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Há 45 anos, o Estudiantes de La Plata emergia nacionalmente

Gabriel Flores (goleiro reserva), Pachamé, Poletti, Malbernat, Aguirre Suárez, Madero e Spadaro; Ribaudo, Bilardo, Conigliaro, Echecopar e Verón. Os pincharratas no Gasómetro, minutos antes do pontapé inicial ante o Racing

Se toda história tem um começo, resta óbvio que a do Estudiantes intruso entre os grandes da Argentina, da América e do mundo teve início há exatamente 45 anos, com o primeiro passo – colocando-se entre as principais forças de seu país. Foi com um título argentino de 1967.

Até então, o clube era visto como tradicional, mas nanico. Até já havia sido campeão argentino, mas no longínquo passado amador, em 1913. Mesmo aquele logro fora em uma liga vista como secundária em relação à da Associação Argentina de Futebol, por sua vez obtida pelo Racing (os platenses conquistaram a da Federação Argentina de Futebol, dissidente). O Gimnasia y Esgrima La Plata tinha a mesma quantidade de títulos argentinos – um -, mas o do arquirrival, levantado em 1930 (mas ainda pelo campeonato de 1929), estava mais fresco. O GELP ainda tinha a certa vantagem de ter mais títulos na segunda divisão, além do fato de que sua taça na elite viera em um campeonato unificado.

1967 foi um ano de novidades. Valentín Suárez, colocado na direção da AFA pela recém-instaurada ditadura de Juan Carlos Onganía, decidiu reestruturar o futebol argentino, dando mais chances a clubes do interior por um lugar ao sol. O calendário dos principais times, historicamente concentrados na Grande Buenos Aires, seria dividido em dois torneios. Aquele já tradicionalmente travado, reunindo clubes do conurbano da capital federal e as duplas principais das cidades de Rosario (Newell’s Old Boys e Rosario Central) e Santa Fe (Colón e Unión), se converteria no Metropolitano, a contar com rebaixamentos e acessos de clubes da segunda divisão.

O outro seria o Torneio Nacional, colocando em disputa estes mesmos clubes e os que se dessem melhor nos campeonatos provinciais pelo país, semelhantemente às Copas europeias. Por conta de todos estes fatores, o Metropolitano, apesar do nome, seguiria visto como o título mais prestigiado pelos puristas, o que só aumentou quando seu vencedor passou a se classificar à Libertadores (vaga criada em 1973; antes, era destinada ao vice nacional). E seria o Metro o vencido pelos pincharratas.

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O Estudiantes estava longe de ser um time midiático em 1967. Recebeu apenas duas capas da então semanal El Gráfico, ambas com Juan Echecopar. À esquerda, uma de março, por ocasião de vitória sobre o Boca com gol dele, na quarta rodada; à direita, a edição que saiu dois dias após o título

 

O Metropolitano não seria realizado exatamente sob pontos corridos, embora fosse essa a fórmula mais adotada para ele futuramente. Dois grupos com onze clubes cada foram criados, com os grandes divididos em cada um: Boca Juniors, Racing e Huracán (ainda visto unanimemente como “sexto grande”) ficaram no A, e seus respectivos arquirrivais (River Plate, Independiente e San Lorenzo), no B.

Outras rivalidades também estariam opostas em chaves diferentes: o A foi composto também por Estudiantes, Vélez Sarsfield (visto então sob porte ainda menor), Lanús, Colón, Newell’s Old Boys, Argentinos Juniors e Atlanta, enquanto o B era preenchido pelos “inimigos” Gimnasia, Ferro Carril Oeste, Banfield, Unión, Rosario Central, Platense e Chacarita Juniors. Quilmes e Deportivo Español, sem rixas, completavam respectivamente A e B.

A confusa fórmula previa pelejas de ida e volta não só no interior dos grupos, mas também em cruzamentos de clubes de ambos especialmente para os clássicos. Os dois primeiros colocados de cada chave iriam à semifinal, e seriam acompanhados no Torneio Nacional por aqueles que ficassem do terceiro ao sexto lugares. Sétimo e oitavo disputariam um torneio promocional com os vice-campeões provinciais. Os três últimos, um reclassificatório com os seis primeiros da segunda divisão – nem mesmo o campeão dela, o Defensores de Belgrano, teve acesso garantido.

Na primeira fase, os alvirrubros formaram a equipe mais vencedora do grupo, com onze triunfos, marcados pelo traçoeiro aproveitamento de descuidos técnicos e/ou emocionais dos adversários, como bem ensinava Osvaldo Zubeldía, seu técnico desde 1965. Ficaram na segunda colocação apenas nos critérios de desempate com o Racing (que venceu um jogo a menos, mas tinha saldo de gols melhor). Para completar, encerraram a participação vencendo por 3 a 0 o clássico de La Plata.

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Pesadelo na semi contra o Platense: Barale precisando sair e os calamares comemorando o terceiro gol

 

As semifinais, em jogo único apenas dois dias depois, iriam opor o primeiro colocado de um grupo com o segundo de outro. Isto fez com que Racing e Independiente se encontrassem já ali, centrando as atenções no clássico de Avellaneda, virtualmente convertido na “final antecipada”. Em matéria de emoção, no entanto, tal rótulo caberia perfeitamente ao confronto dos outros semifinalistas, os pequenos Estudiantes e Platense.

