A derrota de 1-0 para o Racing na quarta-feira pela Libertadores parece ter inchado o ambiente no Boca. Toda a data de 17 de dezembro passou em branco nas mídias sociais auriazuis, passando em branco os 20 anos do título do Apertura 2000. Mais do que um título argentino qualquer, ali o clube coroou sua primeira tríplice coroa (e a segunda do futebol argentino), após ganhar a Libertadores em junho e o Mundial ainda em novembro – encerrando 22 anos de jejum nessas duas competições, tempo suficiente para o River também começar a acumular a mesma quantidade de troféus internacionais. Hora de relembrar passo a passo aquele ano 2000 na Casa Amarilla.
Até julho de 1998, o Boca só havia ganho dois campeonatos argentinos desde 1976: com Maradona, em 1981, e outro em 1992, encerrando justamente o pior jejum doméstico xeneize, a dar lugar a outro que nem a volta de Maradona resolvia. Dieguito parou de jogar em outubro de 1997. Caniggia e Latorre seguiam como oásis de talento em 1998, a ponto de Cani ser em vão exigido por público e mídia para a Copa do Mundo, mas também o ego dos dois não agradava o estilo do novo treinador. Em julho de 1998, o Boca sondou dois treinadores: um torcia pelo Boca na infância (Daniel Passarella) e outro, pelo River. Escolheram quem torcia pelo River. Era Carlos Bianchi. Mantendo praticamente o mesmo plantel náufrago, ganhou de modo invicto o Apertura 1998. Seguiu-se 40 jogos de invencibilidade na Argentina, ainda um recorde no profissionalismo. O Boca, de apenas dois títulos argentinos em 22 anos, foi bi seguido, ganhando o Clausura 1999, ficando mais do que classificado à Libertadores de 2000.
O Boca até hoje jamais foi tricampeão argentino seguido e tentou esse projeto no Apertura 1999, mas sequer pôde ser vice, na provocação do verborrágico técnico riverplatense Ramón Díaz ao fim da rodada final. El Pelado Díaz voltava a ser campeão desde o Apertura 1997, e, com missão cumprida, deixou surpreendentemente o cargo a 48 horas do início do Clausura 2000. Ainda contra ele, o primeiro jogo do Boca naquele ano (azul)dourado foi levando de 3-0 do arquirrival em 14 de janeiro, em amistoso de verão em Córdoba. Depois, foi a vez de dois torneios em Mar del Plata: 1-0 no Independiente em 21 de janeiro, 1-1 com o Racing no dia 26 e um 2-0 no River no dia 29 pela “Copa Ouro” e então um 3-1 no Vélez em 1º de fevereiro, derrota de 2-1 para o San Lorenzo no dia 5 e por fim um 2-1 no River quatro dias depois, pela “Copa Cidade de Mar del Plata”. Díaz foi substituído em Núñez por Américo Gallego. No Boca, que perdera o capitão Cagna ao emergente Villarreal, só um reforço: o atacante Delgado, do Racing. A braçadeira agora era de Arruabarrena.
Libertadores (e Clausura)
Em 13 de fevereiro, a temporada oficial começa auspiciosa: como visitante, o Boca vence por 3-1 dentro de Avellaneda o Independiente. Da escalação Córdoba, Ibarra, Bermúdez, Matellán e Arruabarrena, Basualdo, Traverso, José Pereda e Fernando Navas, Giménez e Barijho, apenas Pereda e Navas não estarão em campo nas três finais internacionais. Um cabeceio de Bermúdez em escanteio desenhou uma parábola ao primeiro pau. Jorge Martínez empatou, mas Barijho (o substituto de Palermo no semestre como atacante tosco, mas também carismático e efetivo, terminando como artilheiro do elenco campeão da Libertadores) apareceu livre na pequena área no caminho de um cruzamento, com tempo ainda de dominar a bola e tirar de vez o goleiro da jogada.
Barijho também foi expulso, mas o Boca soube segurar o triunfo fora. No minuto final, um contra-ataque colocou Arrubarrena contra dois adversários. E El Vasco mostrou categoria para passar por um, driblar o outro e soltar a bomba que anotou o 3-1. No dia 20, novamente em Avellaneda, foi a vez de visitar o Racing. Raúl Estévez pôs a Academia na frente. Navas foi expulso, mas Guillermo Barros Schelotto soltou sua característica bomba no meio do gol para empatar nos últimos 15 minutos. Três dias depois, era a vez de estrear na Libertadores. Mesmo longe da altitude, o Blooming bateu os argentinos pelo placar mínimo em Santa Cruz de la Sierra. Os visitantes ainda terminaram com dois homens a menos, ante as expulsões de Traverso e Pereda.
Em 27 de fevereiro, o Boca não sai do 1-1 em casa com o Lanús. O prata-da-casa Alfredo Moreno abre o placar aos 27 minutos, mas Villallonga deu números finais dez minutos depois. Em 2 de março, pela Libertadores, enfim uma nova vitória: Barijho só teve o trabalho de empurrar ao gol vazio a bola cruzada na medida aos 35 minutos por Omar Pérez – em seu único jogo na campanha continental, o carequinha que viraria semideus no Santa Fe colombiano substituiu de emergência o semicaraquinha César La Paglia aos 4 minutos. Guillermo Barros Schelotto converteu um pênalti a seu estilo aos 11 do segundo tempo, e Núñez só conseguiu marcar o gol da Universidad Católica já faltando 15 para encerrar.
Três dias depois, 5 de março, vitória categórica de 4-0 na sempre turbulenta visita ao Chacarita – a rivalidade entre as torcidas gerara grande confusão no semestre anterior, que marcou o reencontro dos clubes após uma década e meia. Foi essa pancadaria que resultaria anos depois na prisão do chefão Rafael Di Zeo. Samuel apareceu no segundo pau para aproveitar de cabeça um escanteio logo aos 9 minutos e depois foi a vez do primeiro show de Alfredo Moreno no semestre: El Chango, aos 14, aproveitou um cruzamento na medida para encobrir de cabeça o goleiro tricolor. Aos 35, foi a vez de usar um toque sutil de perna direita para outra vez encobrir o arqueiro funebrero. Moreno completou sua tripleta no segundo tempo, deixando um marcador no chão e acertando um chute rasteiro no primeiro pau. No dia 12 de março, ele também marcou o único gol do duelo com o Argentinos Jrs, aparecendo de surpresa no segundo pau para cabecear uma bola aérea que passou por todos os colorados.
Quatro dias depois, a visita ao Centenário terminou sem gols contra o Peñarol. Resultado bom e seca mais do que compensada nos dois jogos seguintes: em 19 de março, o Ferro Carril Oeste foi outro anfitrião que ficou de cabeça inchada ao levar de 4-0. Riquelme recebeu no meio e foi levando, levando até chegar na cara do gol, driblar um único atrevido que tentou desarma-lo e tocar na saída do goleiro para marcar seu primeiro gol oficial no ano. Moreno, depois, recebeu pelo flanco direito uma bola de Ibarra e girou sobre a marcação para acertar um rasteiro chute cruzado no segundo pau. No início do segundo tempo, o goleiro verdolaga catou borboletas numa bola cruzada, que sobrou para Julio Marchant anotar o terceiro. No fim, para impedir que um cruzamento de Omar Pérez chegasse a Barijho, o pobre zagueiro adversário Groothuis meteu o pé e terminou marcando um golaço contra, encobrindo o próprio goleiro.
Em 22 de março, então, El Chango Moreno fez da revanche contra o Blooming o jogo da sua vida. Já aos 3 minutos, colocou o pé para aproveitar no segundo pau um cruzamento de Guillermo. Aos 10, Traverso meteu a cabeça para aproveitar bola levantada em cobrança de falta. O segundo tempo começou e viu Moreno marcar um gol atrás do outro entre os 2 e os 20 minutos: pela direita, recebeu da ginga de Guillermo e, livre, acertou entre o goleiro boliviano e a trave. Depois, após receber pelo meio, bailou contra um marcador antes de tocar na saída do goleiro. Aos 18, sua cabeça livre recebeu na medida cruzamento de Guillermo pela esquerda. Dois minutos depois, o cruzamento veio pela direita e a bola foi colocada no segundo pau pela cabeça de Moreno, até hoje o homem que mais marcou gols em um só jogo internacional pelo Boca. Por conta daquela exibição, ele dividiria com Barijho a artilharia boquense na Libertadores. O gol de honra dos 6-1 só veio no minuto 73, de falta.
