Ídolos de River Plate e Rosario Central
No clima para Rosario Central x River Plate, talvez o confronto doméstico mais decisivo da temporada na Argentina (logo mais, a ser transmitido ao vivo pela ESPN Brasil às 14 horas deste sábado), neste especial lembraremos algumas das principais figuras de ambos, que tem as cores do rival do outro. Não foram poucos os canallas millonarios ou riverplatenses centralistas.
Alfredo Pérez e Federico Vairo foram companheiros no Central, no River e na seleção, nos anos 50. Pérez destacou-se bem mais em Núñez, onde passou toda aquela década, do que nas origens. Conhecido como El Gallego (rótulo argentino dado a espanhóis e descendentes), foi um grande zagueiro central, bastante lembrado por frequentemente procurar sair jogando em vez de dar chutões, o que lhe rendia aplausos, mas também algumas críticas por algumas vezes ter perdido a bola de forma inoportuna e gerado gols adversários (chegou até a fazer cinco gols contra).
Pérez foi pentacampeão com La Maquinita (como ficou conhecido o bom plantel riverplatense sucessor de La Máquina, da década anterior) e mundialista em 1958, não chegando a jogar na Suécia por conta da titularidade da posição ser do racinguista Pedro Dellacha. Embarcou para a Escandinávia juntamente com Vairo, que chegara em 1955 ao River por indicação de sua ex-dupla de zaga em Rosario. Enquanto Pérez ficava na direita, Vairo protegia o lado esquerdo da defesa, mas, polifuncional, também se saía bem na marcação do ponta-direita adversário.
Ambos foram rebaixados com o Central em 1950. Pérez rumou então para o River, ao passo que Vairo angariou mais idolatria em casa por ter ajudado os auriazuis a logo subirem, no ano seguinte. Tão logo chegou ao River, passou a ser também jogador da seleção: integrou a Albiceleste campeã sul-americana em 1955 e 1957, além de ser titular na Copa de 1958 (onde teve o ciclo fechado no selecionado por conta do desastre sueco). Vairo foi tricampeão seguido com a banda roja entre 1955 e 1957 e padrinho da torcida centralista em Buenos Aires. Sobre ele, falamos aqui.
Colega deles no River e na Copa de 1958, Ángel Labruna foi um dos maiores nomes do futebol no século XX. Nos millonarios, jogou por vinte anos, entre 1939 e 1959. Foi o camisa 10 e meia-esquerda de dois dos mais áureos períodos deles, convivendo com diferentes gerações de outros ídolos da instituição, onde praticava também basquete antes de profissionalizar-se. “Menos a nadar, aí (no River) aprendi a jogar até pingue-pongue”, declarou no fim da vida.
El Feo (“O Feio”, apelido alusivo a um problema dentário em um dos incisivos, só resolvido depois de parar de jogar), goleador máximo das edições de 1943 e 1945 do campeonato argentino, é o maior artilheiro da história do torneio, com 293 gols em 515 partidas só pelo clube do coração. Além de, por conseguinte, ser o maior goleador do time, do qual é o terceiro com mais aparições (aposentou-se como o recordista também nisso, depois sendo superado por Amadeo Carrizo e Reinaldo Merlo), é igualmente quem mais vezes marcou nos Superclásicos (dezesseis vezes, contra dez do maior artilheiro boquense nos duelos, o brasileiro Paulo Valentim).
Possuía ainda o recorde de mais presenças nos dérbis (35), depois superado por Merlo (do River), Hugo Gatti (dos dois) e Silvio Marzolini (do Boca Juniors). Adorava provocar a torcida rival, tampando o nariz sempre que visitava a Bombonera, onde deu duas de suas voltas olímpicas como jogador (em 1942 e em 1955). Foi nove vezes campeão nacional, então um recorde no profissionalismo argentino, alcançado e quebrado posteriormente apenas na era dos torneios curtos, com dois campeões anuais.
Aos 40 anos incompletos de idade, tornou-se o mais velho jogador a defender a Argentina, no mundial de 1958, sendo um dos pouquíssimos remanescentes da brilhante década de 40 do futebol argentino a jogar uma Copa – da mais célebre linha ofensiva da Máquina (Muñoz-Moreno-Pedernera-Labruna-Loustau), foi o único. Não conseguiu render bem, porém, como quase todo o resto do elenco. Encerrou na Suécia seu ciclo de mais de quinze anos de serviços à Albiceleste (onde foi campeão sul-americano em 1946 e 1955), marca só superada por Maradona. É também o mais velho a ter marcado um gol pela seleção: seu último foi no Maracanã, em 1957, em uma Copa Roca, abrindo o placar da vitória por 2 a 1 famosa por ter marcado a estreia e o primeiro gol de Pelé pelo Brasil.
