20 anos do último título internacional de um gigante dos anos 90: a Recopa do Vélez
Pode-se dizer que nenhuma torcida argentina foi tão feliz nos anos 90 como a do Vélez. Objetivamente falando, o River deu mais voltas olímpicas, com títulos argentinos em 1991, 1993, 1994 (o único invicto em sua história), 1996, 1997 (dois) e 1999, além da Libertadores 1996 e da Supercopa 1997. Mas, para quem tinha um único título, o Nacional de 1968, o salto de patamar velezano foi muito maior. Entre 1993 e 1998, não houve um só ano sem troféus para quem até então tinha menos taças que o sumido rival Ferro Carril Oeste. O tira-teima perfeito para millonarios e fortineros deu-se no Japão, há exatos vinte anos, pela Recopa Sul-Americana.
Se hoje o campeão da Libertadores enfrenta na Recopa o vencedor da Sul-Americana, na época o adversário era o campeão da Supercopa – torneio sucedido em 1998 pela Copa Mercosul, por sua vez sucedido em 2002 pela Sul-Americana. A Supercopa existiu entre 1988 e 1997 para reunir quem já havia vencido a Libertadores. Como isso tirava de disputas camisas economicamente pesadas mas sem conquistas no principal torneio do continente (Palmeiras, Corinthians, San Lorenzo, Cerro Porteño, Universidad Católica, Universidad de Chile, dentre outros), terminou substituída pela Mercosul.
Pois bem: tanto River como Vélez venceram com shows a Libertadores e a Supercopa (respectivamente) em 1996. O time de Núñez foi por quase vinte anos o último melhor colocado geral na primeira fase a, adiante, conquistar La Copa, até a vez do Atlético Mineiro de Ronaldinho Gaúcho em 2013 (confira), e em dezembro ganhou o Apertura. Já o clube do bairro de Liniers coroava um ano dourado. Em agosto, ganhou o Clausura, garantido seu primeiro e único bicampeonato nacional seguido (saiba mais). Em dezembro, faturou de forma invicta a Supercopa, sobre o Cruzeiro (e após eliminar o copeiríssimo Grêmio da época), com direito à primeira vitória de argentinos sobre brasileiros no Mineirão: detalhamos aqui.
Os velezanos haviam garantido os títulos de 1996 mesmo após a saída de Carlos Bianchi ao fim de junho. Maior artilheiro do clube, El Virrey, transferido à Roma, havia feito sucesso ainda maior como o técnico que desde 1993 vinha emergindo o Fortín. A figura máxima agora atendia por José Luis Chilavert, que deixou de ser “mero” líder em campo para ajudar o Vélez a ganhar manchetes mundiais em 1996 ainda antes das taças.
Foi naquele ano que ele começou a marcar gols de falta em série: quatro, uma assombrosa enormidade para a época, e não poderia ter escolhido vítimas melhores – nada menos que River (e a 60 metros do gol!), Boca (onde também acertou um pênalti em surra de 5-1 sobre Maradona, Verón e Caniggia) e seleção argentina (no Monumental, empatando em 1-1). Chila já havia na realidade marcado uma vez de falta, ainda em 1994. Foi seu primeiro gol de falta na carreira, mas novas tentativas tiveram de esperar ante a ciumeira do cobrador oficial, o lateral e então capitão Roberto Trotta: contamos aqui que a fúria do colega, a despeito do sucesso do paraguaio, rendeu discussão quente com Bianchi nos vestiários.
Isso foi pouco após a conquista da Libertadores de 1994, e seria Trotta quem cobrou o pênalti assinalado contra o Milan no Mundial Interclubes. Mas os ânimos se apaziguaram logo entre eles e Bianchi, a ponto de o técnico levar Trotta consigo à Roma e ambos tentarem cooptar também o paraguaio (que em 2008 descreveu o colega como “grande sujeito e partícipe das glórias do Vélez) à equipe italiana quando Chila teve prisão decretada na Argentina, coincidência ou não, dias semanas de marcar gol na seleção alviceleste. Mas não foi sem ironia que os dois jogadores bateram de frente há vinte anos.
Bianchi e Trotta fracassaram na Roma. Na antevéspera daquela Recopa, o técnico se desligara do calcio. Já o lateral havia saído muito antes, emprestado em janeiro ao River. O confronto em Kobe tinha um pouco de revanche no ar: em dezembro, o River havia garantido o título do Clausura ao surrar os velezanos por 3-0, com dois gols de Marcelo Salas.
O chileno não poderia jogar no Japão, vitimado na pré-temporada por uma lesão muscular que o tiraria de cena pelo semestre. Quem faria dupla ofensiva com Enzo Francescoli seria Julio Cruz, a despeito do atacante ter na semana anterior protagonizado grande polêmica justo em sua estreia pela seleção – detalhamos aqui que ele foi vítima ou cúmplice de manobra contra a Bolívia similar ao que o goleiro Roberto Rojas tentara contra o Brasil em 1989.