Tamanho caminhão de gols não se viu em 2 de abril, um 0-0 em casa com um Vélez já em declínio. No dia 9, porém, a freguesia para o San Lorenzo não foi aplicada mesmo como visitantes: Riquelme marcou o único gol, mesmo sem ângulo. A bola cruzada lentamente desde longe pela direita não foi afastada pela zaga azulgrana e sobrou livre para Román acertar à meia altura na saída do goleiro. Em 12 de abril, hora de visitar a Católica em Santiago. Núñez colocou os chilenos na frente, mas os argentinos viraram com três cabeceios: um peixinho de Barijho pelo meio ainda no primeiro tempo, uma vitória de Bermúdez em dividida aérea em escanteio aos 25 da segunda etapa e em outro mergulho do raçudo Barijho no primeiro pau, para saber aproveitar cruzamento baixo de Guillermo. Antes de voltar a Buenos Aires, o Boca fez escala em Córdoba para visitar o Instituto quatro dias depois. Os alvirrubros estiveram duas vezes à frente, mas o reforço Marcelo Delgado desencantou, anotando os dois empates. O primeiro, logo aos 14 minutos, foi com fúria, brigando pela bola antes de girar e soltar um foguete. Depois, El Chelo ganhou na corrida e todo o tempo para escolher onde colocar a bola por baixo do goleiro cordobês.
Em 19 de abril, a fase de grupos na Libertadores se encerrou batendo-se por 3-1 o Peñarol de virada: Tony Pacheco usou a cabeça para o primeiro tempo terminar apenas com o gol uruguaio. Mas Arruabarrena apareceu livre no segundo pau para aproveitar aos 7 do segundo tempo um cruzamento rasteiro de Marchant, ensaiando algo que faria na decisão. Já aos 16, Marchant escolheu chutar direto daquele mesmo ângulo e foi premiado. Aos 40, Barijho recebeu pelo meio e não perdoou a desatenção, soltando a bomba. Empolgação que fez o Boca relaxar três dias depois: o Gimnasia de Jujuy surpreendeu e marcou a dez minutos do fim o único gol visto na Bombonera. Tempo houve até 3 de maio para recuperar o foco, na visita a Quito pelas oitavas da Libertadores. O Boca voltou da altitude com um seguro 0-0 com o El Nacional.
O jogo seguinte já foi o da volta com os equatorianos, em 9 de maio: em movimentada meia hora inicial, o Boca já fazia 4-1. Logo no segundo minuto, Riquelme recebeu um cruzamento, matou no peito, dominou e escolheu calmamente a parte das redes com toda uma defesa à frente. Aos 10, um chute torto de Ibarra foi desviado providencialmente por Moreno, matando o goleiro. Calle diminuiu em seguida, aos 12, mas aos 22 foi a vez de Gustavo Barros Schelotto acertar de longe pela esquerda um belo chute diagonal no segundo pau para esfriar a reação. Aos 27, a cabeça de Arruabarrena aproveitou lançamento de Riquelme após um escanteio curto. E o primeiro tempo não ficou no 4-1: aos 42, quem usou bem a cabeça foi Bermúdez, recuando para alcançar a bola levantada em escanteio. A visita reagiu no segundo tempo, mas tarde: diminuiu para 5-2 já aos 20 minutos e para 5-3 apenas no último.
Em 14 de maio, o compromisso pelo Clausura manteve o Boca aceso: era o Superclásico. E havia uma corrida com o River pela taça, algo menos frequente do que o imaginado. Guillermo aproveitou livre um bate-rebate após cobrança de falta para fuzilar Bonano aos 38, mas aos 45 viu o gêmeo Gustavo ser expulso. O adversário Trotta também foi expulso, aos 23 do segundo tempo, mas Cuevas achou o empate na Bombonera aos 32. Era só um aperitivo: três dias depois já haveria novo Superclásico, agora pela ida das quartas-de-final pela Libertadores. No Monumental, Juan Pablo Ángel abriu o marcador aos 15 e Riquelme acertou um golaço de falta no ângulo do segundo pau aos 30. Mas Saviola encerrou o placar aos 2 do segundo tempo. A volta seria dali a uma semana e entre um mata-mata e outro, o Boca preferiu usar reservas no Clausura contra o Rosario Central, em 21 de maio. Abbondanzieri, por exemplo, só estreou ali no semestre.
O Boca ainda assim venceu os rosarinos por 2-0, tudo no segundo tempo: Navas apareceu no segundo pau para aos 3 minutos aproveitar sobra de um cabeceio em cobrança de falta e aos 20 Barijho teve categoria para ampliar com um toque sutil na cara de Buljubasich, que ainda defendeu pênalti aos 36. O River, do seu lado, preferiu usar os titulares contra o Newell’s. O treinador Américo Gallego assumira o cargo naquele semestre e não estava crente que aquela Libertadores viria ao futebol argentino, preferindo priorizar o título que entendia estar mais à mão. O resto é a história conhecida: Palermo, que nem naquele jogo contra o Central foi usado, teve seu regresso anunciado por Bianchi para o Superclásico de 24 de maio. O fim dessa história nós já contamos nesse Especial à parte, mas, em resumo, o ídolo teve um retorno cinematográfico ao matar o jogo em um 3-0 enganoso.
Para o Córdoba, estava superado o momento mais crítico, que para ele fora a derrota no Monumental: “sabíamos que se podia reverter, mas foi duro passar essa semana. De repente nos criticaram muito depois da ida com o Palmeiras, mas chegamos em São Paulo com menos pressão do que à Bombonera para enfrentar o River. Quando Delgado meteu o gol, o estádio se moveu como nunca antes. Nem falar quando Martín fez o seu. Foi o momento mais tenso da Copa. Quem ganhasse era campeão. Comecei a me sentir campeão quando ganhamos do River. Não sei o resto dos garotos. Eu, sim. Essa partida deixou uma marca. Se podíamos ou não podíamos. O grupo tem uma força incrível. Poda jogar partidas feias ou bonitas, mas é impossível de quebrar porque se respalda muito o companheiro, saia entre os onze titulares ou não. Em que pese as ausências por lesão, o grupo soube manobrar a pressão”.
Essas aspas saíram na edição semanal que a El Gráfico publicou já após o título. Ela também teve depoimentos da parte do River: “jamais na minha puta vida precisei tomar um calmante, nem sequer quando passei por graves problemas de grana. Não me interessava ganhar uns trocados a mais com o festejo deles. Nunca vi tanta gente desde a Copa 1978”, dizia um torcedor na sede, em Núñez. “Essa Copa o River deu de presente quando pôs os titulares contra o Newell’s. Não podemos pedir ao Palmeiras que faça o que o River deveria ter feito. Agora é preciso pensar como vamos marcar o centroavante do Gimnasia de Jujuy enquanto eles pensam em Raúl e Redondo. Meu sonho desde os 5 anos era jogar contra o Real Madrid”, tecia outro, que teria sido expulso do próprio quarto pela esposa por não conseguir dormir enquanto os rivais festejavam o campeonato dali a um mês.
Em 27 de maio, então, o Boca começou a abdicar de vez do Clausura. Não por usar reservas na visita ao Newell’s, mas pela tristíssima atitude de La 12, que, revoltada por não receber ingressos da diretoria, soltou bombas perto do goleiro adversário aos 16 minutos. Os capitães concordaram em suspender o jogo. O tapetão decidiu tirar três pontos do Boca, independentemente do resultado da partida, que seria retomada em 3 de junho. Polêmica esquecida pelo jogo de 31 de maio, onde em 28 minutos de jogo já se construía um 3-0 no América pelas semifinais da Libertadores. Como elemento-surpresa no ataque, Arruabarrena recebeu aos 8 de calcanhar de Riquelme e teve tempo para vencer dois marcadores na corrida antes de tocar na saída do goleiro. Aos 12, Barijho usou todo o corpo desequilibrado para de algum jeito aproveitar um cruzamento rasteiro de Román.
Aos 28, então, Delgado arrancou desde a defesa e entregou a Marchant pela esquerda. Ele avançou e preferiu arriscar sem tanto ângulo mesmo com Riquelme e Barijho disponíveis pelo meio. Conseguiu anotar o 3-0. Barijho fez outro aos 6 do segundo tempo, aproveitando cochilo inacreditável na troca de passes da zaga mexicana. Aos 33, o gol visitante parecia ser apenas o da honra nos 4-1. Em 3 de junho, então, o Boca. Em 3 de junho, então, continuou-se o jogo contra o Newell’s. O Boca precisava vencer para diminuir o prejuízo do tapetão, mas saiu de vez do páreo pelo Clausura ainda aos 32 minutos do primeiro tempo, com a expulsão de Matellán. Damián Manso deu a vitória mínima aos rosarinos aos 8 do segundo tempo. Em 7 de junho, os titulares tomaram um grande susto no Azteca. Logo aos 11 minutos, o artilheiro argentino José Luis Calderón abriu o placar. No fim do segundo tempo, então o Boca foi posto contra as cordas.
