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20 anos do arrasador Mundial sub-20 que os argentinos puderam desfrutar em casa

“Estes garotos do Pekerman me fizeram voltar a viver. Sentem o futebol igual a nós. Gostam da bola, querem divertir o povo. São um orgulho para todos os argentinos”.

A Argentina é a recordista de títulos mundiais sub-20. O primeiro, de 1979, coroou Maradona. O de 1995 iniciou a longa Era José Pekerman, embora apenas Sorín realmente vingasse no elenco. O de 1997 apresentou já uma penca de futuros símbolos da Albiceleste, a exemplo de Riquelme, como veremos. Messi simbolizou 2005 e Agüero foi o craque do último, em 2007. O diferencial da taça de 2001, comemorada há 20 anos, foi a proximidade: em meio ao colapso financeiro que naquele ano pesava ainda antes do 11 de Setembro na população argentina, o torneio foi sediado em Buenos Aires, entre 17 de junho e 8 de julho. Rendendo um breve alento direto aos hermanos, após campanha de 27 gols marcados e só 4 sofridos em 7 jogos.

Contextos

Foi sob esse encantamento que o próprio Maradona proferiu a declaração que abre essa matéria. Para variar, Dieguito vinha de uma sucessão de crises pessoais naquele período 2000-01: em meio à milésima internação para tratamento contra o vício em cocaína, agora em Cuba, ele escapara por milagre em setembro após destruir sua caminhonete contra um ônibus em Havana. Em novembro, o vício foi usado pelas autoridades japonesas para negar-lhe visto de entrada para assistir seu Boca disputar o Mundial. Em janeiro, foi intimado pelo fisco italiano para saldar dívida tributária de 24 milhões de dólares. Em meio a isso, sua passagem como gerente do nanico Almagro terminou decepcionando torcedores que esperavam uma volta aos gramados pelo clube tricolor.

Crises pessoais também afetavam, diga-se, a grande joia daquele Mundial. Javier Saviola sofria em silêncio ao mesmo tempo em que fechava com o Barcelona: seu pai Roberto padecia de um câncer terminal na época. Apesar da posterior estadia do atacante no Real Madrid, os catalães trataram nesses últimos dias de oficialmente lembrar os vinte anos daquela contratação que seria importante na impensável luta contra o rebaixamento na temporada 2002-03. O negócio foi assinado em 20 de julho o passo que Roberto Saviola faleceria em uma clínica na suíça Nyon em 6 de agosto. O filho não escondeu como nessa semana ao Olé como teve de viver solitariamente com a mãe o luto na Catalunha: “por um lado, tocava o céu com as mãos, estava em um dos melhores clubes do mundo e por outro, vivi uma situação pessoal muito, muito delicada, sem retorno. Era a última etapa de vida do meu pai”.

Nem tudo era festa: apoio de Maxi Rodríguez e D’Alessandro ao lesionado Chori Domínguez, e a mensagem de Saviola: “para você, papai”. O câncer deixaria o atacante órfão dali a menos de um mês

O portal Infobae também não deixou de lembrar desse drama de El Conejo – já um astro precoce desde 1999, a ponto de ser poupado do Sul-Americano juvenil realizado entre janeiro e fevereiro. Gerardo Salorio, preparador físico da delegação, relembrou: “o pai de Saviola tinha câncer e vinha às visitas familiares. Um dia, me chama no celular e me pede ‘cuida do meu filho’. Eu lhe respondi: ‘você acha que não vou cuida-lo? Eu cuido de todos e seu filho mais ainda, porque é um santo”. Mas alívios cômicos também não faltaram. O próprio Salorio não se limitou à sua função oficial: supervisionou verdadeiros “ministérios” que serviam de dinâmica de grupo nas folgas. Havia o “dos pedidos”, o das “recreações”, o “das multas”…

Saviola, inclusive, era o encarregado da organizar nomes e apelidos na hora das visitações para o elenco a contar ainda com  Germán Lux (River) e Willy Caballero ainda cabeludo (Boca) como os goleiros treinados pessoalmente por ninguém menos que a lenda Ubaldo Fillol; os beques Nicolás Burdisso (Boca), Julio Arca (Sunderland), Mauro Cetto (Rosario Central), Fabricio Coloccini (do San Lorenzo recém-campeão com recordes, ainda vigentes, no Clausura), Ariel Seltzer (Argentinos Jrs) e Diego Colotto (Estudiantes); dos meias Nicolás Medina (Argentinos Jrs), Andrés D’Alessandro, Oscar Ahumada (ambos River), Leandro Romagnoli (maestro daquele San Lorenzo e encarregado de filmar os bastidores), Maxi Rodríguez, Leo Ponzio (ambos Newell’s) e dos atacantes Esteban Herrera (Boca), Mauro Rosales (Newell’s) e Alejandro Domínguez (Quilmes). Depois, ainda chegaria Sebastián Bueno, do Sarmiento.

