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Há 45 anos, o Racing vencia a sua Copa Libertadores

Desde Buenos Aires – Há quem diga que, para o Racing, tudo é sempre mais complicado, mais difícil. Argumentos não faltam para embasar aqueles que sustentam essa teoria, nascida desde o berço de qualquer racinguista de coração. A conquista da Copa Libertadores de 1967 é mais um exemplo do tortuoso caminho que a Academia precisa percorrer quando vislumbra a chance de um título.

Neste 29 de agosto, completa-se 45 anos daquela partida-desempate disputada frente a um poderoso Nacional-URU no Estádio Nacional de Santiago, no Chile. A vitória sofrida por 2 a 1 cruzou a Cordilheira do Andes e ecoou pelas ruas de Avellaneda num grito pintado de celeste e branco. Na oitava edição da competição internacional que se firmaria definitivamente como a mais importante do continente, o Racing conseguia tornar-se campeão.

CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

A Academia conquistou o direito de disputar a Copa Libertadores de 67 credenciada pelo título argentino do ano anterior. O outro representante do país foi o River Plate, vice-campeão argentino. Naquele momento, os dois times eram indiscutivelmente os dois melhores da Argentina e se encontrariam em quatro oportunidades na competição internacional, com duas vitórias da “blanquiceleste”, ambas em Avellaneda, e dois empates no Monumental.

Mesmo vivendo um excelente momento dentro de campo, o Racing entrava na disputa da Libertadores pressionado pela sombra do eterno rival da calçada da frente. O Independiente  já havia conquistado a competição de forma consecutiva em 1964 e 1965, esta última, de maneira invicta.

“Y YA LO VÉ, Y YA LO VÉ, ES EL EQUIPO DE JOSÉ”

José ainda como jogador em 1961
José ainda como jogador, em 1961

Mas é impossível falar deste Racing sem mencionar um personagem que é considerado um dos maiores ídolos do clube. Juan José Pizzuti formulou e dirigiu o grande time da Academia, aquele que conquistaria seu espaço na memória de cada torcedor ao fazer história e atingir a glória máxima ao bater o Celtic escocês com um golaço de “Chango” Cárdenas e sagrar-se campeão mundial interclubes.

Em sua genialidade, é considerado um dos precursores daquele tipo de futebol onde os jogadores atuam sem posição fixa, estilo consagrado pela “Laranja Mecânica” liderada por Johan Cruijff na Copa do Mundo de 1974, sete anos depois de José praticamente inventar esta forma de jogar.

Ídolo como jogador na Academia, José pendurou as chuteiras defendendo as cores do Boca Juniors no ano de 1963. Estreou como treinador dirigindo o Chacarita Juniors, mas em 1965 foi chamado a acudir o clube que o amava e passava por uma péssima fase, ocupando a última posição na tabela. Logo no primeiro jogo, missão duríssima: enfrentaria o líder River Plate. Vitória do Racing por 1 a 0 e a partir daí a equipe não parou mais. Terminou na quinta posição do campeonato, tendo perdido apenas um confronto sob a batuta de José.

A mística equipe ia ganhando forma e respeito para se tornar no ano seguinte, o meritório campeão argentino. Alcançou a incrível marca de 39 partidas invictas e conquistou o campeonato com três rodadas de antecipação. “El equipo de José” era a sensação no país e contava com nomes de expressivo talento como: Carrizo, Perfumo, Basile e Cárdenas.

O TIME CAMPEÃO

Eufórica pela incontestável conquista do campeonato argentino de 1966, os racinguistas acreditavam que aquele 1967 era o ano do clube conquistar a sua Copa Libertadores. A base do plantel campeão estava armada e foram feitas apenas três mudanças no time titular.

O brasileiro João Cardoso brilhou no futebol argentino

No gol, Luis Carrizo cedeu o posto a Agustín Cejas, que posteriormente defenderia dois times no Brasil: Santos e Grêmio. Entre os jogadores de linha, Rubén Osvaldo Díaz, cria da Academia, perdeu a posição para João Cardoso, jogador brasileiro. Nascido em Uruguaiana, talvez este gaúcho seja um dos atletas do Brasil que obteve maior sucesso no país vizinho. Descoberto em uma competição militar por dirigentes do Grêmio, fechou com o tricolor. Passado algum tempo, foi negociado com o Newell’s Old Boys, onde permaneceu por quatro anos, e, junto com outros seis jogadores de nacionalidade brasileira, conseguiram levar o clube rosarino à primeira divisão. Anos mais tarde, revelou ser torcedor  da Lepra. Em uma das negociações mais cara para a época, trocou Rosario por Buenos Aires e foi defender o Independiente para só então, um ano mais tarde, atravessar a rua e vestir a “blanquiceleste”.