Também teve grande sucesso como técnico, e aí o Rosario Central entrou em sua vida. Foi sob ele que os canallas conseguiram seu primeiro título argentino, em 1971, primeiro troféu nacional a ir para fora da província de Buenos Aires, e o primeiro do ex-meia como treinador. Já havia comandado o River na nova função, entre 1968 e 1969, e voltou para casa em 1975. Vivia-se lá um jejum desde o título de 1957, quando Labruna ainda jogava. “Venho para ser campeão” e assim o fez: a seca de dezoito anos foi saciada em dose dupla, com a equipe faturando tanto o Nacional como o Metropolitano de 1975.
Logrou outros quatro campeonatos argentinos em seis anos à frente das gallinas e o vice na Libertadores de 1976, perdida para o Cruzeiro. Somando as sete taças que ergueu como técnico (só Carlos Bianchi, na Argentina, conseguiu tanto na função) às nove como jogador, Labruna é o maior vencedor do campeonato argentino. Poderia ter sido ainda mais: quando um ataque cardíaco o fulminou em setembro de 1983, era técnico do Argentinos Juniors, cuja mesma base seria campeã argentina no ano seguinte (pela primeira vez) e em 1985, ano em que este clube levantou também a Libertadores.
Angelito deixara o comando técnico riverplatense em 1981, mesmo ano em que Mario Kempes aportou em Núñez. Se há alguém na Argentina que deve ficar bem contente caso as três equipes que ocupam a ponta desta Primera B Nacional consigam todas promoverem-se, é El Matador: ele, que futuramente nomearia o principal estádio público de sua província natal de Córdoba, começou a carreira no Instituto. Por La Gloria, que contava também com Osvaldo Ardiles, Kempes integrou o time que conseguiu um bom oitavo lugar no nacional de 1973, logo debutando na seleção.
O campeão daquele nacional foi o Rosario Central, que o contratou no ano seguinte por uma quantia recorde na época, 130 milhões de pesos. Não tardou a mostrar a que veio, marcando 29 gols em 34 partidas ao longo do ano de 1974, em que disputou a Copa do Mundo (primeiro centralista a ir a um mundial, ao lado do colega Aldo Poy) e foi bivice-campeão argentino, no Metropolitano e no Nacional (em que foi o artilheiro do certame, marcando um gol por jogo – 25).
Em 1975, manteve o faro goleador: 35 gols em 49 jogos, incluindo um em um clássico rosarino dos mais lembrados: o único da partida contra o Newell’s Old Boys em tira-teima para a semifinal da Libertadores, em que os canallas perderam lugar na final apenas por um gol a menos no saldo em relação ao detentor do título e novamente campeão, o Independiente. E foi em outro clássico que ele despediu-se do Central, em 1976 (ano em que foi artilheiro do Metropolitano), como o maior goleador do clube em campeonatos argentinos – 97 em 123 partidas. Fugia de eventual perseguição da ditadura militar (instaurada naquele mesmo 1976) à sua família peronista, que embarcou com ele para a Espanha.
Consagrou-se no Valencia (duas vezes artilheiro na Espanha, em 1977 e 1978, ganhou uma Copa do Rei, uma Recopa e uma Supercopa Europeias) e foi o herói do primeiro título mundial da Argentina em 1978 – foi o único convocado de fora do país. Após um início ruim na Copa, despertou justamente no velho conhecido Gigante de Arroyito, onde a seleção jogou seus três jogos na segunda fase de grupos. Kempes desencantou ali, marcando quatro, e terminaria artilheiro do torneio ao somar mais dois na final, no Monumental de Núñez, sua nova casa a partir do segundo semestre de 1981.
Maradona chegara ao Boca e, para responder, o River contratou o cordobês (e Alfredo Di Stéfano para substituir Labruna como técnico). O River foi o canto do cisne da carreira de Kempes, em decadência pouco depois. Mesmo não tão determinante como antes, marcou 16 vezes em 32 partidas, incluindo o gol do título do Metropolitano de 1981, na final frente o Ferro Carril Oeste, em uma cabeçada no segundo pau. Atualmente comentarista da ESPN, foi do Millo até a Copa de 1982. Afetado pela crise que atingiu o país após a Guerra das Malvinas, o time o devolveu ao Valencia.
Se Labruna foi eneacampeão na primeira divisão como jogador, Hernán Díaz conseguiria o mesmo. O primeiro, no último título do Rosario Central na elite, em 1986-87, uma saborosa conquista que teve como vice o arquirrival Newell’s, retratada neste recente especial do FP. Acabaria chamado pela Argentina que disputou a Copa América em casa, pouco depois do troféu canalla. Ficou mais dois anos nos auriazuis, até ser contratado pelo River em 1989.
