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15 anos da última goleada do River sobre o Boca na Bombonera: os 3-0 da “vaselina de Rojas”

Em dezembro, no último (?) show de Carlitos Tévez pelo Boca, seu clube ganhou o Superclásico por 4-2 em pleno Monumental de Núñez. Na época, relembramos outras goleadas que Boca e River impuseram um ao outro na casa rival em jogos oficiais, não-amistosos (clique aqui). A ocasião anterior faz hoje 15 anos, simbolizada pela cereja no bolo: um golaço de vaselina, como os argentinos chamam gols de cobertura, anotado pelo autor mais improvável da partida – um zagueiro esforçado que só tinha um gol na carreira, o argentino naturalizado paraguaio Ricardo Rojas.

Eram tempos de mudança na Banda Roja. O River havia fechado os anos 90 autoproclamando-se “campeão do século”, por ser o maior vencedor do campeonato argentino. A campanha campeã no Apertura 1999 fez as pazes com um lado constrangedor: desde 1991 o River não vencia em casa o maior rival. Fora “apenas” isso, os millonarios andavam de cabeça erguida contra os xeneizes: ambos estavam igualados em número de Libertadores (dois cada) e Mundial (um cada), com a diferença que as conquistas do River estavam mais frescas, em 1986 e 1996. Já o Boca viva jejum desde 1978 nesses dois torneios.

Mas em dois anos os auriazuis dupliccaram a diferença, ganhando as Libertadores de 2000 (eliminando o River nas quartas-de-final) e 2001 e o Mundial de 2000. Para piorar, o River parecia ter desaprendido a vencer, com três vices seguidos. O Apertura 2000 foi o único torneio do Quarteto. Ficou no quase: na penúltima rodada, o líder Boca perdeu para o Chacarita, mas o River, que poderia ultrapassar o rival, não matou um jogo em casa contra o Huracán e levou o empate nos acréscimos. Desanimado, o Millo perdeu na última rodada para o Lanús (3-2).

Paralelamente, emoções agridoces na Copa Mercosul: nas quartas-de-final, venceu-se o Flamengo no Maracanã por 2-1 (Saviola e Ortega), mas no Monumental os cariocas se colocaram três vezes na frente do placar (1-0, 2-1 e 3-2), com sete minutos finais infartantes: Aimar fez 22 aos 38, mas na saída de bola Petkovic fez 3-2. Entre os 43 e os 45, Cardetti e Ortega viraram. Mas na semifinal, prevaleceu a histórica freguesia contra outro carioca, o Vasco, que fez 4-1 em Buenos Aires. Em meio a isso, o Boca vencia o Mundial e o Apertura, alcançando a tríplice coroa que era exclusiva do River de 1986.

Demichelis, Cambiasso, D’Alessandro e Cuevas festejam o título rodadas depois. E a capa da El Gráfico com Cambiasso, autor do primeiro gol: fim de uma era

No início de 2001, Aimar foi ao Valencia e Ángel, ao Aston Villa – para repô-los, estrearia em fevereiro um adolescente de 17 anos chamado Cavenaghi. Mas a debandada chegou também na retaguarda: Placente foi ao Bayer Leverkusen e Berizzo, ao (Euro)Celta. Por outro lado, os ídolos Astrada e Celso Ayala, ambos no Brasil, voltavam. Junto deles, o tal Ricardo Rojas, ex-Estudiantes, vinha do Benfica. Era o ano oficial do centenário e parecia que o título viria, com direito a um 3-1 sobre o concorrente San Lorenzo no Nuevo Gasómetro na oitava rodada. O River já era líder e ampliou a distância.

Mas na décima rodada veio derrota millonaria de 3-0 para o Boca na Bombonera, na recordada noite em que Riquelme, ao marcar no rebote de um pênalti, criou a comemoração (?) do “Topo Gigio” para peitar o então presidente boquense Mauricio Macri, que se recusava a aumentar o salário do craque. O River também perdeu pontos em casa para o Gimnasia (3-3) e via o San Lorenzo engatar treze vitórias seguidas, ainda um recorde histórico no campeonato argentino. Os azulgranas, treinados por Manuel Pellegrini, foram campeões também com a melhor pontuação da era dos torneios curtos (47). 

