O clube dos armênios na Argentina
Na data em que se comemoram os 25 anos do título do Club Deportivo Armenio na segunda divisão, o Futebol Portenho lança este especial sobre a equipe de Ingeniero Maschwitz, cidadezinha do extremo norte da Grande Buenos Aires.
Buenos Aires, já uma metrópole, tornou-se também uma cidade bem cosmopolita ao fim do século XIX. Os imigrantes mais expressivos foram os italianos, que não por acaso estiveram por trás de um número alto de times: Boca Juniors (cujo apelido de xeneizes deriva de “genoveses”, numerosos no bairro de La Boca, em dialeto lígure), River Plate (que, também fundado em La Boca, pegou as cores branca e vermelha da bandeira de Gênova), Vélez Sarsfield (que, além dos uniformes azzurri, possui um outro nas três cores da bandeira da Itália, lembrando as vestes do Fluminense) e o autoexplicativo Sportivo Italiano foram alguns.
Espanhóis também aportaram em larga escala, abraçando o San Lorenzo quando este assinou nos anos 30 com jogadores da Espanha que fugiam da Guerra Civil de lá e também fundando o Hispano Argentino (que daria origem ao Almagro), o Centro Español e o Deportivo Español (curiosamente, há 20 anos vizinho sanlorencista no bairro de Flores). Outros imigrantes numerosos, os judeus (a Argentina tem a sexta maior comunidade israelita no mundo), ficaram ligados ao Atlanta, do mesmo bairro portenho marcado por ter mais agrupado a população judaica na capital federal, o de Villa Crespo.
Bem antes, os criadores do futebol já haviam fundado diversos clubes na Grande Buenos Aires, embora as mais importantes equipes dos britânicos, as pioneiras do esporte no lado ocidental do Rio da Prata, tenham migrado para o rúgbi. Na Capital Federal e seus entornos, o Quilmes (de cores branca e azul-marinha como as das seleções inglesa e escocesa e o mais velho time de futebol ainda em atividade na América) e o Ferro Carril Oeste (que utilizava a roupa do Aston Villa antes de tornar-se alviverde), embora também tenham experimentado a bola oval, ficaram na “resistência”.
A maior parte de tais clubes foi criada na primeira década do século XX, na mesma época da chegada dos primeiros armênios à Argentina – que, por sinal, foi um dos países a ter reconhecido a independência que a Armênia viveu brevemente entre 1918 e 1920 e, atualmente, reconhecedor também do genocídio imposto pelos turcos ali nos anos 10.
Embora desde cedo estes imigrantes tenham criado entidades comunitárias para si, a ideia de um clube de futebol representando tal colônia só seria posta em prática bem mais tarde, na onda de clubes explicitamente ligados a diferentes comunidades: os referidos Sportivo Italiano e Deportivo Español, por exemplo, foram fundados respectivamente em 1955 e 1956 (e inclusive desenvolveram um clássico entre si); em 1961, paraguaios criaram o Deportivo Paraguayo. Foi então que, em 2 de novembro de 1962, surgiu o Club Armenio de Fútbol.
Ele, inicialmente, não usava no uniforme, nem no distintivo, o vermelho, azul e damasco, cores que só representariam definitivamente a Armênia após a independência dela da União Soviética. Com isso, o Tricolor usava originalmente os neutros branco, verde e negro, inclusive para demonstrar que não seria uma equipe restrita à colônia. A essência das origens ficou simbolizada no primeiro escudo, incluso no atual, pela letra inicial da própria palavra “essência” em armênio, letra esta (“է”) que lembra a imagem de uma cruz (os armênios foram a primeira nação a adotar o cristianismo, inclusive com um bairro em seu nome sendo um dos quatro da Cidade Velha em Jerusalém); e pelo desenho das Montanhas de Ararat, ícone maior do país e onde a Arca de Noé teria parado após o dilúvio.
O nome atual foi adotado em 1968 e, dois anos depois, ocorreu a afiliação à Associação do Futebol Argentino. A ascensão nas divisões inferiores foi rápida: o clube foi campeão da quarta já em 1972 (sob o comando técnico do lendário ex-goleiro Amadeo Carrizo) e da terceira em 1976. Um ano depois, chegou perto de obter o acesso à primeira, ficando na terceira colocação e seis pontos atrás do campeão Estudiantes de Buenos Aires.
Depois daquele início promissor, porém, houve uma estagnação. Posições medianas ou realmente ruins se acumularam, com o time chegando a cair em 1984, mas logo voltando como vice-campeão da terceirona de 1985. A segunda divisão de 1986, com o Armenio de volta, só seria encerrada no ano seguinte: a AFA resolveu instituir um calendário europeu para os campeonatos argentinos, com eles iniciando no segundo semestre para acabarem no primeiro do ano posterior – é por essa razão que, hoje, o torneio Clausura é disputado na primeira metade do ano e o Apertura, na segunda; desde 1991 sendo torneios separados, antes eram os turnos do campeonato anual único.