Operário no meio-campo, como volante ou marcador de lateral, recebeu o apelido de El Hormiga (“A Formiga”). O Monumental foi seu lar até 2001, descontado um semestre em 2000 em que, por desavenças com o vaidoso técnico Ramón Díaz, o temperamental Hernán esteve no Colón de Santa Fe.
Está entre os dez que mais jogaram pelo River (416 partidas) e por ele obteve seus demais oito títulos argentinos, neste quesito estando atrás no clube somente dos nove de Labruna e dos dez do companheiro Leonardo Astrada (o jogador mais vezes campeão argentino no profissionalismo). Também venceu a Libertadores de 1996 e a Supercopa de 1997.
Outro que havia chegado ao River Plate em 1989 foi Rubén da Silva. El Polillita (seu irmão mais velho, Jorge, era El Polilla, “A Mariposa”) vinha do Danubio: fora artilheiro na campanha de 1988, em que o time foi campeão uruguaio pela primeira vez. Da Silva substituíra o irmão, que deixara o River em 1989, e logo emendou um bicampeonato particular; foi figura importante no troféu da temporada argentina de 1989-90, que quebrou uma pequena seca que durava desde o mágico 1986 millonario.
Rubén transferiu-se para a Europa em 1991, mas um ano depois voltou a vestir a banda roja. Foi o artilheiro do Clausura 1993 e só não se tornou mais ídolo porque, logo depois, foi jogar justamente no Boca Juniors. Não se deu tão bem e em 1995 trocou de auriazuis, indo parar no Central. Fez sucesso: foi um dos líderes da última conquista canalla, a Copa Conmebol daquele ano. Foi o artilheiro da competição, com 4 gols (um deles, curiosamente, sobre o Defensor, onde estava Jorge, que também marcou), incluindo o que abriu o placar no Gigante de Arroyito frente o Atlético Mineiro, no jogo de volta da decisão.
O Galo vencera por 4 a 0 no Mineirão e dava a Copa como ganha. Conseguiu levar o empate agregado na Argentina, com o Central devolvendo o placar. Nos pênaltis, Da Silva (campeão naquele ano também com o Uruguai, na Copa América) converteu a cobrança do título, que continua a valer como contrapeso aos logros do Newell’s Old Boys: o rival, que tem um título argentino a mais, vinha de dois vices na Libertadores, em 1988 e 1992, mas ainda hoje não conseguiram uma taça continental.
O uruguaio ficou mais dois anos em Rosario, sendo, pelo quadro de Arroyito, outra vez artilheiro do campeonato argentino, no Apertura 1997.
Outro pilar do título da Conmebol foi Martín Cardetti, autor de três gols, incluindo outro na decisão frente os mineiros, colocando a igualdade no placar agregado aos 40 minutos do segundo tempo. Mas foi no River que El Chapulín (“O Gafanhoto”) teve melhores números de artilheiro: 49 em 97 jogos do campeonato argentino (pelo Central, foram 25 em 67), que ele venceu seis vezes pelo time. Ainda que normalmente na reserva, Cardetti chegou ainda a ser goleador do Apertura 2001.
Na virada do milênio, o River Plate chegou a contar no mesmo plantel com dois goleiros vindos do Rosario Central: Roberto Bonano e Gastón Sessa. Vindo das inferiores centralistas, Bonano defendeu o time principal entre 1992 e 1996, participando ativamente da conquista da Copa Conmebol de 1995. Nos pênaltis contra o Atlético, Tito defendeu a cobrança de Leandro Tavares (Doriva, o outro atleticano a errar, chutou para acima do travessão).
No River, inicialmente foi reserva de Germán Burgos, passando a titular em 1999, emendando em campo os títulos do Apertura 1999 e do Clausura 2000. Mesmo assim, foi entre 1996 e 2000 que ele fez suas treze partidas pela Argentina, com a qual foi à Copa de 2002 (pertencia ao Barcelona desde 2001) como terceiro goleiro. É o único arqueiro que já fez um gol pelos millonarios, fazendo questão de cobrar um pênalti no final de uma partida contra o Vélez Sarsfield, para responder às provocações do paraguaio José Luis Chilavert, que mais cedo marcara nele da mesma forma.
Sessa, por sua vez, é daqueles que estão outro patamar, bem mais embaixo, em um ou em ambos os clubes. Havia até ido bem no Rosario Central, na temporada 1997-98, ficando cotado para ir à Copa do Mundo de 1998, mas acabou nunca tendo uma convocação para a seleção. Deixou de ser tão querido ali após falhar, pelo Vélez, na rodada final do Apertura 2004, permitindo que o Newell’s Old Boys obtivesse o quinto título argentino (ultrapassando aí o Central entre os campeões nacionais). No River, El Gato foi rotineiramente deixado de lado: mesmo quando o técnico Américo Gallego escolhia utilizar praticamente um time reserva, costumava preferir manter Bonano.