Na Libertadores, o River chegou a reverter um 2-0 do Emelec em Guayaquil para um 5-0 no Monumental nas oitavas, mas caiu na fase seguinte para a Cruz Azul. Os mexicanos saíram do Monumental com um 0-0 e meteram 3-0 no Azteca. Adiante, seriam justamente eles os vices do Boca. Saviola, estrela do título mundial sub-20 da seleção dentro de casa em julho, e Bonano foram negociados com o Barcelona, e Hernán Díaz se aposentou. Perdeu-se a paciência com o técnico Gallego e após a estadia interina de Patricio Hernández, acertou-se a volta do treinador dos dourados anos 90, Ramón Díaz. Sob ele, o garoto D’Alessandro, no plantel desde o início de 2000, começou a deslanchar.

Junto com El Pelado Díaz vieram o veterano goleiro Comizzo, de volta à casa, e o promissor volante Cambiasso, cujo passe já era do Real Madrid, que o amadurecia com empréstimos sucessivos ao Independiente. O River, eliminado na primeira fase da Mercosul, só engrenou tarde demais, na metade final. Apesar de resultados sonoros (4-2 no Vélez, 5-0 no Independiente em plena Avellaneda, 4-0 no Gimnasia, 4-1 no Chacarita, 4-0 no Lanús e 6-1 no Rosario Central na rodada final), não foi o suficiente para alcançar a regularidade maior do surpreendente Racing, especialmente após deixá-lo empatar no fim no confronto direto a quatro rodadas do fim. A Academia não era campeã nacional havia 35 anos, mas deixou o centenário riverplatense a ver navios.

O River vivia sua própria crise em meio à seríssima crise argentina. Em 17 de dezembro, a três dias da renúncia do presidente argentino Fernando de la Rúa em meio às mortes no caos das ruas que atrasara a final da Copa Mercosul entre Flamengo e San Lorenzo (seria no dia 19 e ficou para janeiro) e a rodada final do Apertura (programada para o dia 21, passou ao dia 27), os sócios riverplatenses, na segunda maior votação da história da instituição, decidiram eleger seu mais jovem presidente: José María Aguilar, de 39 anos, ganhou o pleito com 59%, mais de 20% à frente do segundo. Na crise, a nacional Quilmes foi trocada pela ianque Budweiser no patrocínio.

O ciclo adiante se mostraria desastroso, atrofiando as belas categorias de base com a demissão do brasileiro Delém, culminando mais adiante em campanhas medíocres, eleição de Daniel Passarella e rebaixamento em 2011. Ironicamente, começou promissor. Da Europa vieram Esnáider, ex-Real e Atlético de Madrid, e o veterano uruguaio Daniel Fonseca, que estreou com tudo ao empatar no último minuto um amistoso de verão com o Boca e definindo a partida ao acertar a última cobrança na decisão por pênaltis. Simbolicamente, rescindiu contrato pouco tempo depois ao não ser aproveitado por Díaz, voltando a Montevidéu para jogar no Nacional.

Díaz estava corroborado pelo excelente início no Clausura 2002, onde o River teria os reforços de “Chori” Domínguez e Claudio Husaín (ele e o colega Ortega seriam os únicos do futebol argentino na seleção convocada por Bielsa à Copa do Mundo), dentre outros. Parecia o River dos anos 90 de volta, sem dó: 3-1 no Talleres (com golaço de Ortega para finalizar), 4-0 no Huracán, 6-0 no Unión com quatro gols de Ortega e virada de 3-2 no Estudiantes dentro de La Plata (com três gols de Cavenaghi entre os dez e os dezoito minutos do segundo tempo para reverter o 2-0) foram os primeiros resultados. A surpresa ficou para 0-0 com o Nueva Chicago no Monumental. A sexta partida seria o Superclásico.