A neutra Bombonera seria o local de um dos jogos mais dramáticos já ocorridos na Argentina. Ainda que tenha sido o classificado mais derrotado, com sete reveses, o Calamar fora também o mais vitorioso da fase inicial, com treze logros, além de também o mais goleador, com 40 tentos – o Estudiantes vazara as redes adversárias 24 vezes; o Racing, 30, e o Independiente, 33. O time de Vicente López era treinado por ninguém menos que Ángel Labruna, um dos maiores craques do futebol argentino (e um dos maiores técnicos também), que na equipe marrom encerrara a carreira anos antes.

Sob uma forte chuva que chegou a ameaçar suspender a partida da quarta-feira de 3 de agosto, Platense e Estudiantes se pegaram no campo do Boca Juniors. O Pincha abriu o placar já aos 5 minutos, com Conigliaro cabeceando com sucesso bola cruzada por Madero. Mas a primeira etapa foi terminada das piores formas possíveis: os adversários, a partir dos 23 minutos, viraram o escore, com Lavezzi (a ser contratado com o colega Tognaro pelo próprio Estudiantes) e Bulla – este, prensado por três defensores rivais após o goleiro Poletti ter saído mal ao tentar interceptar a bola.

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Ressurgimento pincha: Verón cabeceando para o gol e diminuir para 2 a 3, 30 segundos após o adversário ter perdido o quarto por bem pouco; e Madero decretando, de pênalti, a virada

 

Logo após a virada, o zagueiro Barale machuca-se. Como substituições só eram permitidas entre goleiros, os de La Plata têm de ficar com dez em campo. Já no início do segundo tempo, Bulla marca outra vez. E por muito pouco, não veio o quarto gol marrom: na saída de bola, os pincharratas a perderam e ao fim do contra-ataque, Pachamé salvou quase em cima da linha nova conclusão de Bulla, reacendendo os alvirrubros.

Aos 15 minutos, o cotejo já estava empatado. Verón, de peixinho, descontara já aos 8, e aos 14 La Bruja arquitetou a jogada que culminaria em um canhão de canhota que o inábil Bilardo usou para deixar tudo igual. O inacreditável demorou apenas mais dois minutos para ser concluído. O ator Bilardo cai como que desfalecido após chocar-se com o goleiro Hurt em uma cobrança de escanteio contra o Platense, e convence o árbitro Ángel Coerezza a assinalar penalidade máxima. Madero cobra e põe 4 a 3, decretando a contravirada. Mesmo com praticamente meia hora de jogo pela frente, o restante não foi tão frenético quando o terço inicial da segunda etapa e o escore não se alterou mais.

Um dia depois, na quinta-feira de 4 de agosto, o Racing venceu a outra semifinal, para entrar novamente em campo 48 horas depois. A Academia teria em outros nove dias a primeira partida da final da Libertadores da América, já obtida duas vezes pelo Independiente. Elegeu priorizar a taça continental e apresentou um conjunto mesclado entre titulares e cinco reservas.

Sem Agustín Cejas, sem Roberto Perfumo, sem Rubén Díaz, sem Jaime Martinoli e sem Juan Carlos Rulli, os blanquicelestes pisaram no Gasómetro (o neutro estádio do San Lorenzo) com a formação Antonio Spilinga, Óscar Gómez e Nelson Chabay; Óscar Martín, Miguel Ángel Mori e Alfio Basile; o brasileiro João Cardoso, Fernando Parenti, Norberto Raffo, Juan José Rodríguez e Humberto Maschio.

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O futuro campeão da América e intercontinental Racing foi batido três vezes no Metropolitano. Em La Plata e em Avellaneda, na primeira fase; e no Gasómetro, na final. À esquerda, a barreira racinguista incrédula após o gol de falta de Madero, o primeiro da decisão

 

Contra o ainda assim mais badalado conjunto racinguista, os onze compostos por Alberto Poletti, Ramón Aguirre Suárez e Hugo Spadaro; Óscar Malbernat, Raúl Madero e Carlos Pachamé; Felipe Ribaudo, Carlos Bilardo, Marcos Conigliaro, Juan Echecopar e Juan Ramón Verón. Na fase inicial, já haviam derrotado o outro finalista, completo, duas vezes: 2 a 1 no Cilindro, gols de Verón e Conigliaro, e 1 a 0 em casa, com Manera marcando.

Foi um passeio. Madero, Verón e Ribaudo assinalaram um fácil 3 a 0, respectivamente aos 7 (cobrando falta no ângulo superior direito de Spilinga), aos 24 (após troca de passes com Ribaudo e levar a melhor contra a zaga de Avellaneda) e aos 27 (Verón cruzou, Ribaudo trocou passes com Conigliaro antes de concluir) do segundo tempo.

O Club Estudiantes de La Plata, após controlar toda a partida, alcançava um título histórico por diversos motivos: o Metropolitano de 1967 foi a primeira conquista pincha na elite no profissionalismo. Ela também quebrou o monopólio que os cinco grandes (Boca Juniors, River Plate, Racing, Independiente e San Lorenzo) vinham aplicando desde a implementação da era profissional, em 1931 – o último clube chico campeão argentino fora justamente o rival Gimnasia, no mencionado 1929. Nem mesmo o “sexto grande” Huracán conseguira furar ainda o bloqueio após 1930.

Para reforçar os novos ares, os platenses alvirrubros estiveram bem próximos de se tornarem os primeiros a venceram ambos os torneios caseiros de um único ano: intrometeram-se ainda na disputa do título do Nacional daquele ano, disputado até a última rodada com o campeão Independiente. De qualquer forma, este vice catapultou os vencedores de 45 anos atrás à Libertadores de 1968, onde dariam início a um tricampeonato continental seguido, chegando a ser na época simplesmente o quadro argentino de mais conquistas internacionais. Faceta esta que teve em 6 de agosto de 1967 o seu principal antecedente.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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