Para a adaptação, um torneio preliminar foi disputado no primeiro semestre de 1986, com os clubes sendo divididos em dois grupos cujos quatro primeiros colocados de cada estariam na Primera B Nacional da temporada 1986-87, certame a ser completado por equipes campeãs provinciais e pelos rebaixados da primeira divisão de 1985. Os desclassificados nessa fase inicial teriam que se conformar com a Primera B Metropolitana, a terceira divisão.
Na disputa preliminar, o Armenio conseguiu a terceira colocação de seu grupo, com nove vitórias, quatro empates e cinco derrotas. O plantel do Deportivo era praticamente o mesmo que subira no ano anterior e tinha o objetivo original de tão-somente manter-se na segundona. Tal pretensão e o retrospecto inicialmente embolado em nada lembrariam ao da temporada que se iniciou em 19 de julho de 1986, com times de mais prestígio na concorrência – Banfield, Tigre, Lanús, Colón, Chacarita Juniors, Huracán (pela primeira vez ali desde o seu primeiro acesso, em 1913)…
Os tricolores perderam apenas duas vezes em 42 jogos, ambas na casa adversária e antes da décima rodada, para o Gimnasia y Esgrima de Jujuy e o Belgrano de Córdoba. Foram 34 jogos de invencibilidade depois disso, ainda um recorde nas divisões inferiores. Os demais resultados dividiram-se em dezoito empates e 22 vitórias.
O detalhe é que todas essas partidas ocorreram longe de Ingeniero Maschwitz, uma vez que o clube sequer tinha estádio próprio, utilizando normalmente o do Ferro Carril Oeste, no centro da capital, para mandar seus jogos. O do título, por sua vez, ocorreu na cancha do Platense. Foi um 1 a 0 na antepenúltima rodada justamente sobre o perseguidor mais próximo, o Banfield, que mais tarde confirmaria o vice-campeonato nos play-offs que posteriormente envolveriam do segundo ao nono colocado pela outra vaga na primeira divisão.
Naquele 14 de abril de 1987 em Vicente López, a comunidade armênia do técnico (e ex-goleiro do time) Alberto Parsechián e do líbero e capitão Miguel Gardarián foi representada também pelo goleiro Jorge Sarmiento, pelos irmãos José e Luis Villarreal nas laterais, o quarto zagueiro Carlos Argüeso, os volantes Jorge Godoy e José Úbeda, os meias Olegario Alderete e Ramón Gallardo e a dupla ofensiva formada por Silvano Maciel e Maximiliano Cincunegui. Também entraram em campo os volantes Miguel Oviedo e Pedro Vega, que substituiriam respectivamente Maciel e Godoy no decorrer da tarde.
O único gol do jogo foi marcado aos 22 minutos do segundo tempo, por Cincunegui. Ele chegara ainda em 1986 e sagrou-se artilheiro do elenco tanto na fase preliminar (9 tentos) quanto na temporada propriamente dita (22), sendo o autor de aproximadamente um terço das comemorações do campeão (haviam sido 29 na preliminar e 69 no campeonato). Após o título e o acesso, o Armenio conseguiu sobreviver dois anos na elite. E quem mais soube ter breve destaque foi Silvano Maciel, que fez história por dois motivos.
Primeiramente, em 11 de setembro de 1988, Maciel marcou o gol da vitória de 1 a 0 sobre o Boca Juniors em plena La Bombonera. Por conta do erro infantil que custou o resultado, o quarentão goleiro boquense Hugo Gatti (que avançou ao limite da grande área para cortar um lançamento, não conseguiu e deixou a bola e as redes livres para Maciel) seria sacado do time para não mais retornar depois de doze anos no clube. Válida ainda pela primeira rodada do campeonato de 1988-89, a partida que rendeu os 15 minutos de fama de Maciel acabou sendo a última partida profissional dos mais de vinte anos de carreira de El Loco Gatti, cujo lugar entre os arcos auriazuis passou a ser de outra lenda bostera na posição, o colombiano recém-chegado Carlos Navarro Montoya.
Perto do fim daquela temporada, em uma semana de abril de 1989, La Fiera Maciel jogou duas vezes pela Argentina. Totalizou cerca de meia hora pela seleção ao ser usado por Carlos Bilardo em um amistoso contra o Equador, em Guayaquil (2 a 2 no dia 13), e em outro contra o Chile, em Santiago (1 a 1 no dia 20). Falecido precocemente em 2008, ainda aos 42 anos, por um ataque cardíaco, ele ainda é o único jogador a ter atuado pela Albiceleste vindo do Deportivo, e também um dos poucos que passaram por todas as divisões do futebol argentino.
Aquele resultado histórico frente ao Boca, porém, seria uma entre as parcas cinco vitórias que o Armenio colecionou na temporada 1988-89. Após uma 13ª colocação no campeonato anterior, ficou em penúltimo lugar na tabela de classificação e em último na de promedios. Além daquele jogo contra o Boca, teve outros confrontos dignos de lembrança contra alguns grandes. Ainda na temporada 1987-88, chegou a vencer por 3 a 2 o River Plate no Monumental de Núñez após derrota parcial de 0 a 2, com Raúl Wensel marcando os três tentos da virada.
