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B Nacional: futebol-arte do Instituto de Córdoba pede passagem na mídia argentina

River e Boca Juniors lideram um grupo de cinco equipes tradicionais que historicamente simbolizam a força do futebol argentino. Dessa forma, é comum pensarmos que os grandes acontecimentos futebolísticos advenham do contexto desse grupo. Um fato novo, porém, chama a atenção no país e pouco a pouco se configura como mais um fenômeno do privilegiado futebol local: o Instituto Atlético Central Córdoba. E se tratamos o caso como “um fenômeno” é porque ele parte do dia-a-dia das pessoas: do boca-a-boca e da preocupação em saber quando podem semanalmente acompanhar um jogo da equipe. Colabora para essa ideia o fato de que a imprensa local ainda ignora a equipe de Córdoba, preferindo voltar sua cobertura para as crises que assolam a maioria dos grandes clubes locais. Vejamos um pouco do que se trata o assunto.

RG da equipe

No começo do século passado, a cidade de Córdoba respirava forte o progresso que penetrava o interior argentino. Empresas de infraestrutura se espalhavam pela região e recrutavam desde imigrantes aos descendentes distantes dos índios locais. Uma delas era a Ferrocailes de Córdoba. Como trabalhavam por muitas horas, seus funcionários tiveram a ideia de fundar um instituto de educação que desse cabo à lacuna educacional de seus filhos. Além disso, o local se prestaria ao lazer dessas crianças e também de seus pais, desde que esses gozassem das poucas horas vagas de que dispunham.

Quando se depararam com o momento da diversão, perceberam que precisavam eleger um esporte para isso. Tênis e hóquei sobre grama eram os esportes da elite cordobesa; um outro, o futebol, era já o esporte de todos. Clubes como Talleres e Belgrano já existiam, mas ficavam muito distantes do bairro de Alta Córdoba, cujo nome dimensiona bem o seu caráter periférico e, portanto, a sua distância dos principais acontecimentos da cidade (tanto é que eles não são considerados propriamente rivais do Instituto, e sim o Racing de Córdoba). Daí, surgiu o clube que hoje é conhecido como Instituto Atlético Central Córdoba.

Momento atual

“La Gloria”, como é conhecido, nunca foi um dos maiores clubes até mesmo do interior argentino, prestígio que cabe a Rosario Central, Newell’s, Talleres etc. Apesar disso, sempre foi um osso duro de roer, principalmente quando atuava como local. Então, vitimado por péssima administração de longa data, caiu em 1990 para a segunda divisão e não conseguiu evitar o efeito sanfona, pelo qual subia e descia de divisão regularmente. Em 2004/06, chegou novamente à B Nacional, a segunda divisão Argentina, onde está até hoje. Depois de quase fechar as portas, por dívidas gigantescas, alguns de seus dirigentes se encarregaram de colocar a casa em ordem. De lá para cá, “La Gloria” tem colhido bons frutos e já finca suas garras na taça que, na opinião comum, já estava reservada ao River: a do título de campeão da segunda divisão argentina.

Campanha atual

A segunda divisão argentina chega à 30ª rodada neste fim de semana. Dos 29 jogos que disputou, La Gloria tem 16 vitórias, 11 empates e apenas duas derrotas. Somou 59 pontos; tem o segundo melhor ataque com 47 gols, a melhor defesa com 17 e um seguno melhor saldo com 30. Além disso, tem um dos vice-artilheiros da competição com 17 gols, um a menos que Castillejos, do Rosário Central. Soma quatro pontos sobre o segundo colocado e pode ampliar essa diferença para sete no próximo sábado, quando encara justamente o River no Monumental de Núñez. Se esta partida é uma verdadeira final para o gigante argentino é apenas mais um jogo para o atual líder da B Nacional.

