Aquela que é talvez a mais vergonhosa derrota da seleção completa hoje exatas duas décadas: os 5-0 para a Colômbia em 5 de setembro de 1993. O incrível é que, se os colombianos massacraram no placar, não dominaram tanto assim o volume de jogo. Mas, especialmente no segundo tempo, conseguiram um absurdo aproveitamento das conclusões pontuais que executaram. Se o placar fosse menos dilatado, o homem do jogo seria reconhecido como o goleiro Córdoba. Não é despeito: quem se dispor a ver todo o vídeo abaixo, com narrações argentina e, para os gols, colombiana (que tem talvez os mais empolgantes narradores de gol do mundo), terá a mesma conclusão.
A Argentina já perdeu pela mesma diferença de gols antes e depois, e até sofrendo mais: os 6-1 para a Tchecoslováquia, na vexatória eliminação da Albiceleste na primeira fase da Copa 1958 (os argentinos voltavam ao mundial após 24 anos de recusas a participar e se consideravam candidatíssimos ao título, que acabaria com o Brasil); e os 6-1 para a Bolívia em 2009, nas eliminatórias para a Copa 2010. Mas havia atenuantes: contra os europeus, foi na Europa. Contra os bolivianos, na altidude de La Paz.
Já a de 20 anos atrás foi em Buenos Aires. Em que pese a grande fase vivida pelo futebol colombiano desde a década anterior (o América de Cali foi trivice seguido na Libertadores de 1985-87; o Atlético Nacional venceu a de 1989; a seleção classificou-se à Copa 1990 após estar ausente desde a de 1962 e enfim avançou da fase de grupos), nenhum adversário, por mais pesada que fosse sua camisa (não era o caso dos colombianos) e melhor que fosse a fase, impusera derrota tão elástica sobre a Argentina em território hermano. O máximo que o Brasil de Pelé conseguira, por exemplo, foi um 4-1 em 1960.
Pelé, na verdade, nem atuou naquele jogo (e foi a única derrota argentina em casa para os brasileiros entre 1958-70), e sim alguns que no ano seguinte iriam ao futebol vizinho: mais notadamente, o vascaíno Delém, autor de 2 gols e futuro ídolo do River, e também os são-paulinos Roberto Fernando (também contratado pelo River. É mais conhecido na Argentina pelo sobrenome Frojuello) e Dino Sani, assim como o técnico Vicente Feola – estes outros dois iriam ao Boca.
Até aquelas eliminatórias, a Argentina era a melhor seleção do mundo. Desde a derrota na final da Copa de 1990, a Albiceleste, cujo técnico passara a ser Alfio Basile no lugar de Carlos Bilardo, não havia perdido novamente. Foram 31 jogos de invencibilidade (a Espanha atual, por exemplo, teve 29) entre 19 de fevereiro de 1991, o primeiro jogo pós-Copa e com Basile, até 15 de agosto de 1993. No período, a seleção foi bi seguida nas Copas Américas de 1991 e 1993. Ela, que não vencia a competição desde 1959, tornou-se assim a maior campeã do torneio – o Uruguai igualou em 1995 e superou em 2011. Venceu-se ainda a primeira edição da Copa das Confederações, em 1992.
Assim, era mais crível na época pensar que a Argentina, saindo do zero em 1978, se igualaria em 1994 ao tri mundial brasileiro, italiano e alemão do que imaginar que a seleção de Parreira, que teimava em não usar Romário, quebraria nos EUA um jejum de 24 anos. O time de Basile sabia combinar jogar por resultados com o brilho de Batistuta. Detalhe: não vinha usando simplesmente Caniggia e, principalmente, Maradona, ambos suspensos por doping para cocaína.
Aquelas eliminatórias ainda não colocavam todos os sul-americanos em disputa mútua. Os nove competidores da Conmebol (o Chile estava suspenso como punição do caso Rojas) se dividiram em dois grupos: um de 4, onde só o líder tinha classificação automática, e outro de 5, a premiar os dois primeiros. O 2º colocado do grupo menor iria à repescagem. Era o grupo argentino, complicado não só pela fórmula: tinha um decadente Peru, mas um Paraguai no início de sua geração de ouro e os colombianos, que já haviam dado muito trabalho à Argentina na conquista da Copa América de 1993.
Como mostramos aqui, os cafeteros enfrentaram duas vezes a Albiceleste no torneio, sem perder, apesar do desfalque de René Higuita – preso por supostas ligações com os cartéis de droga que fomentavam o futebol colombiano. O goleiro vinha sendo Óscar Córdoba, futuro ídolo do Boca. O reserva também se destacou na Argentina: Faryd Mondragón (ainda na seleção!), no Independiente.
