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87 anos do gol olímpico

No dia 2 de outubro de 1924 houve um confronto histórico entre as seleções nacionais de Argentina e Uruguai. Menos pela vitória argentina sobre a celeste olímpica ou mesmo pelos tumultos que ocorreram em campo. Naquela partida nasceria o gol olímpico, graças à façanha de Cesáreo Onzari, ponteiro esquerdo do Huracán.

A história começa com o título da seleção uruguaia nas Olimpíadas daquele ano. Certos de que eram mais fortes que os vizinhos do outro lado do Rio da Prata, os argentinos desafiaram os orientais para dois confrontos. No primeiro, disputado em Montevidéu a 21 de setembro, o placar foi 1 a 1. O segundo, marcado para o estádio do Sportivo Barracas mal começou e foi suspenso. A cancha, que comportava 40 mil espectadores, tinha de 50 a 60 mil, segundo estimativas dos jornais da época. Havia torcedores à beira da linha lateral, ocorreram incidentes que causaram feridos, e o árbitro suspendeu o jogo logo aos 4 minutos.

A partida foi remarcada para o dia 2 de outubro, com várias medidas para impedir os fatos ocorridos na semana anterior. Foram erguidos alambrados à beira do campo, e se venderam menos entradas a preços mais altos. Com “apenas” 30 mil espectadores, a partida transcorreu normalmente. E logo aos 15 minutos ocorreu o lance que imortalizaria aquela partida.

Cesário Onzari era um insinuante ponteiro-esquerdo do Huracán, clube pelo qual jogou entre 1921 e 1933, conquistando quatro títulos nacionais. Reforçou o Boca na célebre excursão européia do clube em 1925. Tinha apenas 23 anos naquele dia que o colocou na história. Aos 15 minutos cobrou um escanteio e a bola entrou diretamente no gol uruguaio. O árbitro validou o gol, que era uma novidade. Afinal, tradicionalmente o escanteio era entendido como tiro livre indireto, algo que havia sido alterado apenas em junho de 1924 pela Internacional Board. O gol de Onzari foi o primeiro a ocorrer em uma partida importante depois da mudança na regra. E por ter sido marcado sobre a Celeste campeã olímpica, recebeu o nome pelo qual o conhecemos ainda hoje.

Onzari nunca escondeu que o gol não foi intencional. Muitos anos depois diria que “aconteceu porque tinha de acontecer. Talvez o goleiro tenha acordado com o pé esquerdo naquele dia, pois nunca mais voltei a marcar outro gol assim. Pode ser que, pressionado por Gabino Sosa e Ernesto Celli, ele tenha perdido a estabilidade. Mas o certo é que quando vi a bola dentro do gol não pude acreditar”.

O feito impressionante de Onzari não impediu a partida de prosseguir muito disputada. Ainda no primeiro tempo o artilheiro Pedro Cea empatou para o Uruguai, e no início do segundo tempo Tarasconi deu a vitória à Argentina. A partida não chegou a terminar, pois os uruguaios se retiraram a quatro minutos do fim, reclamando dos torcedores argentinos, que atiravam pedras e garrafas nos jogadores da Celeste. O grande craque Hector Scarone chegou a trocar pontapés com um policial, indo parar na delegacia. Por seu lado, os jogadores argentinos reclamavam da violência dos rivais, responsabilizando-os pela dupla fratura (tíbia e perônio) sofrida por Adolfo Celli naquele dia.

Foi um típico clássico rioplatense dos anos 1920, uma mistura de valores ainda ligados ao início do esporte com um profissionalismo que se avizinhava, trazendo uma nova ética em que um esporte visto como cavalheiresco se tornava uma paixão de massas. Mas o gol do ponteiro argentino fez com que jamais fosse esquecido aquele confronto entre as duas grandes seleções do hemisfério sul (e talvez do planeta) naquele tempo.

NOTA EXPLICATIVA: Em vários lugares se afirma que houve um gol diretamente marcado de escanteio antes daquele de Onzari. O gol teria ocorrido no dia 21 de agosto daquele ano, marcado por Billy Alston, do St. Bernard’s, em uma partida contra o Albion Rovers, pela segunda divisão escocesa. A fonte da informação é o livro Guinness-Soccer Firsts, de John Robinson. No entanto, o jornalista Francisco Fernandez, da rádio 810 de Montevidéu, me enviou por e-mail um texto escrito pelo pesquisador uruguaio Jorge Gallego comprovando que o autor do livro em questão transmitiu uma informação errônea, e que todos os relatos contemporâneos ao gol de Alston afirmam que o mesmo foi marcado de cabeça, depois de uma cobrança de escanteio, daí a confusão. A foto abaixo mostra, portanto, aquele que provavelmente tenha sido o primeiro gol marcado diretamente da cobrança de escanteio e validado pelo árbitro em toda a história do futebol

Tiago de Melo Gomes

Tiago de Melo Gomes é bacharel, mestre e doutor em história pela Unicamp. Professor de História Contemporânea na UFRPE. Autor de diversos trabalhos na área de história da cultura, escreve no blog 171nalata e colunista do site Futebol Coletivo.

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