Uma filosofia dentro e fora de campo

Para ajeitar as coisas no clube, primeiro os dirigentes tiveram de lidar com a torcida do Instituto, uma das mais perigosas, exigentes e “chatinhas” do interior. Contudo, uma particularidade em especial é de chamar a atenção. A torcida costumava atuar contra sua própria equipe. E esse poder desestabilizador era acionado pelos xingamentos, vaias e cobranças ao elenco. Quando não tinha com quem brigar nas arquibancadas setores da torcida resolviam brigar entre si, no que resultava em espetáculo lamentável que, muitas vezes, ficava no lugar do espetáculo dentro de campo. Para se ter um ideia do problema, a equipe fechou a primeira etapa da temporada anterior em segundo lugar e terminou a temporada em décimo. Muitos torcedores não se davam conta de que o espetáculo dentro de campo se qualificava e merecia o seu apoio e incentivo. Em vez disso, perturbaram tanto o jovem elenco que a queda de rendimento foi só um detalhe da permanência na B Nacional.

Entre os detalhes da renovação estavam a colheita dos grandes investimentos nas divisões de base, a radicalização no aproveitamento da base e o fim das contratações extravagantes que só oneravam os cofres da instituição. Após o fracasso na campanha do acesso, os dirigentes concluíram que precisavam guerrear contra a mentalidade destrutiva de seus torcedores. Instaurou-se a mentalidade de que se procuraria um estilo de jogo adequado ao perfil jovial da equipe e de que ele se espalharia por todas as divisões da base, assim como faz o Barcelona.

O técnico Darío Franco foi eleito à condição de supervisor desse trabalho. A ele cabe a obrigação de verificar a aplicação e desenvolvimento da proposta nas inferiores do clube. Além disso, o treinador ganhou respaldo da direção nos seus confrontos com os torcedores. Confrontos que foram necessários, pois eles estavam a serviço de bloquear o acesso e influência total da torcida ao elenco.

Como mais um herdeiro e seguidor de Marcelo Bielsa, Franco elegeu uma espécie de futebol total, em que o toque de bola, a compactação em campo e o constante jogo ofensivo seriam a prioridade absoluta. Porém, para que o estilo resultasse em sucesso, era preciso que a mentalidade do resultado fosse alterada pela do belo futebol. Naturalmente que não há inocência nisto: uma vez que este futebol-arte aparecesse o resultado positivo seria uma consequência natural, como aconteceu.

Recentemente perguntado sobre o iminente acesso à elite argentina, Franco se irritou e disse que essa não é a prioridade e que está pouco preocupado com o fato.

E como joga o Instituto?

A primeira preocupação é a de manter o estilo ofensivo do começo ao fim. Então, se a equipe estiver vencendo por 3×0 esqueça aquela história do técnico sacar um atacante em prol de um zagueiro ou de volante de contenção. Na mesma situação, não será surpresa se depararmos com Franco à beira do campo incentivando a compactação, a opção pelo passe curto e a presença de mais de um jogador para receber a pelota. “Dê opção, dê opção”, grita o técnico. Disto, resulta que é comum aos jogadores que recebam a bola de frente para a jogada e com as costas pressionadas pelos zagueiros. Ao ser acionado, esse jogador terá duas ou três opções de passe a sua frente. Convém que solte logo a bola, pois a equipe é muito rápida e o deslocamento de outros atletas em geral ocorre pelos dois lados do campo, e ao mesmo tempo.

Os jogadores seguem à risca a determinação de Franco de que devem sair jogando com a bola no chão, rodando-a pelo campo no sentido o mais vertical possível. “Este risco estou disposto a correr” respondeu o treinador, no início da competição, perguntado sobre a postura da defesa. Para facilitar o trabalho dos zagueiros, os jogadores giram por todo o campo e se deparam com a pelota ainda no campo de defesa. Os treinamentos enfocam diariamente essa atitude coletiva e deixam claro que a coletividade trabalha para a individualidade e, por isso, há de ser a preocupação primeira da garotada.