A última, mas não menos importante, alteração no time titular da Academia, foi a troca no comando de ataque. Néstor Rambert, revelado pelo Rojo, retornou ao Chacarita. Seu lugar foi ocupado por Norberto Raffo, figura importantíssima na conquista da Libertadores de 1967, sendo o artilheiro da competição com 14 gols.

O time titular de José Pizzuti para aquele ano tinha por base a seguinte formação: Agustín Cejas, Roberto Perfumo, João Cardoso, Oscar Martín, Alfio Basile, Nelson Chabay (uruguaio), Norberto Raffo, Juan Carlos Rulli, Juan Carlos Cárdenas, Juan José Rodríguez e Humberto Machio.

A COPA LIBERTADORES DE 1967

Para quem está acostumado com o atual formato de competição da Copa Libertadores, aquela que foi disputada em 1967 parece uma verdadeira aberração. Foi a Libertadores mais longa da história (durou exatos 6 meses e 18 dias) e contou com 19 equipes.  Além de Racing e River Plate pela Argentina, Cruzeiro e Santos eram os únicos dois representantes do Brasil. Pelo Uruguai, o Nacional disputava a fase de grupos e o Peñarol, campeão da Libertadores no ano anterior, entraria somente na fase final.

Dessa forma, a primeira fase contou com 18 times divididos em três grupos. O Racing fazia parte do Grupo 2, formado também por: River Plate (ARG), Independiente Santa Fe (COL), Bolívar (BOL), Independiente Medellín (COL) e 31 de Outubro (COL).

Apenas os dois primeiros de cada grupo passariam para a fase final, onde também se somaria o Peñarol. A partir de então, dois novos grupos seriam formados onde todos se enfrentariam dentro da chave. Os primeiros colocados de cada grupo se enfrentariam na decisão, a ser disputada em dois jogos com mandos distintos. Em caso de empate, uma terceira partida seria jogada em campo neutro.

A CAMPANHA

Primeira Fase

Na primeira partida, ainda na fase grupos, já vinha de cara o primeiro clássico. O adversário na estreia seria o River Plate em Avellaneda. O que parecia ser algo difícil, “el equipo de José” simplificou; vitória tranquila por 2 a 0, com gols de Raffo e Maschio. Então veio a primeira viagem e na bagagem de volta trouxeram a primeira derrota. Um duro 3 a 0 para o 31 de Octubre jogando na altitude de La Paz.

Mas essa seria a única derrota na primeira fase. Na terceira rodada, viajou novamente, desta vez para a Colômbia, onde se reencontrou com a vitória ao bater o Independiente Medellín por 2 a 0, outra vez com gols de Maschio e Raffo. O time permaneceu no país e três dias mais tarde venceu o outro representante colombiano do grupo, 2 a 1 no Independiente Santa Fe, dois gols de Maschio.

Desta viajem à Colômbia, aconteceu o aquilo que posteriormente foi considerado como o divisor de águas na Academia. Em um voo para Medellín, a equipe viajava em DC-4 da empresa SAM. Era para ser uma viagem rápida, não passaria de uma hora, mas um temporal causou pânico entre os jogadores. O avião balançava de um lado para outro e, segundo alguns relatos, chegou inclusive a empreender grande velocidade em queda livre. Por sorte o piloto conseguiu tomar as rédeas da aeronave e pousou sem maiores danos. Era o mesmo aeroporto onde Carlos Gardel tinha morrido 32 anos antes. Foi então que José teria dito ao plantel: “Se nos salvamos desta, somos campeões da América e do mundo!”