Muitos deles já eram caras conhecidas também (Romagnoli e Maxi Rodríguez foram outros poupados daquele Sul-Americano) e/ou com experiência de sparrings nos treinos da seleção de Bielsa. E, dos que teriam aquele Mundial como ponto de partida para a fama, D’Alessandro é quem melhor ilustra: El Cabezón ainda não tinha espaço no River e só entrou no grupo porque opções originais como Luis Zubeldía e Livio Prieto (que passaria pelo Atlético Mineiro no ano do rebaixamento) se lesionaram. Naqueles dias, o Millo, descontente com um bivice-campeonato nacional seguido sob Américo Gallego enquanto o Boca vencia “tudo”, recontratava Ramón Díaz para treinador. Seria com Díaz que D’Ale, sem prestígio com Gallego, deslancharia no bairro de Núñez.

Domínguez (de muletas), Coloccini, Ahumada, Herrera, Medina, Lux, Maxi, Bueno, Colotto e Burdisso; Seltzer, Saviola, Caballero (ainda cabeludo!), Cetto, D’Alessandro, Arca, Romagnoli, Ponzio e Rosales

O próprio contraste Boca x River da época se refletiu internamente: em meio à concentração já tomada pelo videogame, filmes piratas, celulares, zoeiras e resenhas como remédios contra o tédio, Burdisso chegou com o torneio em andamento. E ouviu o gracinhas de Saviola, D’Alessandro, Lux e Ahumada de que, por chegar “atrasado”, não o deixariam curtir o hipotético título daquela seleção – e que seu clube ainda haveria de perder aquela Libertadores. Claro que houve troco: após o bicampeonato continental do Boca em meio àqueles dias, o defensor pediu aos colegas de clube “as camisas autografadas e os vamos presenteá-las, assim sentem como é o cheiro dos campeões”, nos registros da El Gráfico publicada logo após aquele Mundial.

Já ao Infobae, um Burdisso mais experiente assim relembrou, saudoso: “os campeonatos Sub-20 têm uma carga emotiva muito grande, se vivem como se fosse uma colônia de férias porque a pessoa ainda não está empapada do profissionalismo puro. É uma idade muito linda e ainda não há gente contaminada. Com o tempo, te dás conta de que tens que fazer concessões, que tens que ser um pouco mais político em certas situações, mas quando tens 19 ou 20 anos és genuíno, és espontâneo, és transparente e todos os que estão ao teu lado são da mesma maneira”.

Essa camaradagem se reforça atualmente por um grupo de WhatsApp em que apenas Arca, Cetto, Herrera, Seltzer, Colotto, Bueno e El Chori Domínguez não foram participantes reaproveitados pela seleção principal – embora valha ser destacado que Cetto integrou o San Lorenzo enfim campeão da Libertadores, em 2014; e que Domínguez virou figura querida no River do coração sobretudo por voltar da Europa para tira-lo junto com Ponzio da segunda divisão em 2012 (em uma caminhada mais complicada do que se supunha, contra o vistoso Instituto de Córdoba de um jovem Paulo Dybala).

Jogos à tarde se tornaram um chamariz para arquibancada cheia de estudantes

Colotto, por sua vez, destacou ao Infobae um diferencial: “jogávamos a cada quatro dias e alguma tarde nos davam duas ou três horas livres para receber a família. Podiam vir tomar um café, conversar um pouco. Nos cruzávamos todos aí e conhecíamos os pais, irmãos dos outros. Era esse momento em que cada um carregava suas energias com o círculo íntimo. Essa era a vantagem de ter um Mundial na Argentina”. Tudo sob infra-estrutura depois aproveitada pela seleção principal: aqueles garotos “inauguraram” o segundo bloco do edifício da AFA em Ezeiza, hoje utilizado para a concentração do time adulto.