Estay anotou o 2-0 aos 23 e Calderón reapareceu aos 36 para marcar o 3-0, resultado que pelo regulamento ainda apenas forçava os pênaltis. Ele lembraria em 2006 que Bermúdez se aproximou dele para pedir: “basta, Caldera, vamos aos pênaltis”, sugerindo que os dois times se poupassem, no que foi rechaçado. Mas a ideia de Calderón de aproveitar o pique foi por água abaixo rápido: em um escanteio cobrado até sob certa cera pelo Boca aos 38, um cabeceio distante de Samuel foi o suficiente para encobrir a todos e morrer no segundo pau. Para Arruabarrena, esse sim teria sido o momento mais complicado em La Copa: “aí sim que sofremos. Com três gols abaixo. Por um momento, manter esse resultado e ir aos pênaltis era quase uma façanha, mas chegou o gol de Walter e ficamos loucos. Aí comecei a sentir que a Libertadores poderia nos vir. Pensei que se havíamos passado dessa partida, com mais de 100 mil pessoas contra, tudo era possível. E assim foi”. Fato é que poucas derrotas foram comemoradas tão efusivamente pela torcida azul y oro. Que ainda vibrou com a vitória dos reservas por 3-2 sobre o Colón em 11 de junho antes da recepção ao Palmeiras três dias depois.
Já dedicamos este Especial às finais da Libertadores. Mas vale registrar algumas observações: com 1 minuto de jogo na Bombonera, Galvão Bueno já notava que Marcos “não tem pressa e tá certo”, transformando a prematura cera brasileira em estratégia válida ao invés de catimba. Com Palermo e Schelotto lesionados, Bianchi só os usou a partir do intervalo, confiando em Barijho e Giménez como dupla de ataque. Ainda sem ritmo, Palermo apareceu menos que Guille, com Galvão exclamando já aos 35 do segundo tempo que “é terrível esse Schelotto, dá um trabalho”. Aos 39, já com 2-2 na noite de Arruabarrena (autor dos dois gols da casa), Palermo ainda reclamou de um pênalti não marcado aos 39. Nada que assustasse o comentário de Casagrande: “o Boca não tem bola para ganhar do Palmeiras”, logo antes da cabine de imprensa global elogiar Felipão por gastar tempo com substituições nos minutos finais: Asprilla entrou no lugar de Euller aos 40 e Tiago, no de Alex, aos 42. Como Bianchi fez sua terceira alteração ainda aos 20 minutos (saiu Gustavo Barros Schelotto, entrou César La Paglia), não correu risco de ser descrito como catimbeiro.
Não houve segredo a ninguém acerca do 2-2 na Bombonera: a expressão sisuda dos argentinos entregava como enxergavam o resultado como decepcionante. E, de acordo com o Clarín, Scolari já declarava o Palmeiras como campeão. Fato é que Bianchi usou o jornal para instigar o brio dos pupilos. Basualdo, comandado por ele naquele Vélez de 1994, já o conhecia bem a ponto de ficar imune a essa tática – pois algo parecido já havia sido feito pelo Virrey naquela final contra o São Paulo. Ele preferiu comemorar seu 37º aniversário, em 20 de junho, antevéspera da segunda final.
Se ao longo do jogo de ida, a cabine da Globo reiterou que o Boca não era um bicho tão feio e a transmissão do jogo da volta começou no mesmo tom, com Casagrande deixando o clubismo corintiano de lado para sentenciar que “não passa pela minha cabeça” que o Palmeiras pudesse perder em casa. Mas no Morumbi foram reconhecidamente melhores no segundo tempo, a ponto de Palermo ter um gol mal anulado logo aos 3 minutos, na conclusão de Arnaldo Cézar Coelho; Galvão logo então se apressou a considerar tal erro como compensando pela arbitragem quando ela não assinalou um pênalti ao Palmeiras no início do segundo tempo, quando a presumível bronca de Felipão pareceu ter acordado os alviverdes, donos da segunda etapa.
O 0-0 terminou por premiar não apenas Córdoba na decisão por pênaltis. Atrás do gol, estava o assistente técnico Carlos Ischia, a gritar-lhe a partir do relato dos espiões qual o canto costumeiro de cada cobrador palmeirense, a partir das semifinais do Verdão contra o Corinthians e das oitavas contra o Peñarol. Em apenas um chute o colombiano não pulou no canto certo e, à exceção da primeira, de Alex, ele esperou até o chute para pular. O colombiano assumiu, à El Gráfico pós-jogo: “eu não tenho boa memória para os jogadores rivais. Quase não os conheço, então ainda menos ia lembrar da cara, o número da camisa e para qual lado haviam chutado contra o Peñarol e o Corinthians. Estes pênaltis não foram sorte, como se diz habitualmente, e sim estudo. Ischia e Bianchi analisaram os chutadores e na hora de verdade acertamos as pontas em 75%”. Sem vaidades, Ischia retrucou que “nós o ajudamos com essas indicações, mas que fique claro que o único mérito é de Oscar. Ele parou diante dos chutadores, ele pôs o peito, ele ergueu as mãos na hora certa”.
Uma curiosidade foi na cobrança que ele pegou do compatriota Asprilla, um desafeto: “faz tempo que não nos falamos por questões pessoais, mas não tive tempo nem ganas de pôr isso na balança. O vi como um adversário mais ao qual devia tapar o tiro. Na seleção da Colômbia sempre me fazia, nunca pude ganhar-lhe o duelo nos treinos. Dessa vez, sim”. O herói maior da noite só queria guardar um troféu de guerra: “a luva direita a presenteei a Pablo Colombo [assessor de imprensa]. E a outra se perdeu na loucura do festejo. Só fiquei com a camisa. A vou emoldurar para prendê-la na parede da minha casa. Não guardo nada de nada. Presenteei até as camisas que troquei nas Copas. Mas essa camisa quero para sempre. Sair campeão da América é o máximo para um jogador sul-americano”.
Córdoba, por fim, desabafou: “calhou a mim viver os extremos com a seleção da Colômbia e isso me fez crescer. Essa foi o pior e, em seu momento, o melhor ensinamento que pude ter na vida. Quando nos classificamos ao Mundial lhes ganhando aqui de 5-0 contra vocês, éramos a melhor seleção do mundo e o melhor goleiro do mundo e o melhor defensor do mundo e o melhor atacante do mundo. E o fracasso nos Estados Unidos foi tão grande que em dois meses me transformei no pior goleiro do mundo. Aí aprendi que o melhor é o equilíbrio. E que no futebol não podes dormir nos louros. Disse antes de jogar as finais: depois de tanto batalhar, de tantas boas e ruins, minha carreira merecia que fosse campeão da América. Então imagine a procissão de felicidade que tenho por dentro… porque também agrego o sabor especial de ter levado até o topo a bandeira da Colômbia. Máximo como se deram as coisas: Jorge metendo o penal decisivo e eu pegando dois. Justo nós, que perdemos a final anterior com o América, que chegamos ao Boca quase no mesmo dia, que somos colegas de quarto…”.
Três dias depois, com a reconstituição da volta olímpica (com a participação especial de Mauricio Serna, que perdeu todo o semestre por um joelho rompido e compareceu como um trocedor a mais, terminando assim impedido de pisar no gramado pelos seguranças no Morumbi) em uma Bombonera abarrotada, Riquelme festejava seu 22º aniversário. E Macri brincava (ou não) sobre os pedidos de bicho, perguntando se os dez dólares que exibia na mão seriam suficientes.
Restavam ainda cinco jogos pelo Clausura. Exceção feita a Abbondanzieri, mantido no gol, Bianchi voltou a usar titulares e os campeões continentais aplicaram um 5-2 dentro de Santa Fe sobre o Unión, em 28 de junho. Mas o River manteve-se longe demais, com um 5-0 no Chacarita. Para as três rodadas seguintes, um time misto foi usado: primeiramente, na derrota de 2-1 em 2 de julho em La Plata para o Gimnasia, 2-1 e na vitória de 2-0 sobre o Estudiantes três dias depois. O River, já concorrendo mais com Independiente, Colón e San Lorenzo, garantiu o Clausura na penúltima rodada, com um 3-0 na visita ao rebaixado Ferro. O Boca ainda assim não fez por menos: 5-1 no Belgrano em 9 de julho, com um certo Matías Arce marcando os dois primeiros. Em 15 de julho, os reservas tiveram brio de ir duas vezes atrás do empate na visita ao Talleres, com Abbondanzieri até pegando pênalti de Julián Maidana.
