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65 anos do triunfo argentino de Di Stéfano

Alfredo Di Stéfano é um dos maiores mitos do futebol mundial, com uma carreira das mais vitoriosas, e na Espanha há quem o coloque como ainda melhor que Maradona e mesmo Pelé. Só um título, porém, veio na Argentina, completando hoje 65 anos.

Alfredito é bem celebrado na terra natal, mas, possivelmente, não tanto quanto poderia. O próprio Ángel Labruna, outra estrela do esporte e seu colega naquele título de 1947, chegou a rotulá-lo entre os maiores jogadores… estrangeiros. Foi em uma entrevista à mídia brasileira em 1983, a três meses de falecer. “Ele só entra na minha relação (dos maiores craques que conheci) pelo que fez na Europa”.

A opinião de Labruna tem sua dose de razão de ser, comparando-se a passagem de Di Stéfano na Argentina com o que fez depois, até porque só passou a ser considerado um jogador completo (em estilo que depois serviria de comparação ao de Johan Cruijff, por sua vez usado como referência para o de Messi) na Colômbia, para onde partiu em 1949, e na Espanha. No River Plate, onde foi “apenas” um grande e veloz centroavante, sua passagem foi das mais fugazes para um ídolo.

Mesmo seu título pela Argentina foi longe de casa. Também foi em 1947, na Copa América, realizada em dezembro no Equador. As seis partidas de Don Alfredo pela Albiceleste deram-se lá. E seis foram também os seus gols por ela. A declaração de Labruna ganha contornos mais mal-humorados justamente em razão da alta média de gols que La Saeta Rubia (“A Flecha Loira”) já exibia antes de deixar o futebol platino. No River, foram tremendos 49 tentos em 66 partidas, cerca de 0,75 por jogo; tem a quarta melhor média de gols do clube. 27 deles em seus 29 jogos no campeonato de 1947 o credenciaram para estar na seleção semanas depois.

No Huracán e na seleção

Na verdade, houvera outra taça conquistada por ele, a do campeonato de 1945. Bem aprovado nas categorias de base, foi lançado ali nos profissionais. Só que o ataque millonario era repleto de jogadores já consagrados no clube e na seleção, com a linha ofensiva Muñoz–Moreno-Pedernera-Labruna-Loustau sendo talvez o quinteto mais recordado no país. Di Stéfano só esteve em um jogo da campanha, substituindo Muñoz contra o Huracán em derrota por 1 a 2 na 12ª rodada, no Gasómetro, campo do vizinho San Lorenzo (o estádio do adversário, El Palacio Tomás Adolfo Ducó, estava em construção).

Para o próprio Huracán foi emprestado em 1946, em razão da dura concorrência. Marcou dez vezes em 25 jogos pela Quema, bom número para um atacante de uma equipe mais modesta e irregular (nona colocada naquele ano) que sofreu inclusive intervenção estatal por conta de “desordens administrativas”, em setembro. Dois desses gols foram no time que seria o campeão do ano, justamente o vizinho e arquirrival San Lorenzo, abatido em pleno Gasómetro por 2 a 3 em um dos clássicos. No Globo, Alfredo também marcou dobletes no Estudiantes de La Plata (3 a 1 como mandante) e no Independiente (3 a 4 em Avellaneda).

Outro que interessou ao ex-clube foi sobre o próprio: seu tento nos primeiros segundos de jogo contra o River, na 12ª rodada, dentro do Monumental, foi até 1979 o mais rápido do campeonato argentino; fontes variadas o colocam aos oito, onze e quinze segundos iniciais. Os de Núñez, que virariam para 3 a 1, cobraram demais para que sua joia fosse vendida em definitivo para o conjunto de Parque Patricios, até por conta dos desfalques (Adolfo Pedernera vendido ao Atlanta, Juan Carlos Muñoz lesionado, Labruna com hepatite), e ela regressou ao norte de Buenos Aires em 1947.