Inicialmente, jogar fora de casa não foi problema: Batistuta decretou 1-0 em Lima na abertura e Medina Bello (duas vezes) e Redondo, os 3-1 em Assunção. No terceiro é que veio a primeira derrota em 3 anos. E para a Colômbia. Medina Bello só descontou os 1-2 em Barranquilla. Mas, no jogo seguinte, ele e Batistuta recompuseram os argentinos: 2-1 no Peru, já em Buenos Aires. Àquela altura, Colômbia e Argentina dividiam a liderança, com 6 pontos (na época, a vitória valia 2). Bastava aos hermanos fazerem bom uso mando de campo nos dois jogos seguintes e a classificação viria.
Mas, contra o Paraguai, que ansiava ao menos a repescagem e estava 2 pontos atrás dos argentinos, 0-0. No mesmo dia, os colombianos ficavam 1 ponto à frente na liderança após um 4-0 no Peru. A Albiceleste tinha então de vencê-los para se garantir nos EUA; nada que parecesse muito complicado no Monumental de Núñez. O 1º tempo foi parelho: a Colômbia assustou em chute de Valencia defendido por Goycochea; os anfitriões, com mais volume ofensivo, iam madurando o ataque. Na melhor chance, Batistuta e Leo Rodríguez triangularam e Bati, de cara para Córdoba, não dominou bem a bola.
Os colombianos, mesmo quando passavam pelos bons Simeone e Ruggeri, não assustavam. Até que, já aos 41 minutos, Valderrama, acossado por Borelli, conseguiu atrair outros dois alvicelestes e lançou Rincón. Em disparada, ele foi mais rápido que o veterano Ruggeri, driblou Goycochea e abriu o placar. Pouco depois, Borelli, desde a defesa, fez belo lançamento a Batistuta, mas Córdoba chegou antes. Veio o 2º tempo. E logo no início, em um escanteio, Batistuta furou. Na sequência, Saldaña tentou, mas Córdoba não teve trabalho. Em seguida, Rincón lançou desde o meio-campo outro conhecido no Brasil, Asprilla, que recebeu já na grande área, deslocou Borelli e tocou na saída de Goycochea: 2-0.
Os comentaristas colombianos já indagavam “que argentino acreditaria neste placar?”. Basile colocou em campo García, habilidoso ponta do Racing. Vieram os minutos de ataques argentinos mais frenéticos: Redondo lançou Batistuta, que pela ponta-direita fuzilou Córdoba, que pôs para escanteio. Na cobrança, outro tiro à queima-roupa de Bati que Córdoba salvou. Pouco depois, ele defendeu tentativa de Medina Bello e se saiu bem ao interceptar cruzamento de García para um Ruggeri sem marcação.
Aos 16 e meio, Córdoba espalmou chute pela ponta-direita de um fominha Medina Bello. Pouco após o escanteio, Borelli colocou Batistuta livre na cara de Córdoba, que saiu a tempo. Pouco depois, García, acossado por dois, serviu a Altamirano cruzar para Ruggeri, que perdeu de frente para Córdoba ao cabecear e, em rebote, chutar fraco. Batistuta, em outro lance, pediu pênalti em si. Para reforçar ainda mais o ataque, Basile colocou Acosta no lugar do volante Redondo. Até ali, a Colômbia praticamente teve aquelas duas chances e conseguira aproveitá-las; quem mais oferecia perigo eram os argentinos.
Antes de sair, Redondo ainda deu bom passe que Batistuta atrapalhou-se para aproveitar. Um outro pênalti foi reclamado, após chute de Simeone ter tocado na mão de um adversário, mas o árbitro considerou acidente. Os argentinos estavam tão focados no ataque que por vezes só ficavam praticamente Borelli e Goycochea na metade defensiva. Uma última grande chance veio em passe de García que colocou Acosta livre. Mas Córdoba, até então o homem do jogo, se antecipou bem outra vez.
Foi então que Asprilla correu contra Borelli desde antes do meio-campo pela lateral esquerda até a entrada da grande área. Goycochea espalmou a tentativa, mas a Colômbia continuou no ataque: Álvarez, também pela esquerda, venceu Saldaña e cruzou. Valencia furou o cabeceio e Rincón chutou torto. A bola bateu no chão e parecia inofensiva, mas pingou para o canto direito e pegou Goyco no contrapé.