Apertura (e Copa Mercosul), parte 1
Enquanto o Apertura não começava, os reservas jogaram duas partidas amistosas na Patagônia em 23 de julho (San Lorenzo 1-0) e dois dias depois (0-0 com o Independiente). Em 30 de julho, o novo campeonato argentino começou. A cabeça de Giménez foi a terceira a tocar na bola após um escanteio que abriu um 4-0 no Argentinos Jrs. Bermúdez aproveitou o rebote de uma bomba de Daniel Fagiani em cobrança de falta para ampliar. Barijho recebeu livre e ainda driblou o goleiro para anotar o 3-0. Córdoba ainda pegou pênalti antes de Palermo finalizar a goleada com um toque sutil na saída do goleiro ao receber livre pela direita. Em 2 de agosto, foi a vez de voltar os olhos ao continente, agora pela Copa Mercosul, que Bianchi usou desde o início para manter os reservas ativos e contentes, com um ou outro titular. Mesmo no Defensores del Chaco, eles venceram por 1-0 o Olimpia, gol encontrado por Battaglia como elemento surpresa em triangulação na cara de Ricardo Tavarelli.
Em 5 de agosto, Barijho marcou duas vezes, aos 22 e 33 do primeiro tempo, na visita ao Unión: primeiro, com uma acrobacia a aproveitar a sobra de um cruzamento. E depois, soltando o pé na saída do goleiro ao receber pelo meio. Os santafesinos só puderam marcar um gol, com Andrés Silvera descontando no segundo tempo. Quatro dias depois, o time misto mostrou força contra o Corinthians na Bombonera, pela Mercosul, mesmo com uma confusão aos olhos de todos (os paulistas pareciam o Santos, todos de branco, enquanto os anfitriões usaram um cinzento uniforme reserva): aos 3, Delgado fuzilou Maurício. Aos 22, a cabeça de Barijho colocou nas redes do primeiro pau. Aos 29, André Luiz foi expulso e Maurício ainda foi capaz de pegar um pênalti de Fagiani aos 45, mas não evitou os 3-0 aos 20 do segundo tempo, feito por Martín Andrizzi.
Em 12 de agosto, o forte Gimnasia (o Lobo fecharia o pódio daquele Apertura) visitou a Bombonera. E abriu o placar, aos 35, com Ariel Pereyra. Com gás extra contra o rival da infância, Palermo empatou aos 45 e virou aos 10 do segundo tempo. Marchant arrancou desde a defesa, indo de um flanco a outro até entregar sem incômodos para a acrobacia do Titán. No segundo, ele brigou com a marcação, triangulou e até tocou fraco pelo meio, mas certeiro, ao receber de volta na cara do goleiro. Aos 35, Riquelme acertou uma bomba de fora da área que parecia matar o jogo. Mas os platenses foram atrás do prejuízo nos instantes finais: aos 44, Facundo Sava descontou e aos 45, Pereyra arrancou um empate surpreendente nas circunstâncias. Assim, em 16 de agosto Bianchi não titubeou em usar time misto no amistoso marcado na Espanha com o Villarreal como parte da negociação por Arruabarrena (o desfalque para o segundo semestre, que também perdeu Walter Samuel para a Roma). Gustavo Barros Schelotto também entraria no radar amarelo ao empatar provisoriamente em 1-1 em derrota final de 5-3.
Em 26 de agosto, os titulares não se descuidaram na visita ao Newell’s: Riquelme converteu um pênalti aos 6 e Ibarra ampliou logo aos 15 com um golaço: recebeu de Riquelme, passou por, por outro e arriscou ainda fora da área uma bomba. O Ñuls descontou, mas Palermo anotou o terceiro ao aproveitar o rebote do goleiro em escanteio. Mesmo longe, chutou de primeira para acertar o canto oposto. Três dias mais tarde, o Nacional visitou a Bombonera pela Mercosul. Bermúdez fez contra aos 11 do segundo tempo e Palermo demorou até os 28 para consertar, com um chute alto mesmo quase na pequena área para acertar o ângulo uruguaio. Em 6 de setembro, Gustavo Barros Schelotto marcou um belo gol sobre o Racing logo aos 4 minutos: recebeu de Ibarra pelo meio, avançou, triangulou e, mesmo com dois colegas no apoio, fez questão de tocar na saída de Gastón Sessa. Mas Manuel Neira empatou logo aos 16 e o 1-1 ficou barato mesmo na Bombonera, após as expulsões de Bermúdez e Matías Arce.
O prejuízo caseiro foi compensado três dias depois, na visita ao Belgrano. Palermo usou a cabeça em escanteio para acertar um míssil no primeiro pau já aos 23 do segundo tempo, cujos instantes finais foram frenéticos: Gustavo Barros Schelotto pegou o goleiro no contrapé em outro cabeceio, na entrada da área, aos 43. Mas Battaglia marcou gol contra aos 44. Tudo bem: aos 45, Delgado acertou um chute rasteiro de longe e 3-1. Em 13 de setembro, um jogo intenso pela Mercosul: Barijho abriu com a cabeça o placar aos 19, empatado aos 23 pelo Olimpia em falta. Fernando Pandolfi, também de falta, respondeu aos 32. Aos 3 do segundo tempo, Gustavo Barros Schelotto ampliou de pênalti. Os paraguaios descontaram aos 7, mas Pandolfi completou sua tripleta aos 15 e convertendo pênalti aos 18 para finalizar um 5-2. em 17 de setembro, então, o jogo com o nanico Almagro foi resolvido em 23 minutos de partida: Palermo acertou o canto ao cobrar um pênalti e Delgado recebeu livre desde a defesa, galopando até tocar na saída do goleiro tricolor.
A fase de grupos da Mercosul foi retomada 48 horas depois, no Pacaembu. Jogando de amarelo, os reservas abriram 2-0, com Matías Arce e Pandolfi. Mas o Corinthians soube buscar o empate, com Ricardinho acertando um pênalti já aos 31 do segundo tempo. Luciano foi expulso aos 40, mas Hernán Medina marcou contra no minuto final. Em 24 de setembro, Bermúdez foi expulso logo aos 18 minutos, mas Palermo soube resolver a visita ao Huracán aos 32. Um gol de equipe: ele furou o cabeceio após cruzamento pela esquerda. A bola sobrou pela direita e foi novamente cruzada até a esquerda. Nisso, os huracanenses se entortavam e El Titán pôde receber livre pelo meio para marcar o único gol em Parque de los Patriciso.
Cinco dias depois, era a vez de receber o Lanús pela 9ª rodada. Um chute rasteiro e diagonal de Delgado abriu o placar aos 4 e Serna resolveu arriscar de bem longe e anotou um golaço no ângulo aos 13. Aos 25, os grenás voltaram ao jogo com Javier Klimowicz. Já aos 25 do segundo tempo, Palermo ganhou do goleiro na dividida aérea e ainda usou de novo a cabeça para completar ao gol vazio. Rubén Capria ainda descontou de novo aos 29, mas prevaleceu um movimentado 3-2. Em 7 de outubro, o campo do próprio Lanús foi alugado pelo Los Andes, em jogo antecipado da 16ª rodada, que ocorreria nos dias japoneses do Boca. Barijho, oportunista, aproveitou um rebote a seus pés que o goleiro soltou em escanteio para marcar o único gol, no minuto 50. E, no dia 15, foi a vez do Superclásico. Outra vez, River e Boca disputavam a liderança. E, mesmo em Núñez, Delgado achou a cabeça de Palermo, que soube aproveitar a altura contra a marcação e abrir o placar aos 14 minutos de jogo. Saviola empatou já no segundo tempo, que ainda viu Ortega ser expulso aos 45.
