Primeira Divisão

Supersemana – Brasileiros no Super: Didi

Revista do River destacando a chegada de Didi

Talvez o dia 31 de agosto de 1969 foi um dos mais tristes na história do futebol argentino. Na tarde daquele dia, a seleção precisava de uma vitória contra o Peru para ir à Copa do Mundo do México. O jogo, realizado na Bombonera, terminou empatado em 2 x 2 e classificou os peruanos para a máxima competição do futebol mundial.

O técnico daquela seleção peruana, que avançou às quartas-de-final da Copa e parou na seleção brasileira, era Waldir Pereira. Popularmente conhecido como Didi, foi um dos mais importantes jogadores brasileiros em todos os tempos e ficou conhecido pela grande técnica com que batia na bola, dando um efeito nela batizado de “folha seca”.

Logo após a grande campanha peruana no Mundial, Didi foi contratado pelo River Plate para dar um fim ao jejum de 12 anos sem títulos. O clube passava por uma fase terrível, com derrotas históricas mesmo contando com jogadores consagrados como Ramos Delgado, Ermindo e Daniel Onega, Amadeo Carrizo e outros. No entanto, esses jogadores ou haviam saído ou se aposentaram. E o River se viu sem grandes nomes para fazer frente aos seus rivais no começo da década de 70.

Didi recebeu uma valiosa ajuda na comissão técnica. Delém, grande jogador brasileiro que pendurara suas chuteiras no começo de 1970, foi contratado para ser o auxiliar técnico de Didi. E a dupla percebeu que a melhor saída seria investir nas categorias de base do clube, que sempre revelaram grandes talentos. Assim, Didi começaria o Nacional de 1970 apostando nos jovens para quebrar o incômodo jejum. Entre esses jovens estaria Reinaldo “Mostaza” Merlo, que estreara no elenco profissional no ano anterior.

O técnico brasileiro quase conseguiu. Ficou em terceiro lugar na sua chave, perdendo os jogos decisivos para o Chacarita e o Gimnasia y Esgrima de Mendoza. Apesar das derrotas, a torcida do “Millo” se animou em ver o jogo proposto por Didi, que consistia no refinado toque de bola, nos lançamentos precisos e nas estratégias pensadas para cada adversário. Ainda em 70, estreariam no time principal J.J. López e Carlos “Puma” Morete.

Capa de disco com a inscrição: "Time de Didi"

No ano seguinte, Didi consegue um modesto 6º lugar no Metropolitano. E chega ao Nacional mais pressionado. Mesmo assim, Didi segue com seu pensamento de lançar mais jogadores jovens. Assim, Norberto Alonso faria sua estreia pelo River, num jogo contra o Atlanta.

Ainda em 1971, houve uma greve que afetou todo o futebol argentino. Por conta disso, várias equipes usaram os juvenis para que o campeonato pudesse continuar. Após o término da greve e das negociações para que os jogadores profissionais voltassem a seus times, Boca e River se enfrentariam no Cilindro, estádio do Racing. A diretoria do River havia suspendido seus principais jogadores, como Daniel Onega e Carlos Della Savia por ter aderido à greve. Já a diretoria do Boca fez com que todos os seus jogadores voltassem ao trabalho imediatamente. Com isso, o Superclássico de 27 de novembro de 1971 seria disputado por um time praticamente juvenil contra um time profissional.

Alonso, Merlo e J.J.López

Naquela noite de sábado o jogo começou quente, como todos os Superclássicos. E aquele teria um tempero a mais: os jogadores profissionais estavam com raiva dos juvenis, pois eles não haviam aderido à greve e obedeceram aos interesses dos dirigentes dos clubes. Logo aos três minutos Medina faz uma falta violenta em J.J. López, o que acirra ainda mais os ânimos dos dois times.

Os juvenis pareceram não se incomodar com as intimidações, criando várias chances de gol. Aos 21 minutos, Alonso recebe um passe na intermediária do ataque e lança em profundidade o ponta Joaquín Martínez. Ele se livra do veterano Marzolini e de Rogel, vê o goleiro Sánchez e coloca suavemente nas redes. O River saiu na frente. Após o gol, Martínez passa por Marzolini e murmura: “Cara, você terá uma péssima noite e mal sabe o que te espera”.

Mal o jogo recomeçou e o ataque do Boca obrigou o goleiro Barisio a realizar duas ótimas defesas. E dois minutos após o gol de Martínez, Ponce empatou a partida cobrando pênalti. Os meninos do River levaram um golpe que poderia deixá-los sem moral. Mas, ao contrário do que se poderia supor, o Boca não pressionou o River e o primeiro tempo terminou empatado.

No vestiário, fumando um cigarro atrás do outro, Didi chama seus jogadores:

– Merlo, você vai sair…
– Joaquín, você vai sair…
– Alonso e Juan José, vocês também…

Martínez se levanta e questiona:

– Por que, professor? Fiz um gol, deixei o Marzolini para trás…

Didi olha para o ponta e responde calmamente:

– Vocês todos vão sair para que entrem Davicce, Kent e todos os cartolas. Este jogo está muito fácil…

Didi brincou com seus jogadores para tirar-lhes a pressão. Sabia do potencial deles e esperava que no segundo tempo eles pudessem mostrar tudo o que sabiam, conforme o próprio técnico disse a J.J.López quando ele começou a carreira.

O River voltou para o segundo tempo com o domínio total do jogo. J.J. López distribuía o jogo como um veterano, Alonso passava como queria pelos marcadores e Morete sempre levava perigo ao gol adversário com seus chutes fortes. Aos seis minutos da etapa final, há uma falta para o River. Alonso levantou a bola e J.J. López pegou de primeira, fazendo a bola subir por cima da barreira e morrer no fundo do gol do Boca.

Mesmo após o gol a equipe de Didi seguiu mandando no jogo. E chegou ao terceiro gol aos 31 minutos, após uma falha do goleiro Sánchez. O arqueiro dominou uma bola que veio de um arremesso lateral e quis sair jogando. Porém errou fantasticamente e entregou a bola nos pés de Morete. Mesmo com apenas 19 anos, o “Puma” já sabia o que fazer gols e empurrou a bola mansamente para dentro da meta. O River fazia 3 x 1 e dava muitos motivos para a comemoração de sua torcida no Cilindro.

Até o final da partida, a equipe de Didi controlou o ritmo e esperou o apito final para dar início a uma grande festa no gramado. Os meninos do River derrotaram os profissionais do Boca e entraram para a história. Morete chora sem parar. Alonso vai ao banco para se abraçar com os companheiros de juvenis.

Conta Diego “Chavo” Fucks, autor do livro “Duelo de Guapos”: “Foi uma vitória histórica. Foi um dos jogos que se todos que disseram que estiveram lá de fato estivessem, teria sido o clássico com maior presença de gente. Foi um jogo em que os jogadores contarão a seus netos que estavam lá”.

Apesar da épica vitória, o River terminou em 4º lugar no Nacional de 1971, que foi ganho pelo Rosario Central. E Didi saiu do clube em 1972, cansado das pressões impostas pelos dirigentes do River. E o “Millo” quebrou o jejum somente em 1975, quando Labruna assumiu o time.

Alexandre Leon Anibal

Analista de sistemas, radialista e jornalista, pós-graduação em Jornalismo Esportivo e Negócios do Esporte. Neto de argentinos e uruguaios, herdou naturalmente a paixão pelo futebol da região. É membro do Memofut, CIHF, narrador do STI Esporte (www.stiesporte.com.br ) e comentarista do Esporte na Rede, programa da UPTV (www.uptv.com.br ).

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