A narração argentina se rendeu: “neste momento, o que há que evitar é que a Colômbia faça outro gol e que Paraguai o faça em Lima” (Chilavert & cia empatavam fora de casa contra o Peru, que havia perdido todos os jogos. Se vencessem, se igualariam aos argentinos. E o saldo de gols, que antes favorecia a Albiceleste, vinha ruindo por conta da goleada). Segundos depois, resignação: “outra vez, Asprilla… senhoras e senhores, a partida está 4-0” – veja a partir dos 45:20 min do vídeo. Asprilla roubou uma bola de Borelli na defesa e magistralmente encobriu Goycochea.
Se os paraguaios marcassem, àquela altura a Argentina ficava de fora até da repescagem. A comemoração da torcida, que já deixara de empurrar incondicionalmente o time de Basile para gritar olé aos toques colombianos, veio 3 minutos depois só porque o Peru marcou. Outros 4 minutos depois, aos 36 do 2º tempo, o Paraguai empatou outra vez e voltava a ameaçar a classificação alviceleste. Mais do que pela honra, os argentinos, no desespero, já lutavam pelo saldo. “Fazendo um gol a equipe argentina, podemos voltar à tranquilidade”, afirmou a narração (55:15 min do vídeo).
E, novamente, segundos depois, veio um gol. Valderrama, da defesa, lançou Asprilla, que passou a bola entre Borelli e Ruggeri para que Valencia tirasse de Goycochea e fechasse o placar. Os colombianos tiveram 6 chutes a gol no 2º tempo: marcaram 4. Ao fim, a plateia, incluindo Maradona (veja nos últimos segundos), aplaudiu-os de pé. Já dos derrotados, alguns ficariam marcados: Altamirano, Zapata, Acosta e García, presentes em todo o ciclo de Basile, acabaram de fora da Copa, assim como o novato Saldaña. Goycochea iria à reserva de Islas e Borelli, à de Cáceres. E os dois suspensos por doping voltariam com urgência: Caniggia colocaria Medina Bello no banco e Maradona, Rodríguez.
Aos cafeteros, aquela coroação da já boa campanha nas eliminatórias (só sofreram 2 gols) colocou-os como candidatos ao título. Mas, se o desenvolvimento dos craques daquela geração tinha os cartéis de droga por trás, seria simbólico a seleção não manter o ritmo nos EUA após a morte do principal chefe do narcotráfico colombiano na época, Pablo Escobar, três meses depois daqueles 5-0. Há vitoriosos de 20 anos atrás que creem que a goleada acabou ruim a eles: “totalmente prejudicial, aos jogadores, aos diretores, ao corpo técnico e ao povo: o país inteiro se relaxou. Foi bom nesse momento, mas depois pensamos que esse 5-0 ia durar a vida toda”, já disse Serna.
“Totalmente. Se me dão oportunidade de retroceder e que esse jogo fique empatado, assino já. Esse 5-0 nos levou a um favoritismo ao qual não estávamos preparados, nos levou a crer que éramos um time de elite quando estávamos em um caminho, nos descompôs, e no primeiro golpe na cabeça não pudemos nos levantar. Inclusive nos levou à tragédia de Andrés Escobar (sem parentesco com Pablo). (…) Juro que devolveria”, afirmou Bermúdez também.
Atualização em janeiro de 2014: Mondragón também declarou na mesma linha que “o que nos fez mal foi não ter a maturidade necessária para digerir o que passou. Não estávamos preparados para assimilar um triunfo como esse, internamente não nos blindamos (…). O torcedor tem todo o direito de desfrutar e gozar, não podes pedir limite ao torcedor, porque é sua máxima alegria, mas tens que ter sabedoria para dizer: recolhamos-nos e saibamos digerir da maneira correta. Naquela vez não pudemos. Não soubemos”.
Ainda assim, a Argentina, nas eliminatórias para a Copa 1998, usou o Monumental contra todos os adversários mas, contra a Colômbia, ainda com muitos carrascos de 20 anos atrás, preferiu La Bombonera…
ARGENTINA: Sergio Goycochea, Julio Saldaña, Jorge Borelli, Oscar Ruggeri e Ricardo Altamirano, Gustavo Zapata, Fernando Redondo (Alberto Acosta), Diego Simeone e Leonardo Rodríguez (Claudio García), Ramón Medina Bello e Gabriel Batistuta. T: Alfio Basile. COLÔMBIA: Óscar Córdoba, Luis Herrera, Luis Perea, Alexis Mendoza e Wilson Pérez, Leonardo Álvarez, Gabriel Gómez, Freddy Rincón e Carlos Valderrama, Faustino Asprilla e Adolfo Valencia. T: Francisco Maturana. Árbitro: Ernesto Filippi (URU). Gols: Rincón (41/1º), Asprilla (4/2º), Rincón (27/2º), Asprilla (29/2º) e Valencia (39/2º).
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