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80 Anos de Futebol Profissional Argentino

Por Esteban Bekerman – Em 1931, os clubes mais poderosos da Argentina começaram a conduzir os destinos do futebol do país. Para isso, tiveram de dar um verdadeiro golpe institucional há oitenta anos.

Exatamente quando o River e outros enfrentam a AFA pedindo a renúncia de Julio Grondona, se completaram quarta-feira 80 anos de um fato que não apenas marcou a ruptura mais clara e profunda da história do futebol argentino, mas também representou o estabelecimento de uma nova ordem em relação à sua organização.

Foi na noite de 18 de maio de 1931 que 18 clubes (Boca, Huracán, Racing, San Lorenzo, Estudiantes, Gimnasia de La Plata, River, Independiente, Platense, Vélez, Chacarita, Quilmes, Lanús, Tigre, Atlanta, Ferro, Talleres de Escalada e Argentinos Juniors) criaram a Liga Argentina de Futebol, que os manteria unidos até que a atual AFA fosse criada em 1934.

Esse surgimento de uma nova entidade dirigente do futebol argentino, em que os clubes grandes estavam acompanhados por aqueles contra quem realmente consideravam negócio jogar e não por outros muito pequenos que vinham enfrentando, trouxe consigo uma consequência que comumente é a única a ser lembrada: a chegada do profissionalismo.

Na verdade a adoção de um regime profissional – ou seja, aquele em que os clubes são obrigados a pagar um salário pelo serviço dos jogadores – foi um fato menor em comparação à mudança de comando que o futebol argentino experimentaria com esse terceiro (e últim0) cisma de sua história, o qual pode ser bem descrito como “O Golpe dos Grandes”.

Afinal, não era segredo para ninguém que praticamente todos os jogadores de futebol da primeira divisão cobravam quantias que, ainda que variando muito de um caso para outro, e eram recebidas no escuro, fazendo com que a implantação do regime profissional não fosse efetivamente o objetivo primordial da Liga.

O que os jogadores realmente queriam, e reclamaram em 1931 a ponto de fazer a greve que desencadeou o cisma era o passe livre. Ou seja, poder ter o passe na mão e negociá-lo com quem apresentasse a melhor proposta, sem ter de jogar um ano ou dois entre os aspirantes, dependendo do caso, antes de mudar de camisa na primeira divisão, como deviam fazer desde 1929 em virtude da polêmica “Lei Candado”.

Essa era apenas uma das regras que protegiam e beneficiavam aos clubes mais humildes de acordo com a regra que determinava a obrigação de ter a Asociación Amateurs Argentina de Football como foro para resolver os problemas do futebol argentino. A associação havia sido criada em 1926 pelo então presidente Marcelo Alvear, para solucionar o cisma do futebol argentino.

Na associação, cada um dos clubes tinha um voto na assembléia, de modo que os grandes ficavam em minoria frente aos pequenos, que podiam impor sua vontade em questões como o repartimento das arrecadações ou o número de equipes na primeira divisão, que era de 36, para desespero dos grandes, que queriam um campeonato menor e mais competitivo.

Em fevereiro de 1931, um projeto do Independiente definiria como “cooperativismo absurdo” a divisão por igual que se fazia da receita das bilheterias entre clubes muito diferentes, alguns deles já em franca extinção, que ao enfrentar um grande não levavam nem 10% do público pagante, mas na hora da divisão levavam a mesma quantia.

Claramente, a idéia dominante na Asociación era a de que os grandes deveriam cooperar exercendo uma função quase beneficente com aqueles clubes com apelo menor, não apenas ajudando a injetar dinheiro neles, mas também convivendo com eles em um campeonato amador, o que não obrigava essas instituições humildes a ter gastos importantes para manter seu plantel.

Mas não eram apenas os grandes que estavam descontentes com essa forma de frear o negócio do futebol. Como foi dito, os jogadores também manifestaram sua discordância com isso, mediante uma greve e uma manifestação em frente à Casa Rosada que ao fim lhes deu a possibilidade de ir para clubes mais fortes.

Nesse sentido, foi chave a intervenção de José Guerrico, prefeito de Buenos Aires, nomeado pelo regime que estava à frente do país desde o ano anterior. Guerrico reuniu os presidentes dos clubes em seu gabinete e lhes disse que a greve e a implantação do profissionalismo constituiam “um só problema”.

Uma vez vencida a resistência dos pequenos a aceitar um regime profissional, surgiu um outro problema: definir que clubes jogariam na primeira divisão, cujos participantes teriam de se inserir nessa nova modalidade, o profissionalismo. Para os grandes, apenas alguns estavam em condição de enfrentá-los, e propuseram o rebaixamento de várias equipes à Primera “B”.

Foi então que os clubes menos poderosos que governavam a Asociación acabaram de cavar sua cova, dizendo que aceitavam o torneio profissional que se criava, mas deviam ir “todos ou nenhum”. Era a gota dágua para que 18 clubes formalizassem sua separação daquela instituição, 80 anos atrás.

Sem freio para desenvolver suas potencialidades econômicas e com a supremacia política, além da esportiva, os grandes foram desde então os senhores do futebol argentino. E por isso foi tão importante aquele distante 1931. Pois para além do profissionalismo, uma nova ordem surgiu. E ainda que com o tempo a história acabasse mudando novamente, nada seria como antes.

Texto originalmente publicado no site 4-4-2 com a permissão do autor.
Tradução: Tiago Melo

 

 

 

Da Redação

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