Na partida seguinte, mais uma vez fora de casa, o Racing foi até a Bolívia e venceu o Bolívar por 2 a 1 (João Cardoso e Raffo). Já era o momento de voltar para Avellaneda e no reencontro com sua torcida, goleada no Independiente Medellín por 5 a 2 (Martinoli duas vezes, Rubén Díaz, Basile e Juan Rodríguez).  Diante do Independiente Santa Fé, também no Cilindro, mais uma goleada; 4 a 1 com gols de Raffo (duas vezes), Cárdenas e João Cardoso.

Próximas duas partidas contra os times bolivianos do grupo e o Racing não teve piedade. Repetiu a goleada por 6 a 0 frente o 31 de Octubre (Parenti anotando três vezes, Cárdenas duas vezes e Perfumo) e diante do Bolívar (Cárdenas três gols, Rambert, Rodríguez e Parenti).

Para fechar a primeira fase, novamente o clássico contra o River, mas desta vez a ser disputado em Núñez. A Academia soube se fechar e conseguiu um importante ponto no 0 a 0, resultado que assegurou a primeira posição no grupo terminada a primeira fase com 17 pontos, dois a mais que o Millonario, segundo colocado. Foram 8 vitórias, 1 empate e 1 derrota com 29 gols marcados e apenas 7 gols sofridos em dez partidas. Números convincentes.

Segunda Fase

No grupo formado para a segunda fase da competição, o Racing teve como adversários o já conhecidíssimo River Plate (ARG), o Universitario (PER) e o Colo Colo (CHI), segundos colocados no grupo 1 e grupo 3 respectivamente.

Assim como havia terminado a primeira parte da Copa, jogaram River e Racing no Monumental para abrir as semifinais. Nada de diferente aconteceu e novamente um empate sem gols foi o resultado final. Seis dias mais tarde, a Academia já estava em Lima, onde bateu o Universitario por 2 a 1, com dois gols de Raffo.

Mas, na partida de volta em Avellaneda, foi surpreendido pelo mesmo Universitario, e saiu derrotado por 2 a 1. O único gol da Academia foi marcado por Maschio. Conseguiu a recuperação uma semana mais tarde, ao bater o Colo Colo por 2 a 0 jogando em Santiago, dois gols de Raffo. Já no Cilindro, outra vez tendo a equipe chilena pela frente, outra vitória incontestável; 3 a 1 com atuação de gala de Juan José Rodríguez, autor dos três tentos. Na última partida, recebia o River Plate em Avellaneda e ganhou com sobras; 3 a 1 e gols de Raffo duas vezes e Rodríguez, outra.

Terminada esta fase, Racing e Universitario terminaram empatados com o mesmo número de pontos na primeira colocação. Seria necessária uma partida em campo neutro para definir o primeiro colocado do grupo e é aí, que o Estádio Nacional de Santiago já começa a trazer boa sorte para a Academia. Vitória por 2 a 1, novamente com dois gols de Raffo, e passagem para a final assegurada.

Finais

O adversário da finalíssima merecia respeito. O tradicional Nacional do Uruguai se assomava como um gigante ameaçador. Além da força e tradição, estava sedento por um título ainda inédito para si, e que o arquirrival Peñarol já conquistara três vezes. Na primeira partida, disputada com mando do Racing, as coisas foram muito iguais e o empate em 0 a 0 foi o resultado mais justo. A partida de volta, marcada para dez dias mais tarde, obrigava a Academia a cruzar o Rio da Prata e tentar buscar o título inédito fora de casa e diante da pressão de 80 mil uruguaios.

Jogando em Montevidéu, o Racing precisou resistir a pressão e bravamente conseguiu sustentar outro empate sem gols, que obrigava a realização de uma terceira partida, desta vez em campo neutro, para que finalmente a Libertadores de 67 conhecesse seu legítimo campeão.

O Estádio Nacional de Santiago foi o palco da terceira partida da final. O Racing colecionava boas lembranças do lugar e, como existem coisas que só acontecem no Racing, desta vez tudo parecia indicar que uma destas seria algo muito positivo. Certamente, lembraram daquela partida contra o Universitario para definir quem avançaria para as finais, recordaram do voo assustador na Colômbia e perceberam que estavam um pouco mais perto do título que os rivais da ocasião.

