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25 anos do Bi-Mundial – Maradona derrota a Inglaterra

Das 24 seleções que iniciaram o Mundial de 1986 no México apenas oito permaneciam na competição, e naquele momento o panorama já estava se estabelecendo. Não havia espaço para azarões, oportunistas, nem sortudos. Eram as quartas-de-final e os jogos seriam disputados e aproveitados até seu último minuto.

Uma prova disso foi que dos quatro jogos disputados nesta fase, três foram para a disputa de pênaltis e apenas a Argentina passou pela Inglaterra sem precisar se cansar mais do que o suficiente, no calor exaustivo do México. Com partidas disputadas ao meio-dia e às quatro horas da tarde, com o sol que parecia convidado de honra, os jogadores atuavam em condições que beiravam o limite de suas preparações.

Em 21 de junho de 1986 a história da conquista argentina começava a ser contada com o início da fase de quartas, onde Brasil e França e México e Alemanha fariam os jogos iniciais. Nas duas partidas o tempo normal e a prorrogação não foram suficientes e as vagas foram decididas nos pênaltis. Os resultados fizeram com que os brasileiros e os donos da casa ficassem pelo caminho, e com isso a semi-final teria no mínimo três europeus garantidos, uma vez que no dia 22 de junho seria a vez de Argentina e Inglaterra ao meio-dia e às quatro da tarde Bélgica e Espanha disputarem as vagas restantes.

A história além da partida

Para entender melhor o que estava em disputa na partida entre Argentina e Inglaterra no ano de 1986, é necessário reviver um conflito político que antecedeu este encontro, voltando ao ano de 1833. No dia 2 de janeiro, as Ilhas Malvinas – um arquipélago de 12.173 km² situado no Atlântico Sul formado por duas ilhas principais e aproximadamente outras 700 ilhas menores – foram tomadas à força por uma fragata comandada pelo capitão John James Onslow a serviço do Império Britânico. À época, as ilhas eram parte do território argentino.

Exatos 149 anos e três meses depois, em 1982, mais precisamente em 2 de abril, o governo argentino comandado por uma decadente ditadura militar reivindicava para si de maneira justa porém desordenada e equivocada os arquipélagos que fizeram parte de seu território. A Guerra das Malvinas duraria até 20 de junho do mesmo ano, deixando 907 mortos entre ingleses e argentinos. A consequente derrota na guerra provocou a queda da ditadura militar instalada desde 1976 na Argentina, restaurando-se assim a democracia no país.

Apesar do fim da guerra, o clima entre os dois países nunca mais foi, por assim dizer, o mais amistoso.  A questão política dura até os dias de hoje e em 1986, com as duas nações a poucas horas de se enfrentar, a chance de levar a rivalidade extracampo para as quatro linhas aconteceu.

Minutos antes do início da partida vários relatos de confrontos entre os torcedores chegavam e apenas deixavam o clima mais tenso, o que poderia refletir-se no gramado. Em alguns vídeos é possível ver torcedores trocando insultos e até mesmo partindo para a agressão. Diz a história que os barrabravas conduzidos por “El Abuelo” chefe de “La 12 Boquense”, torcida organizada do Boca, haviam se unido aos barras de Chacarita e Estudiantes, um grupo de exilados políticos provenientes do peronismo e inúmeros escoceses, desafetos históricos dos ingleses. Todos eles entraram em conflito contra os famosos “Hooligans” ingleses, conhecidos por sua selvageria. Os barras queimaram bandeiras inglesas e bateram em todos os ingleses que encontravam pela frente. Faixas com os dizeres “Las Malvinas Son Argentinas” eram vistas por todas as partes e em quase todos os jogos.

Nos periódicos locais a partida era dada como a versão futebolística da Guerra das Malvinas. A torcida bradava gritos como “Vamos matar os ingleses”. Porém Diego Maradona colocou panos quentes nos ânimos e declarou a alguns jornalistas britânicos: “A Argentina veio para jogar e não para matar ninguém. Acredito que em nosso país e no de vocês existem pessoas que são dedicadas a política e assim estão para resolver estes problemas, não vejo ninguém melhor que eles para isso” e ainda acrescentou: “Nós somos profissionais do futebol e buscamos a vitória. Por isso me desanima que insistam tanto em perguntas que não têm nada a ver com este esporte”.

A partida além da história

A Argentina entrou campo invicta na competição e vinha de uma vitória apertada por 1 a 0 nas oitavas-de-final contra o Uruguai. Carlos Bilardo optava por uma formação com dois zagueiros, dois laterais, cinco volantes que subiam ao ataque mas auxiliavam a marcação no meio de campo e um atacante fixo. Daniel Passarella, com uma infecção estomacal detectada pelo médico Raúl Madero, ficaria de fora inclusive do banco. O astro era o meia atacante canhoto Diego Armando Maradona, que até então tinha sido apenas um excelente jogador no Mundial.