A campanha arrasadora

Todos os jogos da Argentina se deram no estádio do Vélez, usado como a sede de Buenos Aires, empregando-se no torneio também os estádios municipais de Córdoba (ainda Chateau Carreras, atual Mario Kempes), Mendoza, Salta, Mar del Plata e o do Newell’s. Em 17 de junho, Maxi Rodríguez e D’Alessandro abriram um econômico 2-0 na Finlândia. Em 20 de junho, o Egito abriu o placar no quinto minuto de jogo, mas aos 15 a virada já havia sido iniciada com dois gols de Saviola. Coloccini ampliou aos 20, Saviola completou tripleta aos 44 e no segundo tempo um 7-1 se desenhou com Romagnoli, Maxi Rodríguez e um gol contra egípcio.

Na mesma data, o Boca saiu da Cidade do México com o valoroso 1-0 sobre a Cruz Azul no jogo de ida da Libertadores, com Burdisso atuando os 90 minutos. Seus colegas Herrera e Caballero, reservas dos reservas no clube, haviam seguido na Argentina e, se Willy Caballero não sairia do banco (como de costume) de Lux, Herrera até substituiu D’Alessandro no decorrer do jogo. Foi só após o promissor triunfo fora de casa que Burdisso foi liberado para juntar-se aos colegas de sub-20: esteve no banco para a partida do dia 23, um 5-1 na Jamaica aberto desde o terceiro minuto (Coloccini) e ampliado já no sétimo (Saviola).

Aos 14, já estava em 3-0, assinado por Herrera, que marcou o quarto ainda aos 38 do primeiro tempo. Os caribenhos descontaram somente aos 33 da segunda etapa, sem muita honra: Saviola converteu um pênalti aos 41 para fechar um 5-1.

A China deu mais trabalho a Maxi Rodríguez e Coloccini nas oitavas do que o Paraguai a Saviola na semifinal

Os testes verdadeiros poderiam não ter aparecido ainda. Afinal, o Brasil de Kaká, Adriano Imperador (vice-artilheiro daquele Mundial, mas com metade dos gols de Saviola), Júlio Baptista, Maicon, Luisão e Edu Dracena estava no Grupo B; os EUA de Landon Donovan, no C; Petr Čech e demais tchecos, no D; os alaranjados Arjen Robben, Klaas-Jan Huntelaar, Rafael van der Vaart e Maarten Stekelenburg até decepcionavam abaixo de Costa Rica e Equador no E, embora avançassem de fase entre os terceiros melhores colocados; enquanto Gana de Sulley Muntari e Michael Essien se punha acima da França de Djibril Cissé, Alou Diarra e Philippe Mexès no F.

Curiosamente, foi justamente contra uma pouco assustadora China o mata-mata mais complicado, em 27 de junho, quando o país estava mais voltado ao jogo de volta do Boca na final da Libertadores (um dia mais tarde: o questionado Aníbal Matellán, de desempenho elogiado no Mundial Interclubes de 2000, ficou com a vaga de Burdisso… e o Boca tomou o susto de ser derrotado no tempo normal dentro da Bombonera pelos mexicanos, mas prevaleceu nos pênaltis). A coisa parecia fácil quando Maxi Rodríguez abriu o placar aos 4 minutos. Mas a goleada esperada não vinha. Qu Bo, um dos três juvenis chineses que estariam na Copa de 2002 (junto de An Qi e Du Wei), empatou aos 10 do segundo tempo. Domínguez, saindo do banco no lugar de Herrera, só tranquilizou já aos 34.

Um pouco pela pouca atratividade dos adversários e um pouco pelo início do torneio, aqueles primeiros jogos não chegaram a lotar a casa do Vélez. Isso foi mudando gradualmente a ponto de até gente feito Burdisso se espantar com o tratamento equiparável ao de estrela de rock, no depoimento ao Infobae. De fato, parte expressiva do público, naqueles jogos em tardes de dias úteis, ser também de jovens em saída da escola – e que logo estariam de férias em julho. Arca complementou: “parecíamos uma banda de música. Nas primeiras partidas, o povo dizia: ‘vamos ver o que os garotos podem fazer’ porque conheciam só alguns nomes e o estádio estava em 50% [da capacidade], mas para nós era o bastante. Depois da primeira fase, o público cresceu. No campo havia cada vez mais até que a final esteve entupida”.

Salorio foi na mesma linha ao Infobae: “para a final, teríamos necessitado de três estádios do River”.