Há também de se falar de Juan Antonio Pizzi, que também defendeu os dois, ainda que tenha feito sucesso só no Central. Afinal, ele é justamente o técnico que vem comandando os rosarinos nesta B Nacional, onde os canallas são, por hora, os líderes. Ainda nas inferiores centralistas, teve de extrair um rim após um choque casual com Bonano, mas conseguiu profissionalizar-se, debutando em 1988. A destreza e o bom cabeceio logo chamaram a atenção, indo em 1990 ao exterior.
Logo faria sucesso no futebol espanhol, integrando o lembrado time do Tenerife do início dos anos 90. Este abrigou uma colônia argentina que contou com Pizzi, Fernando Redondo, Ezequiel Castillo, Óscar Dertycia e, na comissão técnica, Jorge Valdano e Ángel Cappa. Por dois campeonatos seguidos, os de 1991-92 e 1992-93, o clube venceu o então líder Real Madrid na última rodada de La Liga, permitindo que o título ficasse com o Barcelona. No primeiro, os madridistas perderam de 2 a 3 após estarem ganhando por 2 a 0, placar da vitória do Tenerife no segundo.
Ainda é o único a ter sido artilheiro do campeonato espanhol pela equipe das Canárias. Foi na temporada de 1995-96, de onde arranjou transferência para o Barcelona. Já era querido na Catalunha por ter ajudado o Barça a ganhar outro título, o de 1993-94, quando Pizzi defendeu o Valencia, que, na última rodada, impediu uma vitória do concorrente barcelonista da ocasião, o Deportivo La Coruña. Conseguiu lugar na Copa do Mundo de 1998 pela Espanha, a qual vinha defendendo desde 1994, cansado de não receber oportunidades na seleção argentina. Chegara inclusive a marcar um gol sobre o país natal, em 1995. Sobre ele e outros argentinos que jogaram pela seleção espanhola, o FP falou aqui.
A Furia, com a qual já havia ido à Eurocopa 1996 após a artilharia pelo Tenerife, caiu na primeira fase. Depois da Copa da França, Pizzi voltou à Argentina, contratado pelo River, curiosamente o clube contra o qual debutara e fizera seu primeiro gol. Ramón Díaz, porém, o usou pouco, e o hispano-argentino não rendeu o esperado. Na temporada seguinte, depois de quase dez anos, regressou ao Central, ajudando-o a quase ser campeão do Clausura 2000, perdido por um ponto justo para o Millo.
No segundo semestre de 2000, esteve no Porto, e no ano seguinte iniciava sua terceira passagem nos auriazuis. Marcou seis na melhor campanha canalla na Libertadores, parada só na semifinal, contra a Cruz Azul. Ainda foi um dos primeiros sul-americanos aproveitados pelo ascendente Villarreal da década passada, encerrando a carreira em 2002 no Submarino Amarillo. O atacante português Pizzi, do Atlético de Madrid, recebeu o apelido por ter sido na infância fã do atual técnico do Central.
Alguns outros a passarem pelas duas equipes, mas, como Sessa e Pizzi, sem destaque em uma ou em ambas, foram os goleiros Juan Carlos Ángel Delménico (o último jogador a ter passado por Newell’s e Central, em 1984), José María Buljubasich e Juan Marcelo Ojeda, os defensores Jorge Alberto García, José Tiburcio Serrizuela, Federico Guillermo Lussenhoff, Matías Emanuel Lequi e Leonardo José Talamonti, o lateral-direito Paulo Andrés Ferrari, o volante Gabriel Alejandro Loeschbor, os meias Omar Arnaldo Palma (possivelmente, o maior ídolo canalla), Eduardo Germán Coudet e Jesús David José Méndez e os atacantes Juan Carlos Heredia (outro, como Pizzi, a ter jogado pela Espanha) e Luciano Gabriel Figueroa Herrera (o mesmo do Emelec).
Excelente texto! Me lembrava do Labruna técnico do Central no histórico título canalla de 71 e do Kempes, e mais recentemente do Coudet que estava no River naquela semifinal da Libertadores de 2004 contra o Boca.
Parabéns a todos do “Futebol Portenho” pela matéria!!! Vocês me surpreendem cada vez mais com matérias ricas de informações!!!
Muito obrigado, caros! Modéstia nossa à parte, infelizmente o jogo acabou não estando à altura…
Grande abraco e sigam nos acompanhando!