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15 anos do mais épico dos acessos: Nueva Chicago de 2001

Um dos mais tradicionais nanicos de Buenos Aires, o Nueva Chicago passou a maior parte do profissionalismo nas divisões inferiores. Por três vezes, conseguiu o acesso à elite profissional, em 1981, 2001 e 2014. Em 2001, o Torito não foi campeão, mas talvez tenha festejado mais intensamente: o clube começou o torneio na zona da degola dos promedios e não arrancou com tudo. Mas cavou um 4º lugar que lhe pôs no Torneo Reducido, repescagem envolvendo os seis primeiros de cada grupo. O título seria definido em mata-mata entre os dois primeiros de cada, com o Chicago de fora. Seria do Banfield. Os três derrotados nessa fase se juntariam aos quatro de cada grupo que estavam logo atrás, e nessa confusão os verdinegros subiram.

O jogo do acesso foi em 9 de junho de 2001. Dos vencedores, destaque ao provável maior ídolo do bairro de Mataderos, Christian Gomito Gómez, que veterano marcaria em 2014 os gols dos dois acessos (da terceirona e segundona). Mas foi de Juan Manuel Herbella a emocionante versão proferida hoje; emprestado pelo Vélez, de quem a torcida do Chicago se considera rival, chegou um pouco antes da segundona de 2000-01 começar e conciliava os gramados com o curso de medicina. Os negritos e parênteses são do texto original, com observações nossas em colchetes:

“Era uma manhã ensolarada de inverno e fazia frio. Pelos corredores semiabertos do Hospital Ramos Mejía, corria um vento gelado que se fazia mais intenso ao estar de pé. Ao lado do bar, havia um telefone público cor celeste e verde. Para essa época, o celular era um bem inacessível para um jovem de 20 anos. Havia combinado que às 10 da manhã ligava pelo telefone para ver se estava tudo resolvido: a desvinculação do Vélez e o acordo com o Nueva Chicago. Eram 9 e meia de um dia de semana (que não lembro) e estava cursando dermatologia: quinto ano de medicina na Universidade de Buenos Aires.

Começava o mês de agosto. Acabava de suicidar-se o Dr. René Favaloro [nota do tradutor: médico argentino responsável pela primeira cirurgia de pontes de safena no mundo, estava atolado em dívida multimilionária]. O país já havia começado sua espiral descendente. Um ano e meio depois chegariam os mortos na Praça [de Maio], [o presidente] De la Rúa fugindo de helicóptero e a cessação de pagamentos. Sempre cortavam a aula às 9 e meia para dar um breve recreio. Estava ansioso. Assim começava uma história que em apenas dez meses mudaria radicalmente minha vida. Assim começava minha história do acesso.

Martens, Velázquez, Orsi, Argüello, Barbona e Herbella; Oscar Gómez, Jesús, Sánchez, Farías e Christian Gómez há 15 anos. Os gols dos 3-2 foram de Oscar “Topo” Gómez (dois) e Sánchez

Não escolhi sair do Vélez, tive que fazê-lo. No começo do ano, depois de onze de formar parte do clube e com quinze jogos na primeira [divisão], o treinador (Julio Falcioni) me disse que havia chegado a um nível no qual tinha que escolher: ‘era o futebol ou a medicina‘. Nesse momento, vencia o contrato mas seguia vigente a cláusula de ‘dois anos mais pelo 20% mais de soldo’. O técnico não me queria, o clube buscava dar-me de empréstimo e eu estava ingênuo de que não ia se não me davam o passe. Cada momento me pergunto o que teria sido da minha carreira esportiva se retardasse um pouco o estudo, pelo menos até que saísse Falcioni, e seguia na primeira no lugar de ter que baixar ao acesso.

Em meados de 2000, o Nueva Chicago treinava no prédio do Suterh [Nota: Sindicato Unico de Trabajadores de Edificios de Renta y Horizontal], em La Reja (entre Moreno e General Rodríguez). Ali me apresentei na segunda-feira de 14 de agosto para incorporar-me à equipe, apenas duas semanas antes do começo do torneio do Nacional B 00/01. (…) Tomei a oportunidade de ficar com o passe (me deram forçados sobre o encerramento do livro de passes) e saltei ao vazio: era tudo ou nada. O plantel já estava armado e treinando desde há mais de um mês. A situação esportiva da equipe era difícil. Começava em último na tabela do rebaixamento e caíam sete.

Alberto Pascutti, o treinador que me havia convocado, só durou dois meses. O clima nunca foi bom, apesar de ter uma boa estreia: 1-0 no Platense. No terceiro encontro (derrota em Mataderos contra o Central Córdoba por 2-0) tive que sair do estádio em viatura. Os resultados não se davam e os torcedores me consideravam um dos máximos responsáveis. Na sétima rodada, seguíamos no último lugar e o rebaixamento cada vez se via mais próximo. A derrota com o Tigre (2-0), em casa, foi a gota que derramou o vaso. Demitiram o Beto.

