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45 anos do título mundial do Racing Club

Desde Buenos Aires – O cronômetro marcava dez minutos do segundo tempo. Troca de passes no meio de campo e Juan Carlos Cárdenas recebe a bola. Não foi um passe limpo, rente ao gramado. Ela veio quicando, saltando nas imperfeições do campo. Levou alguns segundos para dominá-la completamente, para sentir que ela estava sob seu poder e obediente à sua vontade. Estava mal posicionado; longe e de lado para o gol.

No primeiro toque, com a perna esquerda, “El Chango” trata de colocá-la na direção do arco rival e aproveita para, agora sim, perfilar-se numa melhor posição, de frente. Ela tenta escapar, mas dois rápidos movimentos consecutivos feitos com a perna direita não permitem que ela fuja do destino que estava sendo preparado. Há vinte e cinco metros do gol, Cárdenas sentiu que aquele era o momento de marcar o gol que mudaria a história do Racing e do futebol argentino. Soltou a perna esquerda e a bola fez sua trajetória limpa e direta até o ângulo superior direito do goleiro Fallon.

Dessa maneira, com o simples, mas suficiente placar de 1 a 0, o Racing conquistava o seu título mundial de futebol, diante do Celtic da Escócia. A Academia marcava seu nome na história sendo a primeira equipe de futebol da Argentina  a conquistar o mundo. Isso lhe rendeu um dos apelidos preferidos por seus torcedores: “Racing, o primeiro grande”. Mas também estão aqueles que dizem que já passou muito tempo e que de tanto recordar este gol, uma hora a bola vai bater no travessão e sair pela linha de fundo. Mas fato é que há 45 anos esse chute é repetido e repetido milhares de vezes e a bola sempre encontra o caminho correto. O caminho da imortalidade e da glória.

DECISÃO EM TRÊS PARTIDAS

Como era costume naquela época, a definição do título mundial de futebol interclubes era definida em dois jogos, ou em três em caso de empate. O Racing chegava forte para a decisão. Era o auge daquele time inesquecível e que marcou época no futebol argentino: “El equipo de José”. O estilo de jogo sem posições definidas era a marca registrada de um time que conseguiu três títulos em dois anos e a impressionante marca de 39 partidas invictas.

Dentre algumas das figuras daquele esquadrão, homens que continuariam sendo ídolos da Academia como: Agustín Cejas, Alfio Basile, Roberto Perfumo, Norberto Raffo, Humberto Maschio, o brasileiro João Cardoso, e, claro, Cárdenas.

Já o Celtic era o campeão europeu depois de vencer de virada a poderosa Inter de Milão por 2 a 1 no estádio Nacional de Lisboa. O detalhe é que fora justamente a Internazionale quem derrotara o arquirrival racinguista, o Independiente, nas edições de 1964 e 1965 do mundial. Era a chance do lado alviceleste de Avellaneda lograr algo ainda não obtido pelo rival (já bicampeão da Libertadores) e nem por nenhum outro time argentino da melhor forma possível: superando quem já havia derrotado o algoz dos Rojos.

E o Celtic também estava no melhor momento de sua história: com um conjunto de jogadores criados no clube a nascidos em um raio de 50 km do estádio do time, havia se tornado a primeira equipe de todo o Reino Unido a faturar a Copa dos Campeões da UEFA, que ainda demoraria um ano para enfim ser levantada por um elenco inglês (o do Manchester United). Os alviverdes já haviam faturado em 1967 uma raríssima quádrupla coroa, tendo conquistado também o campeonato, a Copa e a Copa da Liga nacionais. O futebol da Escócia, como um todo, estava em alta: o arquirrival Rangers havia sido vice na Recopa Europeia e a seleção, após vencer a então campeã mundial Inglaterra dentro de Wembley, passara a se considerar a campeã “oficiosa” do mundo.