Pelo lado inglês, um esquema montado no 4-4-2. A equipe comandada pelo inglês Bobby Robson fazia uma campanha apenas razoável, com duas vitórias, um empate e uma derrota. Os desfalques certos seriam Bryan Robson, lesionado, e Ray Wilkins, que cumpria suspensão. Além do lendário arqueiro Peter Shilton, Gary Lineker era a outra estrela da companhia, tendo marcado dois gols na última partida, quando os ingleses eliminaram o Paraguai vencendo por 3 a 0.

O pontapé inicial foi dado pela equipe inglesa, com o sol a pino na Cidade do México em um estádio Azteca abarrotado, com aproximadamente 115 mil pessoas. O gramado visivelmente falho, seco e alto dificultava o controle da bola, mas mesmo assim a Argentina buscava tocar de maneira rápida e precisa, com passes curtos e sempre que tinha oportunidades buscava o ataque.

Os primeiros minutos foram um pouco nervosos e uma troca de passes que começou no setor intermediário da zaga da Albiceleste mostrou a superioridade daquela seleção que tinha jogadores como Burruchaga. O atacante que jogava pelo Nantes francês limpou a jogada, se livrou de dois marcadores ingleses, e entrou tabelando com Cuciuffo. O zagueiro encontrou Valdano e este serviu Maradona. O “Diez” partiu para cima do time inglês, que logo o parou com falta, cobrada pelo próprio Maradona. A bola explodiu na barreira e desviou obrigando Shilton a espalmar para escanteio.

Maradona e Burruchaga se movimentavam pelos dois lados do campo e buscavam as jogadas para poder levar a Argentina ao ataque. Além disso, compunham o meio campo inteligente da equipe de Bilardo. A defesa argentina errava pouco e tinha consciência ao sair com a bola, dando passes precisos quando tinha oportunidade e chutões quando necessário.

A única jogada mais perigosa da Inglaterra no inicio da partida foi um escorregão do arqueiro Pumpido aos 12 minutos, em uma bola lançada do meio campo. O atacante Beardsley não aproveitou a má sorte do arqueiro e chutou para fora. A maior dificuldade inglesa era a armação de jogadas, pois a forte marcação exercida já no meio campo pelos argentinos fazia com que, ao recuperar a posse de bola, a saída fosse rápida em direção ao ataque.

Graças ao calor as equipes frearam o ritmo inicial e a partida ficou morna, porém com visível domínio de bola por parte da Albiceleste, que tocava a bola de pé em pé na intermediaria inglesa. Maradona, em uma sequência de jogadas por volta dos 30 minutos, deu um toque de calcanhar para Valdano cruzar para área e obrigar a saída do gol de Shilton. Dois minutos depois, em uma arrancada do meio campo Diego deixou para trás três marcadores e foi derrubado próximo à meia-lua. Uma ótima oportunidade de bola parada que Maradona cobrou com precisão. A bola tirou tinta da forquilha esquerda.

Aqui vale lembrar que por volta dos 36 minutos do primeiro tempo o “Pibe de Oro” deu mais uma arrancada do meio do campo levando toda a marcação inglesa. Era um prenúncio do que viria a ser o gol mais bonito já marcado em uma Copa, segundo eleição feita pela FIFA em 2002. O primeiro tempo chegava ao seu final e o segundo traria os dois gols mais lembrados de Diego com a camisa da Argentina em Mundiais.

O início da etapa complementar trouxe a Inglaterra tentando sair para o ataque com um futebol um pouco mais agressivo, mais pegado. Com isso a partida ficou mais aberta e melhor para a Argentina, que soube aproveitar de forma mais positiva as oportunidades. Logo aos 6 minutos, após boa arrancada de Maradona pela esquerda do ataque argentino, houve uma tentativa de tabela com Valdano. O zagueiro Steve Hodge tentou cortar a bola que espirrou, Diego se antecipou a Shilton e subiu para cabecear, fazendo o famoso gol com a mão. O juiz não viu, o bandeira vermelha correu para o centro e entrava assim para a história o gol de “La Mano de Dios”. O gol que mudou a partida.

Nervosa, a Inglaterra buscou descontar logo em seguida, mas mais uma vez encontrou uma defesa argentina bem postada e calma. A partida ganhava emoção e o melhor estaria para acontecer. O gol do século ocorreu aos 10 minutos do segundo tempo e levou 10 segundos para cruzar a linha de gol.

Diego recebe a bola de Hector Enrique ainda em seu campo e se livra em um único giro de dois marcadores, deixando para trás Peter Reid e Peter Beardsley. Avança pela direita com a bola colada no pé esquerdo e corta para dentro deixando o camisa seis, Terry Butcher, e logo em seguida em velocidade parte para a área deixando Terry Fenwyck para trás. Butcher ainda tenta parar Maradona, que corta Peter Shilton e toca para o fundo da rede. Estava feita a mais bela pintura de arte de todos os Mundiais, com a assinatura de Diego Armando Maradona.

