29 de novembro é data cheia de títulos do Boca. Em 2013, o mais redondo deles é o primeiro de Carlos Bianchi e Riquelme, únicos remanescentes daquele Apertura 1998, a iniciar cheio de indicativos uma era: rara campanha invicta; Palermo artilheiro com mais de um gol por jogo (20 em 19) e com recorde de gols em um campeonato de turno único; início de um recorde de invencibilidade no país; elenco recordado de memória, especialmente pelos brasileiros eliminados na Libertadores, e que praticamente dois anos depois, em 28 de novembro de 2000, dominou o Real Madrid em Tóquio no título mundial.
As outras taças foram a do título argentino de 1964, garantido em Superclásico contra o River, e a da Supercopa 1989, contra o Independiente. A de 15 anos atrás também veio após jogo contra o Independiente. O detalhe é que a nova era começou sob o comando técnico e a capitania de torcedores do River. Ainda recém-chegado, Bianchi admitiu na televisão que na infância torcia pelo rival. Procure por “Carlos Bianchi Yo de chico era hincha de River” no Youtube e verá.
El Virrey vinha em baixa. Não fizera na Roma nada perto daquele histórico Vélez do início da década. Já Cagna é até filho de um antigo empregado riverplatense. O Boca padecia de glórias magras desde o fim da Era Lorenzo, vinte anos antes (falamos ontem do último título dela, a Libertadores de 1978: clique aqui) e da qual sobrava o atacante Veglio, agora assistente técnico de Bianchi.
Mesmo contando com Maradona, entre 1978 e 1998 vieram aos xeneizes só dois títulos argentinos e alguns torneios caça-níqueis da Conmebol, como a referida Supercopa 1989. A válvula de escape eram os Superclásicos: nunca o River foi tão freguês como nos anos 90. Chegou a não conseguir vencer nenhum dérbi oficial dentro da própria casa entre 1991 e 1999, no Monumental de Núñez.
Mas o último título argentino boquense havia sido em 1992. Desde então, o Boca viu as taças se alternarem praticamente entre o River e o próprio Vélez (clube que até então só havia sido campeão uma vez, no distante 1968) de Bianchi. O River, aliás, igualara-se em 1996 em número de Libertadores vencidas pelos auriazuis. Era o mais midiático clube argentino no exterior. Até o San Lorenzo conseguira ser campeão, em 1995, quebrando jejum de mais de 20 anos…
Mesmo quando o Boca fez uma campanha de campeão, em 1997, ficou no vice, no melhor retrospecto até hoje de um segundo colocado em mais de vinte torneios curtos (só 7 campeões tiveram campanhas melhores). O mesmo torneio viu a saída do goleador uruguaio Sergio Martínez e, principalmente, a aposentadoria de Maradona, outra razão que tornou aquela edição histórica: clique aqui.
No campeonato seguinte, o Clausura 1998, o time ficou à deriva. Nem mesmo a fanática torcida La 12 aguentou em determinado momento, indo embora antes do fim (algo único) em um 4-1 em casa para o decadente Ferro Carril Oeste. E outros astros saíram: Caniggia, um dos poucos que se salvavam (não à toa foi cogitado para a Copa do Mundo), e Diego Latorre, segundo quem o clube era “um cabaré”, em alusão a vazamentos detalhados de conversas em tese privadas dos vestiários. O técnico Héctor Veira, apesar da grande campanha de 1997, não resistiu. “A partir de 1998, a chave para ganhar tudo foi o Bianchi”, afirmou o mesmo Latorre. Afinal, o novo treinador praticamente usou a base do elenco desfalcada daquelas estrelas que foram embora.
Base ainda sem algumas figurinhas carimbadas do novo ciclo: Burdisso, Clemente Rodríguez, Schiavi e Marcelo Delgado só viriam depois, e Battaglia, ainda nas fraldas, foi um reserva não usado. Chegaram junto com o novo técnico o lateral Ibarra e o veterano volante Basualdo, que já havia trabalhado com sucesso naquele Vélez do Virrey, além de Barijho e Pereda, não tão marcantes; e Gustavo Barros Schelotto voltou do Unión, onde fora exilado após vias de fato com Veira. E só.
Ironicamente, a estreia após amistosos de pré-temporada foi justo diante do Vélez, que venceu por 1-0 na Copa Mercosul. No Apertura, a primeira rodada foi contra o rival velezano, aquele mesmo Ferro Carril Oeste (Platense, Gimnasia de Jujuy e Talleres foram outros participantes há tempos longe da elite atual): desta vez, vitória por 4-2. Assim começou o vitorioso Apertura 1998, já com o Boca na liderança, ocupada de ponta a ponta e não deixando margem a dúvidas.