Já contra a dupla de Avellaneda, o Tricolor empatou três dos quatro jogos que disputou contra o Racing, com igualdades adquiridas por gols de falta do atacante Walter Oudoukián, outro de sangue armênio; contra o Independiente, por sua vez, uma derrota de virada por 1 a 2 decretou por antecipação o título argentino de 1988-89 para o Rojo, a última taça de Ricardo Bochini, ídolo maior do oponente.
Após a queda, a decadência veio rápida. Logo em seu retorno à segunda divisão, o clube terminou em último no campeonato de 1989-90 e desde então jamais retornou sequer a ela, mantendo-se até hoje na Primera B Metropolitana. Nos anos 90, o elo mais próximo da comunidade com o futebol de alto nível na Argentina foi um empresário, Eduardo Eurnekian, cujo grupo financiou a contratação de Maradona pelo Boca Juniors junto ao Racing (onde El Pibe, então suspenso do futebol por conta do doping na Copa de 1994, era técnico) em 1995 em troca dos direitos televisivos de treze partidas da equipe da Ribeira com Dieguito.
Nos anos 2000, o Deportivo Armenio teve mais sucesso, de certa forma, na terra das origens: Noray Nakis, ainda hoje presidente da instituição, cedeu em 2001 o técnico Óscar López, o auxiliar Rubén Flota, o preparador físico Rubén Brítez e os jogadores José Bilibio, Miguel Cisterna e Fernando Zagharian para o Pyunik Yerevan, clube da capital armênia.
O auxílio deu tão certo (para os padrões locais) que o Pyunik foi seguidamente decacampeão nacional dali até 2010 (sendo disparadamente o maior vencedor de lá), colocando López como técnico da própria seleção dos caucasianos entre 2002 e 2003 e fazendo Bilibio naturalizar-se e jogar por ela no mesmo período. Mas quem melhor representou na década os armeno-argentinos nos esportes, mesmo, o fez com raquetes e longe do Estádio República de Armenia: o tenista David Nalbandian.
No momento, o Deportivo Armenio encontra-se na décima colocação da B Metropolitana de 2011-12, na luta por uma vaga no chamado Torneo Reducido da mesma (repescagens que envolvem do segundo ao nono colocado pela vaga indireta à segunda divisão), a dois dias de seu próximo compromisso, contra o Brown de Adrogué (quarto colocado). O único jogador da colônia no elenco atual é Martín Gardarián, filho de Miguel – que não só fora o capitão do título de exatos 25 anos atrás como é também o recordista de jogos pelo clube: foram 260 entre 1977 e 1990.
Atualização em 24-04-2015: há cem anos o genocídio armênio iniciava-se oficialmente. O Deportivo, que segue na B Metropolitana, alterou sua segunda camisa para a ocasião, trocando o alviverde pelo negro do luto – confira aqui.
Atualização em 26-12-2016: nos 25 anos do fim da União Soviética, relembramos os principais nomes do futebol argentino oriundos do antigo país, com tópico à parte sobre os de origem armênia – confira aqui.
Atualização em 05-08-2018: nos dez anos do falecimento de Silvano Maciel, dedicamos um Especial à sua carreira – confira aqui.
Atualização em 08-10-2021: nessa data, Lucas Zelarayán estreou nessa data pela seleção armênia, em 1-1 contra a Islândia pelas eliminatórias à Copa do Mundo. Embora o fenótipo denote miscigenação ameríndia, tornou-se o primeiro argentino da colônia aproveitado pela Armênia.
URGENTE:
Esto y un llamamiento circulado en la web el 1 de agosto. ¿Puedo seguir adelante con la apelación de este joven y verdadero. He estado en contacto con la familia con el fin de colaborar en la promoción de este triste acontecimiento para recaudar fondos para el tratamiento se puede hacer en Israel porque es más barato a costa de Europa, mucho más caro. Por favor, coopere y dar a conocer este drama social de los Armenios. En el Youtube película son los detalles de este joven de 20 que quieran vivir la vida sabiendo que esta colgando de un hilo si no se hace nada.
Gracias
F Espinha
http://www.youtube.com/watch?v=hfhSaLwsj6k&feature=share
Muito legal a matéria. E todas as outras deste cunho sempre serão bem vindas, pois todos os clubes(fora os empresa como o caso do Barueri) mesmo que não sejam gigantes como Boca, Gremio, São Paulo, River e etc, têm as suas peculiaridades, sua história e seus apaixonados como os do Almagro que cuidam do Estádio, e para o torcedor destas equipes não há outro sentimento senão ao seu time de coração…
E a Argentina, especificamente Buenos Aires têm várias equipes destas em cada Bairro, com uma torcida que tem convicção de que não importa a divisão, pois futebol é muito mais do que isto…
Por exemplo, respeito muito mais um torcedor do Juventus ou da gloriosa Lusa, que mesmo morando em um Estado que tem 4 gigantes, preferi ir a Rua Javari suar e sofrer do que ser como os demais torcendo para os times de vida mais fácil….
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