Forçados pela situação, os dirigentes não sabiam como reagir, não sabiam o que fazer. Completamente perdidos, se apresentaram no Suterh para conhecer as opiniões do plantel. Em um ato demagógico, com a única finalidade de ganhar tempo e evitar os insultos, o presidente Tito Guerra convocou a dupla Vega-Traverso, duas glórias históricas do clube que dirigiam a [equipe] reserva, para que agarrassem o time principal. O que nasceu como uma palmada de afogado terminaria sendo a melhor decisão da diretoria em todo o processo.

A equipe crescia em seu jogo, de forma progressiva e sustentada, até que chegou o descanso de verão. A pré-temporada em Necochea, quando subir ainda era um objetivo distante e entre todos nos comprometemos pintar o cabelo de verde (se chegássemos à final), foi um trabalho de ourives do preparador Prícolo. Hospedados em um hotel familiar, na borda do parque Lillo, treinávamos diariamente em turno triplo. Terei sonhado com os quilômetros e quilômetros que percorremos correndo pelos caminhos de areia e terra, rodeados de árvores e com o ruído do mar à distância.

O começo do ano foi estupendo: 4-0 no Defensa y Justicia, de visitante e na partida televisionada de sábado, pressagiava coisas boas. As pessoas sonhavam. Nem falar quando semanas depois ganhamos de 3-0 do Ferro [Carril Oeste], assegurando a permanência e classificando automaticamente ao Reducido, o estádio abarrotado de gente entoou a viva voz o hit da temporada: ‘Nueva Chicago é uma paixão que nasce desde o berço… gritemos todos que vamos voltar e o Vélez já tem medo’.

Quando chegamos a disputar as instâncias finais, já não tínhamos nada a perder. A partir daí, a equipe se soltou. San Martín de San Juan, nas oitavas-de-final, foi o primeiro obstáculo (2-2 em San Juan e 1-0 em Mataderos). Com o Gimnasia y Esgrima de Concepción del Uruguay, perdemos em casa (1-0) e devíamos ganhar por dois de diferença em Entre Ríos. Ninguém havia conseguido em todo o torneio. A confiança fraquejou, especialmente a dos dirigentes, que para fazerem uns mangos extras e já dando-nos por eliminados, depois que fomos nos concentrar em Entre Ríos, alugaram o estádio ao Emelec (que treinado por Rodolfo Motta vinha jogar a Copa Libertadores) para que treinasse dois dias sob um aguaceiro [Nota: o tal Motta é técnico histórico no Chicago].

A revanche foi jogada numa quinta-feira pela noite. Ao ser a partida televisionada e como o resultado prévio não permitira entusiasmar-se, foram muitos poucos torcedores verdinegros. Os privilegiados que estiveram presente, naquele dia, compartilharam (a meu entender) o momento culminante dessa equipe que fez história; que não foi a final jogando com dez homens, nem tampouco sob o temporal que açoitou o Centenário na segunda semifinal com o Quilmes. A alquimia se deu nesse 17 de maio de 2001, quando, com resultado adverso, as estatísticas em contra, sem a confiança do ambiente, ante a responsabilidade de um resultado definitivo, ainda sem ter combinado um prêmio para subir e na contramão do que esperavam inclusive os próprios dirigentes, essa equipe se sentiu encurralada, saiu para jogar valendo a vida e ganhou. Ganhou como tinha que ganhar. Ganhou de 2-0 e se deu conta de seu destino.

A partir daí, nasceu a lenda e chegaram as instâncias finais que provavelmente todos os torcedores lembram. A complicada semifinal com o Quilmes, pela rivalidade e pelo campo de jogo: vitória de 1-0 em Mataderos e 0-0 em um campo alagado pelo dilúvio. Nessa mesma noite, na concentração, depois da classificação, se cumpriu a promessa: os quartos se encheram de cabelos e de tinta verde. Em três dias se jogou a primeira final, em casa, contra o Instituto (1-0) e sete dias depois veio a apoteótica corrida do Topo Gómez para sentenciar o 3-2 final no histórico Chateâu Carreras [atual Estádio Mario Kempes].

No carrossel sem fim de apenas umas horas se sucederam: o festejo com os 10 mil torcedores que viajaram a Córdoba, a volta no avião e o recebimento multitudinário no Aeroparque, o passeio com o carro dos bombeiros percorrendo o bairro, o estádio repleto de torcedores esperando pela volta olímpica e a invasão posterior com fotos e autógrafo de camisetas. Momentos carregados de emoção e glória, que ficaram na lembrança.

Se completam 15 anos do segundo acesso do Nueva Chicago à primeira divisão. Sós novamente, como naquele dias, os jogadores nos juntaremos. No transcurso desses dez meses, quase sem nos darmos conta, chegamos ao ponto de deixar de ser um conjunto de indivíduos para nos  transformarmos em um grupo. Amalgamar origens diferentes, essas que sempre tivemos e que nos levaram inclusive às brigas na reta final do torneio, mas entendemos que não existe forma de transcender no futebol que não seja coletiva.

Abraços, como na noite fria de Entre Ríos quando nos juramentamos dar tudo, como se a vida nos fosse com ele, tiraremos uma foto e brindaremos. seremos os mesmos quinze anos mais velhos que, acompanhados pelo clamor do torcedor e contra toda lógica, alcançamos o êxito. Para mim isso é a epopeia. Epopeia verdinegra”.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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