A fase de grupos da Mercosul foi retomada e encerrada dali a três dias, no Centenário. E os reservas deixaram escorrer um grande resultado. Hernán Medina acertou uma falta aos 15 minutos e Barijho ampliou aos 24 de cabeça, ganhando a disputa com o goleiro em escanteio. O Nacional descontou de pênalti aos 44, mas Barijho acertou uma bomba rasteira na entrada da área aos 5 do segundo tempo. Só que os uruguaios foram atrás da igualdade, com gols nos minutos 70 e 79. Em 22 de outubro, o Boca já soube manter um 3-1, ao receber o Vélez em jogo mais lembrado pelas expulsões de Palermo e Chilavert como reprimenda às constantes trocas de provocações entre ambos, no minuto final. Até ali, prevalecia o chute de três dedos onde Delgado acertou sem tanto ângulo as redes do paraguaio logo aos 3 minutos de jogo e dois gols que Riquelme pôs na conta entre o 1 e os 9 do segundo tempo: primeiro, dominou e até chutou fraco ao receber pelo meio bola cruzada por Delgado, mas Chila não teve jogo de cintura para pular ao canto.
Depois, Marchant e Palermo atraíram toda a marcação, com aquele tocando no momento certo para o camisa 10 ficar livre na cara de Chilavert. Darío Husaín descontou na saída de bola, mas ficou isso. O dia 29 viu o único jogo sem gols do Boca no Apertura. Mas o mandante Colón também não marcou. A Copa Mercosul voltou então ao calendário em 2 de novembro, pelas quartas-de-final. Córdoba até foi o goleiro ao invés de Abbondanzieri ou do jovem Willy Caballero, mas Riquelme foi poupado da viagem ao Mineirão assim como Serna, Battaglia, Ibarra ou Delgado. E o Atlético construiu um 2-0 saudável, gols de Marques e em bomba do seu argentino, o zagueiro Diego Capria. Três dias depois, o Boca acertou um, dois, três gols no Rosario Central. Mas, mesmo na Bombonera, os outros auriazuis também responderam a cada gol, o último já aos 43 do segundo tempo. Delgado fez o 1-0 aos 21 minutos, acertando de primeira um chute diagonal rasteiro para aproveitar um lançamento preciso. Palermo, também de primeira, soltou a canhota aos 25 do segundo tempo. E aos 34, Guillermo Barros Schelotto acertou um pênalti.
Em 7 de novembro, a Bombonera recebeu o Atlético. A zaga mineira espirrou uma bola endereçada à cabeça de Barijho, mas na sobra não teve jeito: mandaram de novo para El Chipi vencer dessa vez o duelo aéreo aos 9 minutos. Mas Cláudio Caçapa complicou a remontada aos 38, ainda que Barijho achasse outro gol já aos 41: Guillermo Barros Schelotto arrancou em contra-ataque, lutou contra a marcação e, ao notar que perderia a bola, passou-a para o colega soltar o pé. Mas o Galo segurou qualquer abafa no segundo tempo. E ainda conseguiu o empate, no minuto final, com André Neles. O Atlético soube ser o único time brasileiro a eliminar o Boca do continente entre 2000 e 2008. Pela mesma fase, o River protagonizou uma montanha russa contra o Flamengo, em um 4-3 cheio de viradas em Núñez.
O Boca, já com os olhos no Japão, o Boca teve, por outro lado, tempo de sobra para se preservar. Até o embarque, só jogou uma outra vez; o jogo com o Independiente pela 14ª rodada, disputada entre os dias 10 e 11, terminou adiado pelas fortes chuvas. Sobrou só o da 15ª contra o Talleres, no dia 19; Os cordobeses, em grande fase, estavam na briga pelo título naquela 15ª rodada. Mas Riquelme soube ver um espaço no cantinho para acertar ali um chute rasteiro mesmo em área congestionada de colegas e adversários no último lance do primeiro tempo. Um gol ainda mais belo veio aos 17 do segundo tempo: o goleiro Córdoba acabou registrando uma assistência, cobrando uma falta quase desde a área. A bola chegou até Delgado, que deixou-a pingar uma vez antes de fuzilar Mario Cuenca.
Ficou em um 2-0 que não agradou Palermo em cheio. El Loco se martirizava por chances perdidas, mas Bianchi o tranquilizou: “não te preocupes, Martín, todos os gols que não entraram hoje não faziam falta. Mas dentro de dez dias, sim, vamos precisa-los”. Outra fonte de preocupação era o joelho esquerdo de Riquelme, banhado a gelo após pancadas.
O Mundial
O Real Madrid é justamente o único clube que o Boca já derrotou nos cinco continentes: primeiro dentro de Chamartín (1-0) na gloriosa excursão europeia de 1925, na África pelo Torneio de Casablanca em 1964 (2-1) e na Bombonera pela Copa Íbero-Americana em 1994 (3-1). Ainda restava a Ásia, até 28 de novembro. As aspas a seguir virão da edição especial que a El Gráfico lançou sobre o último Mundial Interclubes que viu uma exibição parelha entre sul-americanos e europeus. Uma primeira previsão furada do jogo? A de Serna para Battaglia de que a escala em São Paulo não seria nada; duro seria aguentar o longo voo para outra conexão, em Los Angeles. Contrariando essa expectativa, o voo da Varig precisou arremeter em Guarulhos diante de um avião de pequeno porte parado por problemas técnicos no caminho da pista de pouso. “Até El Chipi ficou branco”, sintetizou o goleiro reserva Abbondanzieri em alusão ao moreninho Barijho.
Uma vez em Tóquio, o susto teve outra origem: para cumprir a ordem de manter-se acordado na adequação ao fuso horário, Guillermo chamou o gêmeo Gustavo, Palermo e Abbondanzieri para tomarem café em um dos 29 bares do Keio Plaza Intercontinental, o hotel que hospedou a todos, menos a Bianchi (que, por superstição trazida de 1994, preferiu o Century Hyatt, a 200 quilômetros da capital). Só se preocuparam com preços na hora da conta. No diálogo que souberam travar em inglês, ouviram “cem” e entregaram ao garçom então uma nota de cem ienes, equivalente a 90 centavos de dólar. Sorridente, o atendente esclareceu que os cem anunciados eram em dólares mesmo, havendo ainda a cobrança adicional de sete dólares apenas por terem se sentado.
Já a fonte do assombro do médico da delegação foi outro: queria saber quanto estava o jogo que o River em paralelo fazia contra o Vasco pela semifinal da Copa Mercosul, no Monumental: escutou dos jornalistas de plantão primeiramente 1-0, depois o 2-0 e o 3-0. Na hora do 4-0 vascaíno em Buenos Aires, exclamou: “é sério ou estão me zoando?”. A zoeira que existiu foi a que tomou de imediato a delegação pelo rival passar vexame até no troféu secundário do continente. Outro espanto? O jogador do Boca mais procurado pela imprensa local foi o reserva José Pereda. Os olhos puxados que lhe renderam o apelido de El Chino (“O Chinês”) deviam à ancestralidade nipo-peruana de quem também possui o sobrenome Maruyama – e passaporte japonês que o livrou da fila da imigração. Ele aparece bem ao centro da imagem que abre a matéria, à frente do goleiro Córdoba.
Bianchi, por sua vez, era sereno. Ao menos não fez a menor questão de chamar seguranças assim que detectaram espiões que Vicente del Bosque, sem ligar ao Mundial, enviou aos treinos no estádio do Verdy Kawasaki. “No futebol não há mistérios. Que vejam tudo que queiram. No Boca não escondemos nada”. E eles anotaram até a boa pontaria nos ângulos de alguém bigodudo que pôs calções curtos para participar do treino de pênaltis. O massagista Carlos Capella brincou que “só falta que queiram compra-lo”, brincando com o fato de o sujeito ser o presidente Macri.
Bianchi não se alterou nem com os campos distantes do hotel oferecidos pelos organizadores. Respondeu recusando-se a fazer o reconhecimento do estádio Nacional, para a fúria de alguns: “prefiro que os garotos descansem tranquilos no hotel. Não creio que seja um campo diferente dos demais. Ou este vem com três traves?”. Tranquilidade de quem visitou a embaixada não por formalidade e sim para cumprir a tempo a superstição de churrasco na antevéspera, garantido pelos diplomatas diante da ausência de um restaurante do tipo.
Dez mil torcedores argentinos fizeram o Estádio Nacional de Tóquio parecer uma pequena Bombonera, viessem “de Temperley e de Nova York, de San Justo e de Vancouver, de Boulogne e de Londres, de Monte Grande e de San Francisco, de Budge e de Los Angeles”, descreveu a revista El Gráfico (contrapondo metrópoles globais com naturais colônias de emigrantes a algumas cidades que, apesar dos nomes franceses ou ingleses, situam-se perifericamente na Grande Buenos Aires), elogiando ainda “uma bandeira interminável que adornava o exato anel do estádio como se a houvessem medido os organizadores”.