A Academia conseguiu abrir uma vantagem de 2 a 0, nos primeiros quarenta e cinco minutos, com gols de João Cardoso aos 14 minutos do primeiro tempo, e outro de Raffo faltando dois minutos para o intervalo. Mas, como aquilo que foi dito no primeiro parágrafo deste especial, tudo com o Racing precisa necessariamente ser sofrido. E foi. Faltando onze minutos para o término da partida, Viera descontou para os uruguaios e colocou fogo no encontro.

Era uma pressão enorme do Nacional, que acuou o Racing em seu campo de defesa. A necessidade de resistir os minutos que restavam de jogo deixou todos os espectadores, chilenos, argentinos ou uruguaios, apreensivos. Mas, no apito final a Academia respirou, e finalmente pôde gritar em alto e bom tom o mais lido dos gritos para qualquer torcida e que, às vezes, tanto parece custar aos racinguistas: “É CAMPEÃO”.

Ficha do terceiro jogo da decisão

29 de Agosto de 1967

Estádio Nacional de Santiago, Chile

Árbitro: Rodolfo Pérez Osorio (PAR)

Público: 50.000

Gols: João Cardoso 14’, Raffo 43’ e Viera 79’.

Racing (ARG) 2 x 1 Nacional (URU)

Racing: Cejas, Perfumo, Basile, Martín e Mori; Díaz e João Cardoso (Parenti); Rulli, Raffo, Cárdenas e Maschio. Técnico: Juan José Pizzuti.

Nacional: Domínguez, Manicera, Álvarez, Ubiña e Castillo; Mujica e Espárrago; Viera, Celio, Morales (Oyarbide) e Urruzmendi. Técnico: Washington Erchemandi.

httpv://www.youtube.com/watch?v=nIIhnUYMuoo&feature=player_embedded

NÚMEROS DA CAMPANHA

Raffo, goleador e ídolo

Como foi a Copa Libertadores mais longa da história, o Racing precisou de 20 partidas para tornar-se campeão continental. Foram 14 vitórias, 4 derrotas e 2 empates somadas todas as fases da competição.

A Academia terminou marcando 44 gols e sofreu apenas 14, finalizando com um expressivo saldo positivo de 30 gols e tendo Noberto Raffo o artilheiro, com 14 gols.

 

Leonardo Ferro

Jornalista e fotógrafo paulistano vivendo em Buenos Aires desde 2010. Correspondente para o Futebol Portenho e editor do El Aliento na Argentina.

7 thoughts on “Há 45 anos, o Racing vencia a sua Copa Libertadores

  • Caio Brandão

    Interessante que o João Cardoso, como falaste, era do Independiente. Chegou ao Racing em um troca-troca entre os rivais, com o então racinguista José Omar Pastoriza tornando-se Rojo. Um raro caso em que dois rivais sairiam-se bem em um negócio entre si…

    Já Néstor Rambert teve um sobrinho justamente no Independiente, nos anos 90. Sebastián Pascual Rambert foi uma das estrelas do bi na Supercopa, ao lado de Islas, Rotchen, Usuriaga, Gustavo López… quando o Independiente ainda conseguia se preservar um pouco após o fim da era dourada.

    Belíssimo relato, meu velho! Parabéns!

  • Lucas Mendonça Silva

    Que texto bonito! Parabéns Academia!

  • Navarro Montoya

    Parabéns ao Racing,pois graças a acade nasceu meu fascínio pelo futebol do Prata, pois quando criança fiquei impressionado com el cilindro e aquela hinchada na Saída do Racing naquela final contra o meu clube de coração em 88, fora aquela atmosfera que cercava as quatro linhas, apesar de perdemos, ao invés de rivalidade por minha parte nasceu o interesse por este futebol e sobre tudo pela paixão que os jogadores e a torcida levam a cada partida, e diretamente graças a este título de 45 anos atrás pude ver aquela final de 88.
    Da-lhe acade……… Sempre que vou a B Aires, os torcedores lembram daquelas finais de 88 e 92, e isto me enche de orgulho de saber que o Gigante do Mineirão fez parte das emoções de uma torcida do estirpe de la ACADE!!!!!!!!!!!!!!! E parabéns pelo Especial…

  • DFJ

    Infelizmente, a Libertadores perdeu o seu brilho a partir deste ano, depois que os mafiosos do Corinthians compraram o título desta competição. O futebol virou um jogo sujo de interesses…

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