Colotto aproveita cruzamento de Romagnoli para abrir o placar na final contra Gana

Julho chegou já agendando todas a quartas-de-final para o primeiro dia do mês. Marcado por dois imponderáveis: com uma virada iniciada nos dez minutos finais, Gana superou o Brasil e o Egito também virou contra os holandeses; os prognósticos se cumpriram com o Paraguai prevalecendo sobre os tchecos, mas talvez nem tanto com a facilidade que a equipe de José Pekerman superou a de Raymond Domenech. Ou talvez, Saviola, dono da tripleta no estádio José Amalfitani: o primeiro saiu aos 5 e o segundo foi para converter um pênalti aos 46 do primeiro tempo, logo após Mexès ter empatado. O imparável atacante do River fechou a conta aos 37 da segunda etapa.

Não foi tudo perfeito. Domínguez, que substituiu Herrera, precisou dar logo lugar a Ahumada após a séria lesão que lhe tiraria do resto do torneio: fraturou um tornozelo ao cair de mal jeito após dividir com Bernard Mendy aos 27 minutos do segundo tempo. Foi então que Pekerman chamou um dos três juvenis que estavam na lista de espera: Sebastián Bueno saiu do seu Sarmiento de Junín (o goleiro Juan Carrera, do Argentinos Jrs, e o defensor-volante Damián Giménez, do Banfield, completavam essa lista) para se tornar o primeiro jogador da terceira divisão argentina chamado para algum mundial.

As semifinais, em 4 de julho, reservam um clássico africano em Córdoba – Gana 2-0 Egito, tudo nos sete minutos finais – e um sul-americano no bairro de Liniers. E a boa fama defensiva paraguaia não apareceu nem como sombra: Saviola (18 e 24 minutos), Romagnoli (41), D’Alessandro (um golaço de longa distância 7 do segundo tempo) e Herrera (25) impuseram um categórico 5-0 sobre os guaranis, ainda atordoados demais no jogo do bronze: o estádio do Vélez, em rodada dupla, primeiro viu naquele 8 de julho como o Egito venceu a Albirroja por 1-0. E, ao fim daquela véspera de feriado de independência, “um grupo de amigos foi campeão do mundo”, algo refletido nas camisas de apoio a Chori Domínguez.

Essas aspas, tais como as de Maradona, também foram retiradas da edição pós-jogo da revista El Gráfico. E é dela que reproduzimos as imagens dos gols da final a dissertação abaixo, com pontuais complementos nossos em colchetes:

Saviola aproveita cruzamento de D’Alessandro e amplia: só se haviam jogado 15 minutos

“O tetra”, segundo a El Gráfico (título e nota de Eduardo Verona)

Não é balela o da herança genética. Porque se há um presente é porque existiu um passado. E um mágico cordão umbilical que unificou tudo. Por isso na feliz consagração do Sub-20 aparecem na memória coletiva outros Sub-20. Sem forçar nada. Sem exigir leituras complicadas. Com naturalidade. Com regozijo. Com alegria sem máculas.

Lá, em Tóquio, há quase 22 anos, o velho mestre Ernesto Duchini foi a semente, el Flaco [César]Menotti o ideólogo, e Maradona e uma banda de garotos notáveis como [Juan] Simón, [Juan] Barbas, el Pelado [Ramón] Díaz, Pichi [Osvaldo] Escudero e [Gabriel] Calderón, entre outros, deslumbraram a maravilha de uma seleção juvenil armada para ganhar, degustar e golear. Eles representaram uma dose de pureza extrema ao futebol com maiúsculas. Ao futebol de todos os tempos.

Mais próximo no calendário, em 1995 no misterioso Qatar, desta vez com Pekerman baixando linha e estilo, outra homenagem ao bom gosto com [Sebastián] Pena, [Juan Pablo] Sorín, [Leonardo] Biagini, Panchito [Francisco] Guerrero, [Ariel] Ibagaza, [Walter] Coyete… depois, em 1997 na Malásia, a mesma música com outros intérpretes: [Pablo] Aimar, Chuchu [Esteban] Cambiasso, [Juan Román] Riquelme, [Bernardo] Romeo, [Walter] Samuel, [Diego] Quintana, [Diego] Placente, [Leandro] Cufré… e também Pekerman sustentando a ideia-força.

Igual como agora. Sem poses. Sem histerias. Sem discursos confusos. Simples, claro, rotundo. E a equipe que fala por ele. Porque as equipes são o melhor testemunho da obra de um técnico. Claro, também os resultados, mas sobretudo o funcionamento, o conceito do jogo. E este Sub-20 safra 2001 que foi encontrando a medida de seu potencial durante a marcha do Mundial soube interpretar a mensagem de seu treinador. (…)

Porque foi de menor a maior. Com a resposta da equipe. Com a sensação inequívoca de que o objetivo de ser tetracampeão estava próximo.