Logo no primeiro minuto, o Boca já bailava, passando todos aqueles segundos tocando a bola de pé em pé, sem profundidade, mas com paciência e sem que os espanhóis conseguissem roubar. Quando o Real enfim retomou a posse, a partir de um lateral propiciado por um passe mal dado, logo perderam, com até Riquelme se juntando à marcação contra Makélélé e Geremi. Nisso, até o questionado Matellán soube aproveitar “a costa órfã de Geremi” para entregar longo passe a Delgado, que conectou um cruzamento “estranhamente sem três dedos” à meia altura, na medida para Palermo aplicar “a primeira punhalada”, chegando antes de Roberto Carlos para marcar o gol mais rápido da história dos Mundiais de Clubes.
O adversário “não se recompôs do golpe. Ficou cambaleando, sem que Helguera e Makélélé acertassem os tempos da pressão e a antecipação. Sem que McManaman e Figo se amigassem com a bola. Com Hierro e Karanka tratando de decifrar os movimentos de entrada e saída que ensaiava Palermo”. Depois que Raúl perdeu uma bola para Traverso, este só teve o trabalho de entrega-la a Riquelme: “na bola seguinte, Martín voltou a faturar. Riquelme a pôs com a luva, o camisa 9 ganhou a posição e acomodou o canhotaço cruzado bem rasteiro, longe da mão desesperada de um Casillas que não podia acreditar: dois tiros, dois gols. Seis minutos e dois a zero. Parecia um sonho, mas era realidade”. O faz-me-rir global pelos três pênaltis perdidos na Copa América 1999 dava uma senhora volta por cima para os mesmos olhos de todo o planeta.
Aos 8 minutos, Roberto Carlos tratou de chapelar Ibarra com uma matada no peito e ganhar ângulo de Bermúdez para concluir linda jogada individual, soltando uma bomba no travessão. Mas ele também não foi efetivo em uma cobrança de falta no minuto seguinte, com um tiro fraco na barreira. Na sequência, sem ligar para o Mundial, Karanka tentou um chute de longe, mas fácil para Córdoba. Sem ligar ao Mundial, o Real buscou uma sequência de ataques: Figo tentou invadir a área, perdendo para Ibarra e Battaglia. Como Ibarra não lançou para ninguém, a bola voltou aos espanhóis que não ligavam ao Mundial: Roberto Carlos lançou a Raúl, mas a linha de impedimento argentina anulou a jogada. Restou ao brasileiro encerrar os onze minutos de sonho vividos pelo Boca: o lateral aproveitou a sobra de cruzamento de Figo, mal afastado por Ibarra; El Negro queria evitar um escanteio, visto como fragilidade da defesa xeneize, mas seu cabeceio acabou colocando a bola no peito de Roberto.
O brasileiro ainda deixou a bola pingar e livrou-se de Battaglia antes de dar um toque sutil no ângulo do primeiro pau. Mas o gol mais bonito daquela noite só valia por um e os espanhóis que não ligavam para o Mundial sabiam disso. Mesmo que Delgado requebrasse para pôr Helguera no chão aos 15, o ataque argentino não deu em nada e o adversário permaneceu assíduo na área auriazul especialmente até os 30 minutos, período cheio de nervosismo de Bianchi: “vamos, rapazes, temos que fazer dez passes seguidos, não podemos perde-la fácil”. Nesse intervalo, Roberto Carlos tentou outro gol, mas sem a mesma pontaria aos 17. Aos 18, foi a vez de Guti, sem ligar para o Mundial, arrancar bem sozinho contra quatro, mas concluir como Guti, chutando afobadamente e fraco com Córdoba ainda longe do mano-a-mano. Mais perigo levou Raúl 30 segundos depois; recebeu de Guti e tentou encobrir o colombiano, mas sem calibrar a subida da bola.
Até quando Riquelme errou, Bermúdez corrigiu aos 19, tornando inútil o esforço de Figo que, sem para o Mundial, buscou interceptar o passe. Após Traverso ser soberbo com Makélélé ao tomar a bola do francês aos 20, Riquelme habilitou Delgado pela ponta-esquerda. Mas os espanhóis, de tanto não ligarem para o Mundial, anularam o ataque e viram até Figo fazer uma falta em Riquelme aos 22. O maestro ainda forçou um cartão amarelo par Makélélé ao bailar contra o francês e cavar falta na entrada da lateral esquerda da grande área. Sem ligar para o Mundial, Casillas saltou para espalmar à outra lateral o que seria um gol certo. Aos 23, Córdoba até catou borboleta, mas Raúl errou feio a mira do cabeceio para o gol vazio.
Aos 26, Delgado perdeu grande chance de tranquilizar Bianchi aos 24, com “seis jogadores do Real ridicularizados” ante seu ousado avanço. Mas a retaguarda do Boca, por outro lado, estava acesa depois do gol sofrido: Bermúdez exibia “dentes serrados, gesto superconcentrado” e assim “devorava um Raúl que parecia inchado, parente distante de esse grande jogador que a cada semana nos aproxima a televisão a cabo”. Matellán, tão criticado, escolheu aquela noite para fazer sua melhor apresentação pelo Boca. Afastou bem um ataque que não ligava para o Mundial aos 27 e, aos 32 (quando Córdoba já havia saído bem para pegar um lançamento antes que Guti chegasse), começou lindo contra-ataque lindo, de pé em pé, que não terminou em gol porque Palermo não era ainda mais alto.
A resposta espanhola, sem ligar para o Mundial, foi imediata aos 33, mas o atacante Delgado mostrou-se um ótimo zagueiro ao desarmar por trás, mas limpo, Figo. E quando Makélélé tentou ele mesmo resolver aos 34, Traverso entrou na trajetória da ótima chance que apareceu ao francês; na sequência, Riquelme tentou repetir a jogada do segundo gol, agora com Delgado, mas Roberto Carlos foi mais ligeiro. À vontade, o maestro já cozinhava jogo aos 36, colocando o pé sobre a bola diante da marcação de Geremi, forçando o camaronês a fazer a falta. Aos 38, ele habilitou Basualdo, que pecou de impreciso na sequência, praticamente recuando pelo alto a Casillas.
Em nova tentativa espanhola que não ligava para o Mundial, Bermúdez se antecipou com categoria aos 40, para reforçar a natureza na marcação a Guti. Aos 41, Karanka golpeou forte Ibarra, na primeira das faltas duras que aplicou em noite onde merecia expulsão. Ali, não foi sequer advertido e Casillas encaixou a cobrança de Riquelme. O Real respondeu com uma ciranda até Figo tentar um cruzamento, afastado por Traverso. Sem ligar para o Mundial, os madrilenhos continuavam assíduos na defesa argentina. Mas Basualdo desarmava o fominha McManaman e Matellán foi assertivo contra Makélélé, a ponto de o próprio argentino sofrer a falta na disputa com o francês aos 43. Ibarra também sofreu falta, pela lateral-esquerda, de um Figo irritado por não ligar para o Mundial. Na última chance do primeiro tempo, aos 46, Delgado foi acionado na grande área e caiu. Mas a arbitragem entendeu que ele próprio fora o faltoso no lance.
No intervalo, o impassável Bermúdez organizou uma roda antes de subirem as escadas e exigiu um juramento de dedicação de todos, após as ordens finais de Bianchi, segundo as quais “temos que ser inteligentes. Não temos direito de nos equivocar. Joguemos esse tempo concentrados, sabendo que estamos ante a oportunidade de ficar na história do Boca, que é o que sempre quisemos. Não nos desordemos. Os que têm que se desesperar são eles, que estão atrás. E saiamos rápido. Rápido e rasteiro. Eles vão se adiantar e nos vão abrir espaços para aproveitarmos o contra-ataque. E você, Román [Riquelme], corra bem para os lados, para receber o mais livre possível, porque aí lhes custa te seguir. Lhes dói bastante”.
Logo aos 40 segundos de segundo tempo, quase começou o terceiro gol. Na disputa com Delgado, Hierro cometeu de uma vez duas faltas, derrubando o Chelo e colocando a mão na bola – essa foi a infração punida por Oscar Ruiz. Casillas, sem ligar para o Mundial, foi buscar perto do ângulo a cobrança e evitou o gol de Riquelme, mandando a escanteio; nele, outra chance perdida, pela cabeça de Palermo não chegar a tempo. A resposta típica de quem não liga para o Mundial veio aos 3 minutos: Roberto Carlos achou McManaman e Battaglia não interceptou a tempo, mas o inglês errou a pontaria no chute diagonal na cara de Córdoba. A reação de Riquelme foi jogar como se estivesse em alguma “várzea de Don Torcuato”, bailando pela lateral-direita com Makélélé e Geremi para esfriar o ímpeto de quem não ligava para o Mundial.