A partir disso, qualquer esquema tático ganha relevância justamente por ser menos importante do que a própria filosofia de jogo. No início da temporada, o Instituto atuava no 4-3-3 e raramente o esquema se modificava para um 3-4-1-2, quando o ótimo López Macri atuava como enganche, ou para o 4-4-2, com Fileppi fazendo a ligação e isolando Dybala na frente. Hoje, o 3-4-3 é o esquema prioritário e sequer López Macri e Fileppi são titulares na equipe. Nenhum clube na Argentina possui o banco de reservas com a mesma qualificação de La Glória. Em grande fase técnica, Fileppi virou banco porque era um meia de origem e havia sido colocado no ataque por sua capacidade de articulação com os dois outros atacantes e pelo seu bom arremate. Como outros atletas do setor pediram passagem, extinguiu-se a necessidade do improviso de Claudio Fileppi.

A pressão para que o ataque funcione é severa, pois na reserva estão Eduardo Lagos, Javier Correa, Martín Fernández, o próprio Fileppi e outros. Qualquer um deles poderia estar no ataque de algum clube da elite argentina. Um deles era Pablo Burzio. O jogador disputava com Dybala o posto de a grande revelação de La Gloria. Então, foi pego no antidoping e afastado por quatro meses, por uso de maconha. Quando Burzio ameaçava a condição de Dybala, apareceu Correa para ameaçar a sua condição de revelação. De comum todos os três têm a mesma idade, 18 anos.

Para municiar jogadores deste calibre estão não somente meio-campistas, como os habilidosos Coronel, Encina e Videla, mas também zagueiros, como Damiani e Barsottini.

Paulo Dybala, o resumo da safra

O destaque atual é o jovem Paulo Dybala de 18 anos e com personalidade de veterano. O atacante é bom no cabeceio, arranque, velocidade, drible e no deslocamento dentro da área. Joga com a cabeça levantada e tem a frieza de poucos na hora de dar o passe ou de definir as jogadas. Cai bem pelos dois lados do campo e possui a rara sensibilidade de perceber onde a pelota vai encontra-lo na área. Já atou como enganche pela indiscutível condição de distribuir o jogo da equipe. Usa tanto pé esquerdo quanto o direito para driblar e arrematar. O que dificulta muito as coisas para o goleiro, pois é comum o jogador trocar o pé na hora de colocar a bola nas redes. Além disso, chuta forte, colocado, à meia-altura, de dentro da área e de fora. É o vice-artilheiro da competição com 17 gols. Guardadas às devidas proporções, lembra Agüero, no deslocamento para receber a bola, e o “baixinho” Romário, na hora de matar a jogada. Uma das grandes revelações do futebol argentino.

Evolução na competição

Difícil falar de defeitos de uma equipe que tem a performance do Instituto. Vejamos então no que a equipe evoluiu nas lacunas apresentadas no início da temporada.

Se uma das vantagens da equipe era o cabeceio de seus zagueiros para fazer o gol, curiosamente eles falhavam no bloqueio das mesmas jogadas na defesa. Resquícios disso são pouco encontrados hoje, mas estiveram presentes na derrota para o Patronato, a seis rodadas atrás. Caso um rival queira testar essa evolução, convém que jogue pelos flancos do campo e levante a bola para a área. Daí talvez saia alguma coisa. Porém, os números da melhor defesa da B Nacional colocam em dúvida a possibilidade de eficiência desta proposta.

Outra falha corrigida na equipe tem a ver com a posse de bola. Os jogadores ficavam muito tempo com a pelota, mas, quando a perdiam, manifestavam dificuldades para recuperá-la quando o passe adversário saía rápido e com eficiência. Nessas situações, os atacantes costumavam correr atrás da pelota e não dos jogadores rivais. Além disso, o elenco costumava manifestar uma paradoxal desatenção no início e fim do primeiro, e também no início do segundo tempo. O que permitia a um treinador atento que seu time pressionasse La Gloria nesses momentos.

