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15 anos sem Alveiro Usuriaga, ícone do Independiente dos anos 90

Em dias tão tristes como os recentes, marcados por Brumadinho, pela confirmação da morte de Emiliano Sala e pelas perdas dos juvenis do Flamengo e, hoje, pela de Ricardo Boechat, não nos falta pesar para recordar outra tragédia – o assassinato do carismático Alveiro Usuriaga López, o mais querido colombiano do futebol argentino – a grafia correta é “Alveiro” mesmo, embora “Albeiro” seja a mais difundida. Nos 15 anos sem El Palomo, resgatamos nota de 2016 escrita pelo leitor Leandro Paulo Bernardo, com contribuição pontual de Caio Brandão, em especial que celebrava os 50 anos que Usuriaga completaria se ainda estivesse vivo. Abaixo fizemos apenas os ajustes pertinentes após quase três anos.

Como bem dito pelo jornalista argentino Jorge Barraza, vários jogadores colombianos tiveram êxito na Argentina, mas apenas Alveiro Usuriaga López recebeu a idolatria. A grande fúria em fóruns dos torcedores do Independiente quando a revista El Gráfico elegeu os cem maiores ídolos rojos, em 2011, foi a ausência do atacante, vital na Supercopa de 1994 – torneio vencido de forma brilhante e que encerrava jejum internacional de dez anos, até então o maior vivido pelo Rey de Copas – para dar lugar a heróis fugazes da insossa mas então recente Sul-Americana de 2010. O voo de El Palomo (“o pombo”), vencedor também no General Paz Juniors, infelizmente, foi abatido cedo demais. Hora de relembra-lo.

Teve uma infância muito difícil, com vários problemas econômicos e sociais no seu núcleo familiar. Iniciou a carreira de jogador no América (apesar de sempre ter declarado seu amor pelo Deportivo) e se profissionalizou em 1986. Após perder a final da libertadores pela terceira vez consecutiva apesar de enriquecido com argentinos, o clube negociou quase todos os  seus atacantes: o paraguaio Roberto Cabañas (depois ídolo no Boca) foi vendido para o Brest da França; Usuriaga foi emprestado para o Tolima em 1987 e depois para o Cúcuta em 1988. O único que permaneceu foi o argentino Ricardo Gareca, enquanto quem ia à Argentina, emprestado ao Unión, foi Antony de Ávila.

O porte físico e a altura de Usuriaga (1,92m) já causavam imponência e respeito no futebol colombiano, além de uma explosão de velocidade com traços de habilidade. Todavia, a sua vida extracampo também começava a ganhar certa fama pelo pais. Usuriaga era um boêmio, adorava beber, sair para dançar salsa nas discotecas de Cali e principalmente fugir da concentração para ir visitar seus amigos do bairro 12 de outubro. Em 1989 foi oferecido seu empréstimo para o Junior de Barranquilla, mas a comissão técnica vetou a negociação. Francisco Maturana, treinador do Atlético Nacional e da seleção cafetera, resolveu arriscar e acatou a contratação do atacante.

El Palomo voou naquele ano. Marcou dois gols marcantes da história do futebol colombiano. Ele já havia sido importantíssimo nas semifinais da Libertadores quando, no primeiro confronto, destruiu o Danubio de Rúben da Silva (depois jogador de River, Boca e campeão da Copa Conmebol de 1995 pelo Rosario Central) por seis a zero nas semifinais, marcando quatro gols. O Atlético Nacional perdeu o primeiro jogo da decisão para o Olimpia no Paraguai por dois a zero; no jogo da volta, foi dele o gol decisivo que levou a decisão para as penalidades intermináveis, da qual ele conseguiu converter a sua cobrança. Foi a primeira conquista de um clube colombiano na Libertadores.

No futebol colombiano: erguendo a Libertadores pelo Atlético Nacional, pela seleção e com outro astro assassinado, Andrés Escobar – colega no Atlético Nacional e na seleção

Usuriaga tornou-se o xodó da torcida colombiana, algo que o alavancou à seleção principal (tinha sido destaque e apontado como promessa nas seleções de base). Mas não estava preparado psicologicamente para o sucesso. Afirmou que a Libertadores e a seleção tiraram sua humildade; não queria falar com jornalistas, estava cansado de dar autógrafos… sentia-se engrandecido e passou a acreditar que era o novo Pelé. Perdeu o respeito dos companheiros de clube ao afirmar em uma entrevista que era o maior jogador do Atlético Nacional. Foi contratado pelo Málaga da Espanha e seus atritos com Francisco Maturana aumentariam durante aquelas eliminatórias.