O gol narrado por Victor Hugo Morales:

Com o segundo gol a Inglaterra caiu em desespero e partiu com tudo para o ataque, sempre encontrando uma defesa sólida e que rechaçava toda e qualquer tentativa de ataque inglês. O treinador Bobby Robson ainda tentou mudar o rumo do jogo com duas substituições e conseguiu um gol com Gary Lineker aos 36. O atacante inglês sairia ao final da competição como artilheiro do Mundial com seis gols, deixando Maradona com a segunda posição na artilharia com cinco.

Porém logo no reinício da partida Maradona mais uma vez com uma série de dribles geniais fez boa jogada com Tapia, recém-ingressado na partida. O camisa 20 dividiu a bola com a zaga inglesa e acertou a trave de Shilton, gelando o coração dos ingleses, que ainda tiveram uma última chance: faltando dois minutos para o final Lineker recebeu na área e quase empatou, mas Olarticoechea travou na hora.

Era o final de uma partida histórica em que o povo argentino saiu de alma lavada. Maradona ao final da partida declarou: “Mais do que uma partida, significava derrotar a Inglaterra, foi como uma final para nós. Nunca me esquecerei deste jogo”.

Argentina: 18 Nery Pumpido; 19 Oscar Ruggeri, 5 Jose Brown, 16 Julio Lartichoechea, 9 Jose Cuciuffo; 10 Diego Maradona, 2 Sergio Batista, 7 Jorge Burruchaga (20 Carlos Tapia), 14 Ricardo Giusti,12 Hector Enrique, 11 Jorge Valdano. Técnico: Carlos Bilardo

Inglaterra: 1 Peter Shilton; 6 Terry Butcher, 3 Kenny Sansom, 4 Glenn Hoddle, 2 Gary Stevens, 14 Terry Fenwick,18 Steve Hodge, 16 Peter Reid (Chris Waddle),17 Trevor Steven (John Barnes), 10 Gary Lineker, 20 Peter Beardsley. Técnico: Bobby Robson

Data: 22 de junho de 1986
Horário: 12h
Estádio: Estadio Azteca
Local: Cidade do México
Público: 114.580
Árbitro: Ali Bennaceur (Tunísia)
Bandeira Vermelha: B. Dotschev (Bulgária)
Bandeira Amarela: B. Ulloa (Costa Rica)

Melhores momentos da histórica partida:

Junior Sagster

Jornalista esportivo, formado em Comunicação Social/Jornalismo. Acompanha o futebol argentino desde a Copa do Mundo realizada no México em 1986, quando viu pela primeira vez Maradona jogar pela Seleção Argentina. Em sua carreira como jornalista tem 06 anos de experiência, 02 em redação e 04 em assessoria de imprensa esportiva.

7 thoughts on “25 anos do Bi-Mundial – Maradona derrota a Inglaterra

  • Willian Alves de Almeida

    Sensacional! Pena que não era nascido pra vivenciar este jogo…

  • Tiago Melo

    Graças a Deus eu já era vivo para ver e apreciar esse jogo inacreditável, foi sensacional. E me emocionei lendo esse texto espetacular do Junior sobre ele. Muito bom mesmo!

  • Willian Alves de Almeida

    Mas graças à Deus existe a ESPN Brasil, que reprisou na íntegra ano passado esse, e outros jogos clássicos da Copa do Mundo ano passado. Não é a mesma coisa de quem vivenciou ao vivo, principalmente porque o Paulo Andrade não passou 1% da emoção do Victor Hugo Morales quando narrou el gol del siglo.

  • FOI O GOL MAIS BONITO DE TODAS AS COPAS… REALMENTE IGUAL A DIEGO MARADONA JAMAIS TERÁ OUTRO JOGADOR… QUE MORRAM OS INVEJOSOS RÁ RÁ RÁ……..

  • Tiago Melo

    Não sou louco de discutir o fato óbvio de que essa narração de Victor Hugo Morales pela Rádio Argentina é a maior de todos os tempos. Mas queria apenas homenagear o outro grande narrador da historia do rádio argentino: José Maria “El Gordo” Muñoz, “El Relator de las Americas”., uma lenda que dominou o rádio argentino antes da chegada de Morales à rádio Mitre, em 1981. El Gordo comandou o microfone da Rivadávia por décadas, e foi ouvindo sua voz que eu comecei a me apaixonar pelo futebol argentino. Foi um colaborador da ditadura, mas nem assim deixo de vê-lo com carinho pelo seu papel no inicio da minha paixao futeboleira.

    Aqui está a narração dele para os dois gols de Maradona naquele dia histórico:

    http://www.youtube.com/watch?v=iiet2lPSd8E

  • Ale

    Los 2 mejores goles del mundial.
    El 1º superando una muralla de 8 defensas + arquero en apenas 22 metros y gol con la mano de Dios.
    El 2º sin comentarios, belleza a los ojos.

    El partido mas emocionante de mi vida, el gol con la viveza argentina, el mejor gol de la historia, contra Inglaterra, en un mundial, que mas se puede pedir todo en apenas 1 solo día. Gracias Diego!

  • Pingback: Copa do Mundo: confira Especiais sobre os argentinos campeões

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