteu no torneio metropolitano – que, por reunir a tradicional nata dos clubes do país, acabaria o mais valorizado. Em 1967, ele seria obtido pelo Estudiantes de La Plata, que assim quebrou o oligopólio dos cinco grandes nas conquistas profissionais na primeira divisão.

A outra competição seria o Nacional, a reunir as equipes do Metropolitano com as melhores das ligas provinciais do interior argentino, a receberem assim um conveniente agrado do recém-instalado ditador Juan Carlos Onganía. Virtualmente, seriam dois campeonatos argentinos anuais: os puristas apreciavam mais o Metro, ao passo que o Nacional fornecia as vagas à Libertadores, para campeão e vice. Apenas em 1973 é que, a vaga do vice nacional seria repassada para o campeão metropolitano, valorizando-o ainda mais.

A torcida do Independiente não pôde ficar satisfeita na maior parte de 1967. Nas semifinais do Metro, o clube foi eliminado pelo Racing, que, mesmo sem conseguir posteriormente o título, sagraria-se campeão da Libertadores (até então uma exclusividade na Argentina da sala de troféus roja) e da Intercontinental (ainda inédita para um time do país). O consolo viria com o certame nacional, encerrado justamente com uma goleada no rival.

O goleador Artime, contra o Racing, e Savoy. Ambos marcaram no arquirrival

A campanha do campeão foi um passeio, em um torneio de pontos corridos em turno único, com 16 participantes: os seis melhores de cada grupo do Metropolitano (Racing, Estudiantes, Vélez, Boca, Lanús e Quilmes, do A; e Platense, Independiente, Rosario Central, San Lorenzo, Ferro Carril Oeste e River, do B) juntaram-se ao Central Córdoba de Santiago del Estero, ao Chaco For Ever de Resistencia, ao San Lorenzo de Mar del Plata e ao San Martín de Mendoza.

Em seus 15 compromissos, os diablos só perderiam uma vez e ganhariam 12, marcando quase três vezes por partida e ganhando as 8 primeiras. As goleadas iniciais incluíram um 6-0 no Central Córdoba, um 5-2 no Lanús, um 4-2 no Quilmes, um 6-no Chaco e, fora de casa, um 3-0 no San Lorenzo marplatense. Só o Estudiantes, que segurou o 0-0 em Avellaneda, e o Rosario Central, que cedeu em casa um 1-1, não foram derrotados antes da reta final.

O fim do torneio recheou confrontos contra todos os outros quatro grandes, o que aumentaria o sabor da conquista, ainda que o caminho tenha começado indigesto: em seu campo, o San Lorenzo impôs a única derrota do campeão, com um 3-1. A metade vermelha de Avellaneda, em seguida, comemorou um 3-2 no Boca e, no Monumental de Núñez, um 2-0 no River.

Mesmo assim, o clube ainda não havia faturado a taça, com o time campeão do Estudiantes firme na disputa por novo título, querendo fazer ainda mais história e ser o primeiro vencedor dobrado no país. Os platenses, invictos, estavam 2 pontos atrás – na época, este era o valor de uma vitória, de forma que eles poderiam forçar um jogo-extra caso ganhassem do River e o líder perdesse em 17 de dezembro de 1967.

Os pontas, Bernao e Tarabini

Ao Independiente, restava poder até empatar dentro de sua Doble Visera contra La Academia, campeã mundial um mês e meio antes. Santoro, Monges, Pavoni, Ferreiro, Pastoriza, Acevedo, Bernao, Mura, Artime, Savoy (improvisado) e Tarabini encararam Agustín Cejas, Rodolfo Vilanoba, Antonio Manilo, Óscar Martín, Nelson Chabay, Enrique Wolff, Fernando Parenti, Miguel Ángel Mori, Juan Carlos Cárdenas, Juan José Rodríguez e Norberto Raffo, do técnico Juan José Pizzuti.

O clássico de Avellaneda ficou sem gols no 1º tempo, mas na 2º os mandantes espantaram qualquer temor: Tarabini, aos 2, abriu o placar, ampliado aos 10 por Artime. Este fez também o terceiro, aos 23, superando o colega Yazalde (que não jogou) na artilharia do torneio, com 11 gols. Savoy, aos 43, aplicou a última carimbada no ano histórico do rival. Ao fim, os campeões recordistas – ninguém superou até hoje na Argentina os 86,67% de aproveitamento do título do Independiente de Brandão – carregaram nos ombros seu técnico brasileiro. A estadia vitoriosa dele não durou tanto, porém.

No dia seguinte, regressou ao Brasil, para ser supervisor técnico da seleção, recusando proposta do Boca e os apelos dos pupilos rojos para ficar. Mas abriu portas para um conterrâneo: o campeonato seguinte, o Metropolitano de 1968, seria faturado pelo San Lorenzo, treinado por Tim, ex-atacante da Copa de 1938. Ainda hoje, são os únicos treinadores brazucas campeões argentinos. Brandão ainda é recordado em Avellaneda como um mestre no uso da preparação física e no discurso motivacional e, paternal do jeito que era, até no auxílio aos jogadores na elaboração dos contratos.

O time de 45 anos atrás: Mura, segundo agachado, na posição de Savoy, o quarto. O goleiro de azul é Hugo Trucchia, reserva de Santoro, de amarelo

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

11 − 11 =

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.