Córdoba, Ibarra, Bermúdez, Samuel e Arruabarrena; Cagna, Serna, Basualdo e Riquelme; Guillermo Barros Schelotto e Palermo era o sólido e contundente onze titular, muitos bancados após a chegada de Bianchi, especialmente Córdoba (o titular era Abbondanzieri, que só voltou após a saída do colombiano), os juvenis Samuel (sem mais o recém-vendido Fabbro na sua vaga) e Riquelme (sem Maradona), além de Guillermo Barros Schelotto (sem Caniggia) e Cagna.
Em 19 jogos, a equipe só não venceu 6, todos estes empatados, incluindo um 0-0 no Superclásico no Monumental em que Córdoba pegou um pênalti de Gallardo. Das 13 vitórias, destaques para um 6-2 no Huracán, um 4-2 no Belgrano em Córdoba, um 3-0 no Colón em Santa Fe, um 3-1 no San Lorenzo na casa rival (ressalte-se que os azulgranas são tradicionalmente os únicos que têm vantagem em encontros contra o Boca) e um 3-2 no Central em Rosario com gol de Palermo nos acréscimos na última rodada antes do título, garantido por sua vez na antepenúltima do torneio.
Folga tão grande que um medíocre 0-0 bastou para assegurar uma lenta volta olímpica. Foram 45 gols marcados (melhor ataque), 18 sofridos (melhor defesa) e 9 pontos de vantagem para o vice Gimnasia LP, diferença ainda mais gritante para um torneio de turno único. Desde o início da era profissional, em 1931, foi só a quinta vez que um time foi campeão invicto na Argentina. O San Lorenzo o foi em 1968 (clique aqui) e em 1972 (aqui). O Ferro Carril Oeste, em 1984. O River, em 1994, sobre o próprio Boca na Bombonera. Depois da taça de 15 anos atrás, só o mais menosprezado Boca de 2011 conseguiu.
Aquele Boca deu início ao ressurgimento do clube, que emendaria no Clausura 1999 seu primeiro bicampeonato nacional desde 1976. Enquanto Carlos Menem saía do poder, o time ficou invicto por 40 jogos no campeonato argentino, superando em um o recorde do celebrado Racing dos anos 60. Mas a taça da metade inicial da temporada 1998-99 já seria suficiente para recolocar em 2000 o Boca na Libertadores, a expandir internacionalmente o domínio consolidado no país.
“O eixo de tudo era a mentalidade, o manejo, a identidade e o critério de Carlos. Esse carro era um grande Mercedes-Benz, mas o piloto é fundamental”, declarou El Patrón Bermúdez, do idolatrado trio colombiano auriazul que formava com o goleiro Córdoba e o raçudo meia Chicho Serna, que por sua vez já disse que “se o Bianchi me oferece trabalhar com ele, largo tudo”.
Não à toa, quando Marcelo Bielsa, recém-empossado na seleção (Bianchi teria sido a opção inicial, mas recusou), optou por testar alternativas na Copa América de 1999, se baseou naquele Boca: Ibarra, Palermo e Samuel estrearam assim na seleção, enquanto Cagna, Riquelme e Guillermo Barros Schelotto voltaram. Um Boca tão bom que até sua camisa mais horrível, usada naquela temporada (a barra dourada virou um quadrado para que nela coubessem inteiramente o número nas costas e, na frente, o escudo boquense e logos da “genial” Nike e do patrocinador principal), traz boas lembranças…
FICHA DA PARTIDA – Boca: Óscar Córdoba; Hugo Ibarra, Jorge Bermúdez, Walter Samuel e Rodolfo Arruabarrena; Diego Cagna, Mauricio Serna, José Basualdo (Fernando Navas) e Juan Román Riquelme (César La Paglia), Adrián Guillermo (Guillermo Barros Schelotto) e Martín Palermo. T: Carlos Bianchi. Independiente: Faryd Mondragón, Pablo Rotchen, Cristian Díaz, Víctor López (Cristian Gómez) e Óscar Sánchez, Claudio Graf, Esteban Cambiasso e César Toresani, Daniel Garnero e Mauricio Hanuch (Mario Turdó). T: César Menotti. Árbitro: Daniel Giménez.
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