15 anos do título do Vélez de Marcelo Bielsa
Marcelo Bielsa, que ontem anunciou sua saída do Athletic de Bilbao (já sem o grande rendimento de 2011-12), foi há 15 anos campeão. Sob El Loco, “um estranho no ninho”, o Vélez fechava a década mais gloriosa dos fortineros após campanha avassaladora no Clausura.
Aquele ciclo velezano começara cinco anos antes. Sob Carlos Bianchi, o clube dera fim, no Clausura 1993, a um jejum de 25 anos sem títulos. Até então, a elite argentina havia sido vencida pelos de Liniers apenas em 1968, quando El Virrey era então uma jovem promessa no ataque do clube. O Vélez era uma instituição forte, mas de futebol pouco graúdo, em nada se assemelhando ao prestígio de hoje. Em 1994, um clube de alcance limitado ao bairro de Liniers conseguiu a Libertadores e a Intercontinental.
Bianchi ainda conseguiu o primeiro bicampeonato nacional seguido para o Fortín, que emendou o Apertura 1995 com o Clausura 1996. O hoje técnico do Boca, então, acabou contratado pela Roma. O primeiro sucessor foi Osvaldo Piazza, que venceu a Supercopa 1996, mas com o detentor dos dois últimos títulos argentinos terminando em 13º no seguinte. Apesar do quinto lugar no posterior, o presidente Raúl Gámez decidiu apostar em Bielsa para a temporada 1997-98.
O Vélez tornara-se o mais novo postulante a “sexto grande”, rótulo simbólico que, por tradição, é do Huracán, desde os anos 30. Este clube, contudo, passou a ganhar concorrentes a partir dos anos 60, por conta da decadência própria e da ascensão meteórica de equipes até então sem a mesma expressão. Antes do Vélez juntar-se a estes, o postulante da vez havia sido o Newell’s Old Boys. Muito por conta de… Marcelo Bielsa. Falamos aqui, aqui e aqui.
Além de torcedor fanático, Bielsa fora jogador do NOB e já trabalhava nas categorias de base quando assumira os rubronegros. Mas, com o Vélez, não possuía nenhum laço. Entre 1992, quando deixara o Newell’s, e 1997, não conseguira títulos no México, onde trabalhou no Atlas e no América naquele período. O que não o impediu de impor-se e assim ter curtos-circuitos com alguns nomes já históricos no novo clube, como o mitológico José Luis Chilavert.
Há um mês, o brasileiro Iarley, treinado por Bianchi no Boca Juniors, contou (aqui) ao Futebol Portenho que o dito treinador “não inventa muita coisa” e passa tranquilidade aos jogadores ao tirar-lhes o máximo da capacidade, sem cobranças excessivas. Sob Bielsa, as jogadas ensaiadas e certa liberdade, ainda que pragmática, deram lugar ao estilo do Loco, que por vezes exige certa mecanização dos jogadores – um dos métodos de seus treinamentos é fazer do campo um tabuleiro de xadrez, “programando” por onde cada jogador deve ir.
No início, vexame: o campeão da Supercopa 1996 sequer avançou da fase de grupos na edição de 1997, chegando a perder em casa para o Flamengo por 0-3. Mas o quarto lugar no Apertura 1997 lhe bancava, e pouco a pouco as discussões cara-a-cara com o elenco foram sendo vencidas; embora Bielsa não fosse de bancar jogadores, sua retidão moral estava mais reconhecida. No Clausura 1998, o grupo conseguiria 81% dos pontos em disputas, dando mostras da eficiência bielsista, com um jogo agressivo, contundente e veloz: chegou a jogar com cinco atacantes (além do estilo ofensivo de quem chegou a jogar com cinco atacantes (Pandolfi, Posse, Cordone, Camps e Darío Husaín), alguns saídos dos juvenis.
O esquema da seleção argentina de Bielsa em 2002, o 3-3-1-3 (Samuel, Pochettino e Placente na defesa, os alas Zanetti e Sorín e o volante Simeone no meio, Verón ligando meio e ataque e, na frente, um tridente com Ortega e Claudio López nas pontas e Batistuta centralizado), já se exibia no seu Vélez. “Uma linha de três defensores, volantes nos flancos e três homens na ponta era o estilo (…) desse Vélez demolidor que só perdeu um jogo em todo o torneio”, escreveu o Clarín sobre aquele campanha.
No gol, a estrela Chilavert. O tridente defensivo tinha Flavio Zandoná, Víctor Sotomayor e Mauricio Pellegrino. No meio, o volante era Claudio Husaín, com Carlos Compagnucci e Raúl Cardozo pelos lados e, na ligação com o ataque, Christian Bassedas. Na frente, Patricio Camps e Martín Posse, a dupla ofensiva que vencera a Supercopa 1996 e a Recopa 1997 sob Osvaldo Piazza, virou um trio, cuja vaga era completada mais comumente por Carlos Cordone ou Darío Husaín (irmão de Claudio).