Craig, Gemmell, McNeill, o técnico Jock Stein, Simpson, Murdoch e Clarck; Johnstone, Wallace, Charmers, Auld e Lennox: os “Leões de Lisboa” do Celtic

A primeira partida entre Celtic e Racing ocorreu dia 18 de outubro no estádio Hampden Park, em Glasgow. Atuando em seus domínios, os escoceses foram amplamente superiores e venceram por 1 a 0, com um gol de McNeill aos 25 minutos da etapa complementar. A volta estava marcada para o dia 1 de novembro em território argentino. Em Avellaneda, a Academia começou perdendo com um gol de pênalti anotado por Gemmel aos 21 minutos do primeiro tempo. Norberto Raffo empatou e José Cárdenas marcou o gol da virada e do triunfo definitivo por 2 a 1.

Com uma vitória para cada lado, era necessária a realização de um terceiro jogo para a definição do campeão. O confronto foi marcado para três dias mais tarde, 4 de novembro de 1967, no estádio Centenário de Montevidéu, com a plateia uruguaia apoiando fortemente os europeus, em nome da rivalidade com os vizinhos.

Jogo duro, difícil e sem chances de gol. As duas equipes estavam visivelmente nervosas e o árbitro teve que expulsar três jogadores logo no início para conseguir controlar os ânimos de argentinos e escoceses. No lado da Academia, Alfio Basile viu o vermelho e no Celtic, Johnstone e Lennox.

Quando tudo parecia que não passaria de um empate sem gols, apareceu Cárdenas e seu chute imortal. Aquele de precisão assombrosa e que descansa ate hoje no ângulo direito e na memória dos racinguistas. Fez do Racing o primeiro time argentino campeão mundial de futebol, antes mesmo da própria seleção do país.

Ficha do terceiro jogo:

Racing Club: Agustín Cejas; Roberto Perfumo, Nelson Chabay; Oscar Martín, Juan Carlos Rulli, Alfio Basile; Norberto Raffo, João Cardoso, Juan Carlos Cárdenas, Juan José Rodríguez e Humberto Maschio. T: Juan José Pizzuti.

Celtic: John Fallon; Jim Craig, Tommy Gemmell; Bobby Murdoch, Billy McNeill, John Clark; Jimmy Johnstone, Bobby Lennox, William Wallace, Bertie Auld e John Hughes. T: Jock Stein.

Árbitro: Rodolfo Pérez Osorio (Paraguai)

Cejas, Basile, Perfumo, Martín, Chabay e Rulli; Cardoso, Maschio, Cárdenas, Rodríguez e Raffo no Centenário, com a bandeira uruguaia

John Lennon torcedor do Racing?

Há quem diga que sim.  Segundo informações da própria imprensa argentina,  existe um vídeo onde o líder dos Beatles confirma ser torcedor do Racing. Na realidade Lennon não era um fanático por futebol e foi motivado pela eterna rivalidade entre ingleses e escoceses para então definir o seu time de “coração”. Bobby Flores é um importante jornalista argentino. Especializado em rock, foi um dos fundadores de uma das mais importantes rádios da Argentina, a Rock & Pop que também transmite futebol. Flores afirma que o vídeo é verdadeiro e que ele mesmo pôde assisti-lo.

Tudo não passou de um diálogo com um repórter inglês. Era época da final do mundial interclubes e Lennon foi questionado por um jornalista se lhe interessava futebol. O Beatle respondeu que não, mas após uma pequena pausa teria dito: “Espere. Qual é o nome daquele time que jogará contra o Celtic? Racing? Certo, então eu sou torcedor do Racing! Eu gosto do Racing! Viva Racing!”

E se disse John Lennon, quem somos nós para discordar? Viva Racing!

Leonardo Ferro

Jornalista e fotógrafo paulistano vivendo em Buenos Aires desde 2010. Correspondente para o Futebol Portenho e editor do El Aliento na Argentina.

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