No entanto, a grande evolução do conjunto de Alta Córdoba é a capacidade de esperar pelo momento certo de fazer o gol. Antes, bastava demorar para o gol sair para que o time ficasse instável e amedrontado em relação à pressão de sua torcida. O último duelo contra o Atlanta sepultou de vez essa realidade. A equipe anotou o gol da vitória somente aos 44 minutos do segundo tempo. Cansados de xingar e vaiar o elenco em campo, a torcida resolveu apoiar durante os noventa minutos, o que foi muito importante para a agônica vitória do líder.

O melhor futebol premiado com uma grande audiência

Riquelme foi um dos primeiros que afirmou que o Instituto é quem melhor joga futebol atualmente na Argentina. Na mesma linha, aparecem o jornalista Alejandro Fabbri, da Tyc Sports, um dos principais canais esportivos do país, e o próprio técnico do River, Matías Almeyda, que, no entanto, preferiu limitar a grandeza de La Gloria ao contexto da segunda divisão.

Para Fabbri, o público, exausto “do mesmo futebol de sempre”, cansativo e limitado tecnicamente, cobra e espera ansioso pelas transmissões dos jogos do líder da B Nacional. “As pessoas já agendam as partidas da equipe para vê-la quando seus jogos passam na TV. Em época de equipes e técnicos mesquinhos, medrosos e especuladores, o Instituto é um enorme sopro de ar fresco”, disse o jornalista da emissora responsável pelas transmissões esportivas de todas as divisões do futebol argentino, com exceção da primeira.

Segundo o jornalista, a audiência aumenta espantosamente dia a dia. E o que é mais curioso, principalmente em Buenos Aires e arredores da Capital Federal, onde em tese, os grandes do país possuem mais torcedores. Apesar disso, a imprensa local ainda não oferece ao Instituto de Córdoba a atenção merecida e proporcional ao encantamento que ele produz nas pessoas.

Joza Novalis

Mestre em Teoria Literária e Lit. Comparada na USP. Formado em Educação e Letras pela USP, é jornalista por opção e divide o tempo vendo futebol em geral e estudando o esporte bretão, especialmente o da Argentina. Entende futebol como um fenômeno popular e das torcidas. Já colaborou com diversos veículos esportivos.

9 thoughts on “B Nacional: futebol-arte do Instituto de Córdoba pede passagem na mídia argentina

  • Lucas de Castro Oliveira

    Vai perder feio para o River no domingo. Pode ser o que for mas o grande mesmo da B Nacional é o River.

  • Adriana

    O que o texto tem a ver com essa declaração desse bobinho aí de cima? Se você leu o texto amigo deveria respeitar um pouco mais o time do instituto. Seu time sofre para ser o segundo colocado, não para tomar o primeiro lugar do instituto. Tá bom para você?

  • Gustavo do Nascimento

    Iria apenas assistir Barça vs Real, mas devido a este ótimo post irei assistir o jogo! parabéns pelo texto!

  • Douglas

    Concordo com a Adriana, o time do Instituto não tem as estrelas do River, porém tem muito mais organização tática e futebol fluente, é um bom time esse do Instituto, e pra mim é o favorito no confronto

  • surpriendente a campanha do instituto! e esse jovem artilheiro do time! pode confirmar q é uma revelaçao quando disputar a primeira divisao! só espero q eles nao sejam como o sao caetano aqui!

  • Willian Alves de Almeida

    Pra variar, mestre Joza detonou.

  • severo arruda

    Fantástico esse texto, assim como o time tão bem detalhado. Altamente profissional o trabalho de vocês. Procurei referências nos portais argentinos e não tem nada como essa matéria aqui. Grande abraço.

  • Lucas de Castro Oliveira

    Quero só ver depois do jogo. O time pode até ser bom, mas ainda não pode ser comparado com um time que quem Cavenaghi, Ponzio, Dominguez e Trezeguet. Realmente não dá para comparar.

  • é! river ganhou apertado hein!

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