Se Delgado tentava de longe, encaixado por Casillas encaixou, Helguera tentava em vão assustar Córdoba com um chute torto após receber de McManaman. Aos 6, Figo cruzou bem, mas Raúl furou a bicicleta. E dá-lhe ataques que não ligavam para o Mundial: aos 7, Córdoba precisou sair da área para agir feito zagueiro antes que Makélélé chegasse. O Real buscava e buscava, mas sem achar espaços. “O de 10 na camisa era Figo? Bem, perdia com Matellán. O 7 era Raúl? Bem, derretia ante El Patrón Bermúdez, que lhe ganhou todas sem sequer lhe dar um pontapé. O loirinho era Guti? Chicho [Serna] já o tinha nas mãos. O outro loirinho era McManaman? Não encontrava recuperação no jogo, assim como Sávio, uma mudança que não mudou nada”. Serna, de fato, encarou aquela partida como “a grande revanche da minha vida, já que sofri muito quando fiquei sem jogar a Libertadores pela minha lesão. Agora me sinto muito mais dentro da história do Boca”.
Em meio à pressão que não ligava para o Mundial, chances não faltaram para os argentinos matarem o jogo. Em um contra-ataque logo aos 8, Palermo colocou a bola ao alcance de testa de Delgado, mas El Chelo furou chance incrível. No contra-ataque, Ibarra não caiu na dancinha de McManaman, gerando o contragolpe do contra-ataque – quando Karanka então desarmou Delgado antes que ele chutasse de longe no giro. Roberto Carlos cruzava, Bermúdez afastava. Raúl aparecia para chutar, Bermúdez prensava e mandava para escanteio. Na cobrança, já aos 11, Figo mandou a Guti, que a mandou a Raúl. Bermúdez dessa vez não estava por perto, mas o astro outra vez não soube usar a cabeça.
Fazer gol, o Real fez. Mas atrapalhado pela perfeita linha de impedimento argentina, que assim anulou um tento de Geremi aos 12 após falta bem cobrada por um Figo que não ligava para o Mundial. Na resposta, Ibarra, de longe, achou Delgado, mas Karanka o brecou antes que o atacante ficasse livre. Na cobrança da falta, Hierro, sem ligar para o Mundial, tratou de afastar a bola levantada por Riquelme. Aos 14, após Roberto Carlos finalizar mal um cruzamento, Ibarra lançou para Palermo. Mas El Titán preferiu arriscar um cabeceio sem contundência, de longe, fácil para Casillas. Ainda assim, quando a bola voltou a Palermo no ataque aos 16, ele já se encontrava sob marcação dupla que não ligava para o Mundial, aos 16. Em outro ataque argentino, Riquelme foi acusado de impedido. Na sequência, veio então a grande reclamação daqueles que não ligam para o Mundial.
Na cobrança do impedimento, Matellán prensou o contra-ataque que chegara a Guti, gerando em contrapartida um escanteio. E a cobrança desse escanteio gerou dois pênaltis que Oscar Ruiz preferiu ignorar como reparação histórica: Hierro fora derrubado e na sequência imediata houve mesmo um toque de mão na bola. Aos 20, sem ligar para o Mundial, Figo tentava um contra-ataque de cobrança falta de Riquelme encaixada por Casillas. Serna ganhou e bola, mas Figo, sem ligar para o Mundial, não desistiu: segundos depois, uma sobra de jogada sua ficou para Raúl. O atacante enfim acertou a pontaria, mas outra vez faltou combinar com a linha de impedimento argentina, perfeita no lance.
Aos 22, Ibarra, por reclamação após falta em Sávio, recebeu um amarelo. Figo não ligou para o Mundial na cobrança, forçando Córdoba a sair muito bem até o segundo pau para mandar a escanteio. Aos 25, foi a vez de Sávio ganhar de Basualdo pela ponta-esquerda, mas sem que seu cruzamento resultasse útil; e, aos 27, o ponta brasileiro até gingou, mas Bermúdez apareceu para meter a cabeça e propiciar aos europeus apenas um escanteio. Sem ligar para o Mundial, Vicente del Bosque trocou o volante Makélélé para reforçar mais o ataque europeu, colocando Morientes aos 30 minutos. Aos 32, Casillas, sem ligar para o Mundial, quase perdeu a cabeça quando Delgado conseguiu um escanteio: o goleiro tentara impedir, mas o bandeirinha entendera que o encaixe da bola se dera já além da linha de fundo. Na cobrança, o 3-1 pareceu perto, mas Battaglia mostrou no cabeceio porque não é um atacante.
Aos 33, Delgado desperdiçou outra chance boa de 3-1, ao primeiro esperar demais e depois por preferiu arriscar sem angulo ao invés de deixar Palermo fazer o serviço pelo meio. Novo ataque com o Chelo veio aos 34 e gerou a revolta de Bianchi, pois Karanka usou o corpo para brecar o lance e seguia sem ser advertido. Oscar Ruiz, aparentemente, entendia que aquela reclamação de Ibarra era mais perigosa que a truculência do basco. Os minutos passavam e Matellán era enorme contra Figo aos 36, permitindo contra-ataque onde Battaglia cruzou bem a Palermo, mas Casillas saiu-se ainda melhor, chegando antes por não ligar para o Mundial. Sávio tentou responder mandando na corrida de longe para o outro longe.
Aos 37, atraindo três marcadores que não ligavam para o Mundial, Riquelme cavou escanteio. Casillas, também sem ligar para o Mundial, pegou toda a impulsão necessária para impedir que a bola chegasse a um Palermo bem mais alto que Helguera, forçando um escanteio no outro canto – àquela altura, Riquelme caminhou já sem pressa de um córner a outro. Não deu e nada e Figo, sem ligar para o Mundial, pegou a sobra e vencia Matellán na corrida, mas a bola correu demais no contra-ataque do português e Bermúdez afastou. Aos 39, Delgado perdeu outra chance de contra-ataque argentino por demorar e atrapalhar-se com a marcação. Foi demais para Bianchi, que mandou Guillermo Barros Schelotto se preparasse para substituir o Chelo, já aos 40 minutos. Antes que Guille entrasse, o Boca começou a tocar a bola de pé em pé até que Riquelme lançasse Battaglia livre com apenas Casillas à frrente, mas o volante outra vez voltou a mostrar porque não era um atacante.
Sem ligar para o Mundial, Figo, grande figura europeia junto a Casillas em Tóquio, fez um bom lançamento já aos 41 para Morientes, mas o colega cabeceou muito mal. Sem ligar para o Mundial, o Real não desistiu e já rondava novamente a área auriazul aos 42. Mas Traverso agigantou-se ao ganhar limpo de Figo e depois de Helguera, entregando a bola para Riquelme chamar Guti e Geremi para o baile – sem ligar para o Mundial, o camaronês levou amarelo ao recorrer à falta. Outro amarelo viria a Battaglia, que sequer reclamou, satisfeito em brecar um contra-ataque para Sávio. Aos 44, Figo pôs na cabeça de Raúl, mas Bermúdez também usou a sua quase no reflexo, mandando clara chance espanhola a escanteio. Aos 45, Morientes, de tanto não ligar para o Mundial, estrilou quando o bandeirinha esclareceu que o direito a uma cobrança de lateral após a bola sair da linha na disputa com Matellán era argentino – e depois pela aparente cera do marcador.
Bianchi, ainda fez o amarelado Battaglia sair para o jovem Burdisso ganhar tempo nos 50 segundos finais. Tempo suficiente para Raúl ter a bola do empate em um abafa, mas não a dominou e Bermúdez logo afastou. E tempo suficiente para Hierro, no desespero de quem não ligava para o Mundial, tentar desde longe uma bomba que não assustou Córdoba. Que não teve pressa alguma em cobrar o tiro de meta. Com o apito final de Oscar Ruiz, Riquelme procurou Figo para um troca da camisas 10. O português, sem ligar para o Mundial, estava ocupado reclamando com o árbitro.