Habilitado por D’Alessandro, Maxi Rodríguez corre contra John Paintsil para marcar o terceiro; Coloccini, D’Alessandro, Lux, Herrera e Arca erguem o troféu

E saiu tal qual. A pedidos dos torcedores. A pedidos de Pekerman. Com um espírito lúdico que tem uma marca registrada: isto é futebol argentino. (….) Afirmando-se progressivamente no toque, na posse, no controle do jogo. Porque desde o fundo da história de sabe que o jogador argentino precisa ter a bola para impor-se, manobrar a partida e estabelecer a superioridade psicológica durante o desdobramento.

Esta característica também forma parte da identidade. Os garotos transitaram por essa estrada. E tiveram um handicap inocultável: a facilidade para chegar ao gol. O gatilho fácil que por momentos lhes permitiu matar sem anunciar nada. (…) Frente a Gana, ficou desnuda essa virtude explosiva. Em apenas 14 minutos, quase tudo assegurado, quando ainda não havia cruzado com grande decisão os três quartos do campo. Mas em duas bolas paradas, se acabaram as resistências. (…) Primeiro, Colotto com um canhotaço mortal, aproveitou o cruzamento desde a direita de Romagnoli. Logo, Saviola, de cabeça, a cravou no segundo pau depois de outro cruzamento preciso, de D’Alessandro.

Assim, com um poder de definição implacável, a Argentina simplificou o que parecia complexo. Gana teve a bola mais do que se previa. Mas gerou muito pouco. Quase nada.(…)

A equipe se mostrou também na serenidade para não deixar-se estourar pelas obrigações que chegavam desde fora. (…) Não jogo para o olé fácil e generoso dos torcedores que pediam uma sinfonia de toques a canetas sortidos. Tampouco se adocicou com a busca da goleada iminente. Foi inteligente. Denunciou maturidade. (…)

Nesse perfil de solvência também se advinha o funcionamento que encontrou Pekerman. Talvez por isso, tudo pareceu sob controle. Gana não podia. Argentina suspeitava que se acelerasse não havia equivalências. E em algumas passagens acelerou até abrir as portas do gol inevitável. Outra bola refinada de D’Alessandro, com o perfume de um passe bochinesco [referência a Ricardo Bochini, ídolo-mor do Independiente] ou próprio da inspiração de Riquelme, e Maxi Rodríguez que arrebentou a rede entrando sozinho pelo meio e com o goleiro entregue.

O apito final para Saviola

Depois, sim, o carnaval que vem desde fora e se traslada ao campo. O toque-toque picante. A confirmação de um estilo. A bola domesticada. A superioridade coletiva que o resultado não terminou de desenhar. E a violência africana, que se manifestou nos 90 minutos.

Já era. O Mundial já o havia conquistado a melhor Seleção. A que havia jogado acima do resto, contemplando ademais sua reconhecida vinculação com o fair play, típica resposta nas equipes de José. A que contou com as individualidades mais desequilibrantes, como o caso de Saviola, premiado como goleador e como o melhor jogador do torneio.

Na consagração, recordamos que há uns meses Pekerman havia expressado na El Gráfico uma preocupação: “a identidade do futebol argentino está em perigo”. Se referia aos processos de formação de jogadores que pelas urgências não se estão cumprindo. “Se queimam etapas”, sustentou o técnico. No meio dessas dificuldades que se advertem apenas se instale uma análise séria, este Sub-20 pareceu desentender-se dessa dinâmica. E superou suas limitações originais, porque não ganhou só pela inspiração de alguma de suas figuras. Não ganhou porque Saviola fulminou em cada arranque, ou porque Coloccini no fundo mostrou sua categoria de jogador com grande personalidade. Ou porque D’Alessandro se iluminou em um flash irrepetível.

Ganhou porque cresceu como equipe. (…). É uma questão de linha, de estilo. A tática assume então a forma de um complemento valioso, mas não é o ponto central. O mais importante foi o conteúdo. E o resultado, a consequência desse conteúdo.

O domingo de 8 de julho de 2001, na loucura do festejo desatado, brilhou outra estrela. Aqueles Sub-20, este sub-20. E uma fidelidade em tempos de infidelidades. Como para seguir acreditando na velha magia.

Pekerman e sua comissão técnica. A lenda Fillol, ao centro, era seu preparador de goleiros. Mas o preparador físico Salorio (homem mais à esquerda) entrosou-se mais com a garotada

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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