O elenco também já tinha as promessas Lucas Castromán e Rolando Zárate, de grande destaque posterior. Outro jovem presente era o meia Fabián Cubero, campeão no clube nas décadas de 90 do século XX, 00 e 10 do XXI, enquanto figurinhas carimbadas como os defensores Héctor Almandoz e Roberto Trotta, o meia José Basualdo e o atacante José Turu Flores haviam saído; Omar Asad padecia de lesão. Na campanha irrepreensível, a única derrota fora para o San Lorenzo. Nos demais 18 jogos, quatorze foram vencidos, sendo oito como visitante.
Dos pontos mais altos, um 3-2 no Boca na Bombonera (estreia profissional de Castromán, que marcou; o boquense Arruabarrena marcou contra e Chilavert deu a vitória ao converter pênalti no fim. O Vélez só voltaria a vencer na Bombonera dez anos depois); 3-0 no Independiente (dois de Camps e um de Darío Husaín), 6-1 de virada no Colón (dois de Posse e um de Chilavert, Federico Domínguez, Cordone e Darío Husaín) e 4-1 no Clásico del Oeste, contra o Ferro Carril Oeste (dois de Posse e um de Camps e Cordone), rival tradicional que vinha sendo cada vez mais desvalorizado pelas bandas de Liniers. O jogo que selou o título foi uma vitória de 1-0, mas também de significado especial.
Foi diante do Huracán, contra quem o Vélez concorre a “sexto grande”. Em 1971, o Fortín era o favorito para ser campeão nacional. Na última rodada, recebeu o Huracán em casa e abriu o placar no primeiro minuto. O adversário vinha de campanha irregular, mas em grande atuação de Narciso Doval (o mesmo ídolo de Flamengo e Fluminense), virou e venceu por 2-1. O concorrente ao título era o Independiente, que estava um ponto atrás, venceu o seu compromisso e ultrapassou o Vélez, sendo o campeão.
Onze anos antes de levar a melhor sobre o próprio Huracán na casa adversária quando ambos concorreram pelo título do Clausura 2009, o Vélez desentalou a espinha naquele 31 de maio de 1998. Com uma rodada de antecipação, a taça se garantiu com Posse acertando de cabeça um cruzamento de Cordone, aos 37 do primeiro tempo. Na ocasião, os fortineros se alinharam com Ariel de la Fuente, Zandoná, Sotomayor, Pellegrino; Claudio Husaín, Compagnucci, Cardozo; Bassedas; Cordone, Camps e Posse. Camps foi o artilheiro dos campeões, com dez gols, seguidos pelos nove de Posse.
Ao fim, o vice-campeão acabou sendo o Lanús, mas àquela altura o único concorrente era o Gimnasia y Esgrima La Plata, que perdeu por 2-3 para o ex-bielsista Newell’s em Rosario e deu adeus às chances matemáticas. O goleiro foi De la Fuente porque a partida ocorreu já após as convocações para a Copa do Mundo de 1998. Chilavert estava com a delegação de seu Paraguai. O mais incrível é que o reserva de Chila também iria ao mundial: Pablo Cavallero, pela Argentina, ocupou a vaga que poderia ter sido de Carlos Navarro Montoya, mais midiático e que enfim recebera autorização da FIFA para defender a Argentina de seus pais e da sua criação (ele nascera na Colômbia e a defendera nas eliminatórias à Copa 1986, se arrependendo depois).
De la Fuente era apenas o terceiro goleiro. A polêmica foi a ausência de Bassedas, presente em praticamente todo o ciclo do técnico Daniel Passarella, mas preterido na convocação final em favor de um renegado e veterano, Abel Balbo. Esse baque ocorreu dois dis antes daquela partida decisiva contra o Huracán. O meia foi ovacionado de forma especial, sob o cântico “Bassedas, nós sim te respeitamos!”.
Amparado pelo sucesso no Vélez, Bielsa, do seu lado, ocuparia o cargo do próprio Passarella após a Copa. Sucesso, por sinal, que pouco atribuiu a si há 15 anos: “Vélez foi campeão pela hierarquia de suas individualidades. (Meus méritos foram) dar o esquema referencial para aglutinar essas individualidades. E acompanhar e harmonizar o grupo e participar para que a dimensão de cada jogador se aproxime de sua potencialidade”. Enquanto os comandados davam a volta olímpica, preferiu ficar na solidão, no vestiário. O Fortín demoraria sete anos para ser campeão outra vez, seu maior jejum desde a ascensão pós-93.