Quem, agora sem ironias, realmente não ligava para o Mundial era a brasileira Jaqueline Dutra. Então esposa de Palermo e mãe do primeiro filho do atacante (Ryduan), ela o ordenou logo após a partida que ele buscasse suas coisas em casa e fosse morar com a futura mãe do segundo filho (Stefano, falecido horas depois de um parto prematuro, em 2006), após saber que ele já vinha às escondidas se relacionando com essa outra mulher. Ainda alheio à ordem conjugal, o Titán expressou à El Gráfico que “imagino o que deve ser a Argentina nesse instante e me arrepiam os pelos. Essa é uma das coisas lindas que tem essa carreira, a possibilidade dar alegria ao povo. Eu diria que se fecha um círculo, que começou com o bicampeonato e seguiu com a Libertadores. Mas agora é difícil saber se é o fim de um ciclo. Dependerá do que ocorrer no fim do ano, se há vendas ou se mantém a estrutura da equipe. A festa tem que ser aqui e agora, nessa noite”. Então sondado pelo Napoli, o centroavante terminou não titubeando em esfriar a cabeça com a proposta do Villarreal, que já abrigava Cagna, Arruabarrena e acertaria também com Gustavo Barros Schelotto assim que o mercado de inverno espanhol abriu, em 15 de dezembro.
Havia, assim, tempo para mais, como já previsto pela El Gráfico, em coluna devota a Carlos Bianchi: “hoje parece fácil falar do Mellizo [Guillermo Barros Schelotto], de Palermo, de Riquelme, dos sentidos ausentes Cagna ou Arruabarrena… enfim, de um lote de jogadores que, em tempos imediatamente anteriores a Bianchi, não rendiam ou nem sequer eram tidos em conta pelos que ocupavam seu lugar junto ao banco. Bianchi apagou o fogo que havia embaixo da cadeira de técnico do Boca, resfriou as brasas quentes e, faz tempo, a converteu em um lugar cobiçado por técnicos que, há não muito tempo, fugiam apavorados do lugar. Para honrar o enorme trabalho do ex-Vélez, basta recordar o distante que o Boca esteve, ainda com Diego [Maradona], ainda com Cani[ggia], Verón, o Kily [González] e companhia, de ser o terceiro entre River e Vélez, e o perto que está hoje de ser o único campeão de todas as coisas que disputam as equipes argentinas. Basta também recordar o pouco dinheiro gasto em compras, ao menos comparado com o passado recente. Basta, finalmente, recordar que, por única vez em décadas, o Boca foi notícia quase exclusivamente pelo que passou dentro do estádio e não por coisas que se desenvolviam muito longe do campo de jogo”.
Ainda vivo na época, o antecessor de Bianchi como técnico campeão mundial com o Boca, Juan Carlos Lorenzo, elogiou sem vaidades, cravando que o time de 2000 venceria aquele dos anos 70: “o futebol evoluiu muito desde 1978 até agora. Os jogadores de hoje têm uma capacidade física superior. Melhoraram na resistência e podem sustentar uma dinâmica superior durante os 90 minutos. Também cresceram no manuseio dos fundamentos táticos. Agora ninguém duvida: se há um escanteio para o adversário, recuam todos para cabecear e assumem as responsabilidades defensivas que lhes atribui o treinador. Mas na minha época… vá fazer-se entender a um atacante que devia recuar. Ainda não existia essa mentalidade do jogador integral, que cumpre um rol importante em qualquer setor do campo, para além do seu posto específico”.
O título coroava sobretudo o veterano Basualdo, um vovô que correu junto como garoto também na hora de galopar por todo o campo preparando um mergulho no gramado, em típico festejo de campeões, e que finalizava uma carreira iniciada quase 20 anos antes estreando pelo Villa Dálmine em partida que definia quem seria rebaixado à terceira divisão entre ele e o El Porvenir. E que dava a volta por cima de quem, então criticado, estava para ser despedido pelo presidente Macri na chegada de Bianchi (como o cartola foi demovido da ideia? Basualdo explicou-lhe: “se me insultam, é problema meu, me entra por um ouvido e sai pelo outro. Eu não vivo das pessoas, vivo do futebol e da equipe. As pessoas vão e vêm. Ô mané, eu conheço Bianchi e ele a mim. Façamos uma coisa, me dê a possibilidade de ir à pré-temporada. Deixe-me e que Bianchi e [o preparador físico] Santella avaliem. Se estou igual aos demais, vou embora. Mas se estou melhor, fico”).
O ausente Arruabarrena, por sua vez, dizia que os companheiros o faziam sentir-se outro campeão do mundo. Palermo, de fato, também havia declarado à El Gráfico que que uma das forças dos campeões seria a ausência de egolatrias internas: a estrela da equipe seria a própria equipe. E a conduta dos Barros Schelotto descrita pela revista corroborava: “os gêmeos são dois, mas parecem quatro, porque festejam e saltam aqui, ali e acolá”. Afinal, Guillermo só jogara os cinco minutos finais e Gustavo nem isso, só entrou no gramado para liderar a ideia de todos se treparem no travessão mais próximo da torcida. Em uníssono na festa, o hino “à Argentina, à Argentina, o Boca trouxe a Copa que perderam as galinhas”, em referência a um River que ainda oferecia resistência no Apertura.
Apertura, parte 2
Em 3 de dezembro, um Boca nada relaxado começou a maratona da qual se livrara no mês anterior. A cinco minutos do fim, Palermo salvou a Bombonera de um decepcionante empate sem gols, chegando antes do goleiro para receber quase na pequena área o belo passe de Riquelme, que atraíra toda a marcação do San Lorenzo. No dia 6, foi cumprido o jogo atrasado com o Independiente. E o Rojo colocou um freio na banca auriazul: Diego Forlán marcou duas vezes, em um fim de jogo onde o Boca perdeu a cabeça: com o jogo em Avellaneda ainda em 1-0, Barijho foi expulso aos 39 e Matellán, aos 41. Assim, Forlán anotou seu segundo aos 44 e Francisco Guerrero ampliou em seguida. Quatro dias depois, foi a vez de reencontrar os rivais do Chacarita, que alugaram o campo do Vélez. E novamente o descontrole foi visível: entre os 2 minutos do segundo tempo e os 13, os tricolores acharam dois gols e Delgado foi expulso. Bermúdez colocou a cabeça para marcar em bola levantada em falta, mas a reação ficou no 2-1 para o Chaca.
As duas derrotas seguidas não só permitiram uma aproximação do River, como permitiriam que o arquirrival tomasse a liderança se vencesse em casa o Huracán. E era o que acontecia desde o primeiro tempo, com um gol de Saviola. Mas o paraguaio Derlis Soto aguou aos 12 minutos do segundo tempo a festa que já se ensaiava em Núñez. Essa reação pela própria honra foi destacada no livro que o Clarín fez pelo centenário huracanense, na lista dos cem maiores jogos do clube. Assim, o Boca, com 38 pontos contra 37, seguiu dependendo apenas de si na rodada final, naquele 17 de dezembro. Córdoba, Ibarra, Bermúdez, Matellán e Fagiani, Gustavo Barros Schelotto, Serna, Basualdo e Riquelme, Guillermo Barros Schelotto e Palermo receberam o Estudiantes. Em jogo, impedir um quarto tricampeonato seguido do River e, sobretudo, lograr a primeira tríplice coroa xeneize; até então, o futebol argentino vira somente uma, com o próprio River, em 1986.
O 0-0 na Bombonera ao fim do primeiro tempo colocava o Boca a perigo e rendeu amarelos a Serna e a Gustavo. O River também pecava: até começou vencendo a visita ao Lanús, gol de Juan Pablo Ángel logo aos 8 minutos, usando a cabeça em cruzamento de Coudet. Mas Trotta cometeu um pênalti irresponsável logo aos 10, sendo ainda expulso pelo lance. Os grenás converteram a penalidade e, com um homem a mais, viraram ainda no primeiro tempo. No intervalo na Bombonera, Bianchi fez uma troca iluminada, colocando Matías Arce no lugar do amarelado Gustavo. Aos 9 minutos, o Lanús tranquilizou ainda mais o Boca, chegando ao terceiro gol, aproveitando um passe mal dado do goleiro Bonano para Berizzo, que precisou cometer outro pênalti a ser convertido. O Boca não quis dar margem para o azar e Arce quis, sobretudo, mostrar serviço. Pois aos 19 do segundo tempo, o reserva instintivamente arriscou se consagrar assim que recebeu de Riquelme. E conseguiu, acertando de longe entre o goleiro platense a trave, para então desabar incrédulo pela proeza. Fim para um ano de (azul e ) ouro.
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