Foi o único jogador que não participou da festa de aniversário do treinador durante a concentração para o jogo contra o Equador, pois já havia se apresentado embriagado. A seleção colombiana venceu a seleção paraguaia na última rodada e ficou em primeiro lugar em seu grupo; entretanto, não somou mais pontos do que Brasil e Uruguai (os primeiros colocados dos outros grupos), tendo que enfrentar a seleção de Israel (campeã jogando pela Oceania) em uma repescagem. Usuriaga começou a partida no banco de reservas, entrou no segundo tempo substituindo o meio-campista Bernardo Redín e marcou um golaço. A Colômbia garantiu um empate sem gols em Israel e retornou aos mundiais após 28 anos. Mas a comissão técnica decidiu não o levar para o mundial da Itália.

O atacante também não era bem visto na Espanha. Jogaria apenas seis partidas pelo Málaga e surgiam também as primeiras suspeitas do uso de cocaína. Forçou a barra para sair do clube espanhol, que acabou emprestando o atacante para o América de Cali. Foi convocado pelo treinador Luis Augusto García para a Copa América em 1991. Não marcou nenhum gol. Alternava boas e más atuações ao lado novamente de Antony de Ávila. Ficou muito amigo dos chefões do cartel de Cali. Foi campeão colombiano em 1992, até que em dezembro de 1993 surgiu a proposta que definiria sua carreira: jogar pelo Independiente da Argentina.

Os rojos de Avellaneda vinham como uma equipe entrosada: Islas, Rotchen, Serrizuela, Perico Pérez (último campeão tanto por Racing como pelo rival), Cagna, Gustavo López, Garnero… Porém, tinham dúvidas para o ataque, já que o ídolo Alfaro Moreno, melhor jogador do campeonato de 1989, havia sido vendido e todos desconfiavam da parte física de (por sinal) Ricardo Gareca com 35 anos. O treinador Miguel Brindisi resolveu apostar no colombiano e num jovem vindo das categorias de base, Sebastián Pascual Rambert – que depois viria a ser o último jogador negociado diretamente entre Boca e River. O entrosamento foi rápido.

A Supercopa de 1994 foi de Usuriaga. A de 1995, já sem ele, foi menos brilhante: a figura foi justamente o goleiro, o compatriota Mondragón, que até 2018 foi o mais velho das Copas do Mundo

Durante o campeonato houve um domínio do Huracán, mas na última rodada o Independiente massacrou el Globo por quatro a zero e se consagrou campeão. Eu residia na pequena cidade de Quipapá no interior de Pernambuco, era apaixonado pela saudosa Supercopa e um fanático torcedor da seleção Argentina que havia decepcionado no mundial dos Estados Unidos. Aguardei ansiosamente aquela Supercopa de 1994. A estreia dos rojos veio com uma derrota para o Santos na Vila Belmiro e depois com um massacre por quatro a zero com um show de Usuriaga. Imediatamente virei fã daquele negro alto com cabelos rastafári que parecia percussionista de axé music ou com o Dee Jay do Street Fighter 2.

A campanha seguiu, eliminaram o Grêmio e ganhei a fortuna nascente de cinco Reais ao apostar que Usuriaga marcaria um gol no jogo em Avellaneda. Aquela foi a primeira partida que assisti fora de casa, com um grupo de amigos em uma televisão na praça de Quipapá… todos admiradores do clube gaúcho. Nas semifinais, outro clube Brasileiro, o Cruzeiro, outro massacre em Avellaneda por quatro a zero. A final contra o Boca Juniors não foi transmitida pela Bandeirantes, mas pulei feito um maluco ao ler no Diário de Pernambuco uma nota falando da conquista argentina. Mostramos aqui.

No ano seguinte, o clube foi eliminado na primeira fase da Libertadores. Usuriaga se perdia com a fama e alegava saudades de Cali. O Independiente venceria a Recopa em final argentina contra o Vélez de Carlos Bianchi, mas se desmanchou. Saíram o técnico Brindisi (que assumiria justo o rival Racing), Islas, Rambert, dentre outros, incluindo o colombiano, emprestado para o Necaxa e depois para o Barcelona de Guayaquil – a Supercopa 1995 seria vencida graças a um colombiano, mas foi Faryd MondragónEl Palomo não se adaptou no Equador e envolveu-se em uma grande confusão ao viajar para a Colômbia com uma moto roubada. O clube equatoriano não o queria mais, porém o contrato ainda vigorava; então resolveram negociar o atleta com o Santos, sem avisar ao Independiente.