O Boca também se renovava (também trocando as bebidas no peito, de Quilmes para a estrangeira Pepsi). Suas duas maiores referências de 2000-2001 saíram: após a perda do Mundial de 2001 para o Bayern, Carlos Bianchi tirou um ano sabático e foi sucedido pelo maestro uruguaio Oscar Tabárez, respaldado por ter finalizado em 1992 o pior jejum nacional do clube (onze anos). Já Riquelme foi negociado com o Barcelona. Os xeneizes foram assim presas fáceis na própria casa. O River não vencia em La Bombonera havia oito anos, desde outro 3-0, na penúltima rodada do Apertura 1994, o único campeonato argentino que o Millo venceu de forma invicta.

Naquele domingo de 10 de março, Cambiasso abriu o placar aos 26 minutos, aproveitando a sobra de bola levantada por Ortega em cobrança de falta. Os visitantes dominavam as ações (Cavenaghi chegou a acertar o travessão) e ampliaram no fim do primeiro tempo – Ortega para Zapata, que devolve ao Burrito, que entrega a Cavenaghi, que repassa para Coudet chutar cruzado fora do alcance de Clemente Rodríguez e Abbondanzieri. 

O segundo tempo foi tranquilo. Ramón Díaz reforçou a defesa colocando Demichelis (no lugar de Zapata), Pereyra (no de Ledesma) e Husaín (no de Coudet) entre os 22 e os 35 minutos, também cozinhando a partida com tantas alterações em treze minutos. O jogo já estava ganho. E em uma tarde chuvosa onde tudo dava certo, o silencioso Ricky Rojas acreditou como nunca em si. Pegou sobra de bola de Cavenaghi, aguentou um carrinho traseiro de Carreño, passou a D’Alessandro e deu um pique desde o próprio campo de defesa. D’Ale tabelou com Ortega e já no ataque a bola foi devolvida a Rojas, que venceu a corrida contra Clemente Rodríguez e, ao observar Abbondanzieri adiantado, concluiu com um toque refinado de direita.

Ele, cujo único gol até então havia sido no Paraguai (pelo qual esteve na Copa de 1998) pelo Libertad, assumiu que nunca sonhara em fazer um gol assim. O presidente Aguilar, empolgado, logo o classificou como invendável. D’Alessandro, Husaín e Coudet faziam coro: “de la mano de Ricky, vamos a ganar, de la mano de Ricky, vamor a ganar, y la vuelta, la vuelta vamos a dar”. De fato, o time, embora eliminado cedo na Libertadores ao sofrer um 4-0 do Grêmio em Porto Alegre, embalaria a ponto de vencer o torneio (com esse troféu, Ramón Díaz virou o técnico mais vezes campeão no Millo) ainda na antepenúltima rodada, com um 5-1 no Argentinos Jrs com três gols da revelação Cavenaghi.

Cavegol também foi decisivo em um confronto direto com o concorrente Gimnasia, dando a vitória em La Plata a cinco minutos do fim. Outro resultado suado foi contra outro perseguidor, o Racing do deslanchado Diego Milito, que no último minuto tinha uma falta na entrada da área. Os alvicelestes tinham um a mais com a expulsão de Comizzo – quem estava com as luvas era o improvisado Demichelis, com as três substituições já previamente feitas. No rebote da cobrança, outro paraguaio fez o gol, mas para o River: Cuevas, em contra-ataque fulminante que puxara graças a… Rojas, raçudo para recuperar a bola.

Mas falar de Ricky no clube ainda é falar da vaselina de quinze anos atrás. Uma vitória na história também da revista El Gráfico, cuja capa (com Cambiasso, que enfim seria efetivado pelo Real Madrid) referente ao triunfo foi a última semanal após 83 anos dessa periodicidade. Outro reflexo da crise argentina…

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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