Os ídolos de Di Stéfano estiveram relacionados com ele em 1947. Pedernera (à esquerda) fora para o Atlanta, abrindo uma vaga para Alfredo no River. E Erico fora contratado pelo Huracán para suprir a ausência da Flecha Loira

Para se repor, o Huracán contratou ninguém menos que o veterano Arsenio Erico, supergoleador do Independiente e maior artilheiro do campeonato argentino (293 gols, recorde compartilhado com Labruna), e justamente quem Di Stéfano usava como maior referência. E há exatos 65 anos, em 9 de novembro de 1947, a marca da flecha foi deixada no River e na história do campeonato nacional. Um 4 a 0 no Rosario Central com gol do jovem atacante – é um dos poucos campeões ainda vivos – garantiu com uma rodada de antecipação o 7º título profissional do Millo, desempatando a contagem com o Boca Juniors, que não voltaria mais a estar na frente em números de campeonatos vencidos no profissionalismo.

O Boca foi exatamente quem mais deu combate aos da banda roja. Os dois arquirrivais vinham emparelhados desde a 3ª rodada, empatados em pontos ou apenas com um a menos entre si. Ambos chegaram para o Superclásico do returno, na 18ª rodada, igualados em 27 pontos. Àquela altura, Di Stéfano já havia marcado 11 vezes nos 15 jogos do primeiro turno, vazando Platense (dois em um 5 a 1), San Lorenzo (um no 2 a 2), Newell’s Old Boys (um no 4 a 1), Vélez Sarsfield (um no 3 a 0), os ex-colegas de Huracán (um no 3 a 2), Tigre (três no 5 a 1), Rosario Central (um no 3 a 3) e Atlanta (um no 8 a 0, maior goleada da edição).

Nos dois jogos anteriores, já pelo segundo turno, deixara um cada contra Lanús (3 a 0) e Platense (4 a 2). Di Stéfano não chegou a marcar no clássico, mas o River venceu por 2 a 1 e não perderia mais a vantagem de dois pontos (o valor de uma vitória na época), até ampliando-a já na rodada seguinte, em que venceu o San Lorenzo fora de casa por 3 a 1 com dois gols de Alfredo enquanto o Boca empatava em 1 a 1 ao receber o Racing.

A “delantera” do River de 1947: Hugo Reyes (colega de Di Stéfano também no Millonarios de Bogotá), José Manuel Moreno (tido pelos mais antigos como ainda melhor que Alfredo e Maradona), ele, Ángel Labruna e Félix Loustau

No restante do segundo turno, a revelação millonaria deixaria sua marca também no Chacarita Juniors (um no 4 a 2), Newell’s (um no 2 a 1), Banfield (um no 6 a 2), Estudiantes (um no 3 a 1), Racing (dois no 4 a 2), Huracán (uma no 2 a 3, na única vez em 1947 em que ele marcou e seu time perdeu) e Independiente (um no 3 a 2), além daquele no Rosario Central na partida que garantiu antecipadamente o título.

Ao fim do torneio, mesmo com Di Stéfano tendo precisado dividir-se entre a carreira de jogador e o serviço militar obrigatório, havia feito cerca de um terço dos 90 gols do River Plate. O clube teve exatamente o melhor ataque da edição, com eloquentes vinte gols à frente do segundo – do próprio Boca. Foram 22 vitórias riverplatenses contra 17 do rival, 4 empates contra 8 e 4 derrotas contra 5. Os campeões tiveram também a defesa menos vazada, sofrendo 37 reveses, seis a menos que a dos auriazuis.

O último dos 27 gols no campeonato de 1947, números que deixaram Alfredo na artilharia da competição, veio na rodada seguinte, a trigésima e última. Foi o único do jogo contra o Atlanta de Pedernera, outro de seus ídolos (e com quem jogaria no Millonarios colombiano), a quem considera inclusive o maior jogador que já viu. Esta situação, aliás, também tem outras razões para ser relembrada aqui no Futebol Portenho. Em uma semana, explicamos quais.

O “Ballet Azul” do Millonarios em 1951, repleto de argentinos (*): Malaver, Di Stéfano*, Pedernera*, Báez* e Mourín*; Zuluaga, Ramírez, Soria, Cozzi*, Rossi* e Pini. Báez e Rossi também estavam no River de 1947. Cozzi, ex-Platense, foi o goleiro titular da Copa América de 1947 também. Mourín foi volante no Independiente campeão de 1948. Ramírez era um paraguaio que jogou com Di Stéfano no Huracán

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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