Foi imediatamente apontado como o substituto de Giovanni. Chegou a se destacar em alguns amistosos e atuou apenas em uma partida do campeonato Brasileiro de 1996, contra o Fluminense. O clube carioca ameaçou ir à justiça (tradição por lá) pelo fato do clube ter escalado o jogador irregularmente; o Santos alegou que o clube argentino dificultou a liberação da documentação – em grande ironia, o time praiano voltaria a ter problemas com irregularidade de um jogador ao encontrar exatamente o Independiente na Libertadores de 2018, no episódio Carlos Sánchez. Como a FIFA proibia a negociação por empréstimo de atleta que já se encontrava nessa situação, Usuriaga foi obrigado a retornar a Avellaneda. Quando estava retornando a encontrar a melhor forma física, foi pego no exame antidoping por apresentar uma elevada taxa de cocaína no organismo. Foi suspenso por dois anos.

Seu outro sucesso na Argentina: vencendo a terceirona de 2000 com o General Paz Juniors, canto do cisne de Usuriaga

Entrou numa profunda depressão e ao invés de se tratar entregou-se ao vício. Todo o dinheiro adquirido com o futebol era gasto em noitadas com drogas, bebidas e mulheres, ainda que Usuriaga também ajudasse muitas pessoas carentes do seu bairro, principalmente dando chuteiras aos jovens jogadores. Disputou alguns jogos pelo Millonarios e Bucaramanga, foi preso ao tentar subornar um policial que o havia parado numa blitz e constatado que dirigia alcoolizado. A justiça colombiana concedeu uma liberdade condicional, mas ele estava muito endividado e devendo aos traficantes de Cali – que para aterrorizar sua vida assassinaram sua esposa, Eliana, em 1999, devido aos débitos de drogas.

Saiu ameaçado da Colômbia e foi jogar novamente na Argentina. Agora, pelo modesto General Paz Juniors, quinta força cordobesa (abaixo de Talleres, Belgrano, Instituto e Racing de Córdoba), na terceira divisão. Mesmo fora de forma, foi decisivo na única conquista de Los Poetas a nível nacional, a terceira divisão na temporada 1999/2000. Marcou quatro gols nas duas últimas rodadas decisivas, contra o Ben Hur e Douglas Haig, incluindo os dois do empate em 2-2 fora de casa que garantiu o título: contamos aquiEl Palomo encerrou sua passagem pela Argentina jogando pelo All Boys em 2001. Jogou em 2002 pelo Deportivo Pasto e pelo Sportivo Luqueño-PAR. Em 2003, esteve atuando no Carabobo-VEN. Iniciou o ano de 2004 aguardando algumas propostas; tinha uma possibilidade de ir jogar na China.

Foi quando começou a namorar com uma amante de um traficante da região. Recebeu algumas ameaças, mas sempre as ignorava. Até que no final da tarde do dia 11 de fevereiro, enquanto jogava baralho com os amigos no bairro 12 de outubro, foi alvejado por 13 tiros disparados por um adolescente de 14 anos de idade a mando do traficante. Seu velório lotou o bairro para receber fãs e admiradores que gritavam “Usu, Usu, Usu!“.

Em 2009, o nome Usuriaga voltou a ser notícia na Argentina . Um jovem chamado Carlos Albeiro Usuriaga se apresentou para fazer testes no Independiente dizendo que era filho de El Palomo. O jovem não passou na peneira e meses depois foi descoberto que ele era apenas parente, não filho pois o jogador deixou apenas uma filha: Lady Dayanna. Em 2011, Carlos Usuriaga também foi assassinado por suportas desavenças com traficantes. Encerro esse texto com minhas Legendas Oculares (nordestino não chora em público) com uma saudade dúbia, de ver a explosão de talento do Usuriaga e daquele segundo semestre de 1994 quando aquele Independiente fez sentir-me o maior conhecedor de futebol sul-americano.

Gracias El Palomo por haber sido las alas de mis sueños.

Impossível contra o Cruzeiro na Supercopa de 1994 e com asas de pombo, seu apelido, entre outros ídolos do Independiente

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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