O Vélez tinha estímulo extra por aquela Recopa. Dois anos antes, havia perdido-a para o Independiente, após ser prejudicado por uma atuação descrita pelos fortineros como “assalto à mão armada” do árbitro Francisco Lamolina (o defensor adversário Pablo Rotchen usou a mão para impedir um gol, mas o apito foi soado para marcar suposta falta do velezano Omar Asad sobre o goleiro Luis Islas). Essa polêmica foi por sinal ressuscitada em março de 2017 diante de nova derrota para o Rojo, onde um pênalti escandaloso para o Fortín não foi assinalado por… Nicolás Lamolina, filho de Francisco.
Aquele revés estava bem vivo na memória de Chilavert. Na véspera, as duas equipes tomaram parte da apresentação oficial do torneio, posando para sessões de foto que envolviam a taça em disputa. Supersticioso, o goleiro evitou tocá-la: “fiz isso em 1995 e perdemos”, justificou. Deu certo, com ele sendo, para variar, o nome da conquista, com gol e defesas na definição por pênaltis.
Pênaltis já haviam definido o tempo normal. Aos 29 minutos do primeiro tempo, Hernán Maisterra (reforço do Platense para armação no meio-campo, em vã tentativa de suprir a ausência de Ariel Ortega, vendido em janeiro ao Valencia) errou feio e Roberto Bonano precisou derrubar o atacante velezano Patricio Camps. Bonano foi expulso e o próprio Maisterra terminou “punido”, saindo para a entrada do goleiro reserva Germán Burgos. Burgos, por River e seleção, havia levado dois gols de Chila em 1996, e foi momentaneamente incapaz de evitar outro: 1-0.
Faltando meia hora, o técnico millonario Ramón Díaz não viu alternativa. Aos 14 do segundo tempo, tirou o veterano Sergio Berti e pôs o jovem Marcelo Gallardo para armar jogo. Aos 29, quem saiu foi o lateral Juan Pablo Sorín, substituído por Luigi Villalba (que duas semanas antes fora importante no épico empate em 3-3 com o Boca, que vencia por 3-0 no Monumental). O empate enfim saiu aos 38, quando foi a vez do River ter uma chance de pênalti, convertido por Francescoli. Ainda assim, o técnico fortinero Osvaldo Piazza (a esperar por um presente de aniversário para os 50 anos de idade que completara seis dias antes) preferiu arriscar, pondo dois atacantes no lugar de dois volantes.
Aos 39 minutos, Christian Bassedas deu lugar ao talismã Turco Asad (que, usado nos instantes finais na final da Supercopa no Mineirão, havia cavado um pênalti) e aos 43 Fernando Pandolfi substituiu Marcelo Gómez. Afinal, os de Liniers somavam um homem a mais. Mas a igualdade prevaleceu, levando à decisão por pênaltis. Um luxo para quem tinha no banco ninguém menos que o Tapa Penales Sergio Goycochea, que nem precisou ser cogitado havendo-se Chilavert – decisivo na decisão por penais na semifinal e final da vitoriosa Libertadores de 1994 e que defendera pênalti de Jorge Burruchaga para garantir o empate do título do Clausura 1996 (o Vélez foi campeão por um ponto sobre o Gimnasia LP).
Logo o paraguaio, começou, porém, sendo vilão. Coube a ele a primeira cobrança da série. E dessa vez Burgos levou a melhor, salvando a cobrança de Chila. Francescoli voltou a acertar a sua e pôs o River à frente. Camps empatou. E aí Chilavert começou sua redenção, primeiramente ao espalmar o chute de Gallardo, que ainda acertou a trave. Pandolfi virou a série: 2-1 Vélez. Placar mantido graças ao melhor goleiro do mundo (assim eleito oficialmente pelo IFFHS em 1997): no reencontro com Trotta, não teve trabalho para agarrar a cobrança ridícula do ex-colega.
Flavio Zandoná, que substituía Trotta na lateral-direita, aumentou para 3-1. O paraguaio millonario, Celso Ayala, manteve as chances do River ao acertar sua tentativa. O zagueirão Mauricio Pellegrino, que a pedido próprio fora escalado como último cobrador velezano da série inicial, sacramentou o título para Liniers. O céu do sol nascente parecia o limite para o Fortín. E um horizonte distante demais vinte anos depois, em que um clube que se orgulhava antes de tudo de sua solidez institucional amarga desmando administrativos refletidos nos gramados, correndo seríssimo risco de rebaixamento inimaginável para quem tanto viveu os anos 90.
Com este Especial, encerramos matérias dedicadas às glórias noventistas do Vélez. Clique abaixo para conferir:
Há 20 anos, o Vélez entrava na sua era dourada (Clausura 1993)
Há 20 anos, o Vélez vencia a Libertadores, sobre o São Paulo de Telê (Libertadores 1994)
20 anos do título mundial do Vélez Sarsfield, sobre o Milan (Mundial Interclubes 1994)
Há 15 anos, o Vélez entrava definitivamente na história (Apertura 1995)
20 anos do único bicampeonato argentino do Vélez (Clausura 1996)
Há 20 anos, o Vélez vencia a Supercopa Libertadores e o Lanús, a Copa Conmebol (Supercopa 1996)
15 anos do título do Vélez de Marcelo Bielsa (Clausura 1998)
E clique aqui para relembrar as outras ocasiões em que a Recopa foi decidida em final de clubes argentinos.
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