125 anos da primeira final de futebol argentino (e do continente)
A Argentina tem o campeonato nacional mais antigo fora do Reino Unido. Surgiu em 1891, apenas três anos depois do primeiro campeonato inglês e apenas um depois do pontapé inicial do escocês e do norte-irlandês (na época, irlandês), sendo inclusive mais antigo do que o galês. Há exatos 125 anos, ocorria a última disputa da edição inaugural do Argentinão – que, como seus antecessores, era um torneio disputado entre vitorianos anglo-saxões.
A comunidade britânica na Argentina era bastante numerosa, a ponto de já em 1867 ser criado o primeiro clube oficial de futebol do país e das Américas: o Buenos Aires Football Club, de tempos em que a palavra football era genérica, podendo designar também o rúgbi. O clube surgira a partir do Buenos Aires Cricket Club, ainda mais antigo. O BAFC praticava futebol, mas voltou-se mesmo ao rúgbi. Também em 1867, surgiu o Rosario Athletic Club, outro a se aventurar nos esportes bretões.
Como pioneiro, o Buenos Aires FC participou do campeonato argentino de 1891, epílogo de seu futebol: ganhou só uma partida e em 1899 tornava-se um dos cinco fundadores da União de Rúgbi do Rio da Prata, precursora da atual União Argentina de Rúgbi (esporte onde ganharia seis das dez primeiras edições do campeonato). No futebol, competira com Old Caledonians, St. Andrew’s, Belgrano FC, todos da capital federal, e o Buenos Aires-Rosario Railway, que mandava jogos em Campana. Houve outro inscrito, o Hurlingham FC, de Hurlingham, mas não chegou a competir.
Ao fim de um campeonato em turno e returno iniciado em 12 de abril, F. Archer foi o primeiro artilheiro, com sete gols pela equipe do Buenos Aires-Rosario Railway, segunda colocada, com sete pontos. Depois veio o Belgrano, com cinco, e o lanterna e pioneiro BAFC, com dois. Old Caledonians e St. Andrew’s dividiram a liderança após seis vitórias, um empate e uma derrota para cada, somando então treze pontos cada um em tempos onde a vitória só valia dois. No confronto direto, vantagem do St. Andrew’s: em 17 de maio, derrotou o Old Caledonians por 4-0. E depois empatou em 3-3, no último compromisso que os dois tiveram, já em 30 de agosto.
Como o 3-3 era o jogo que poderia valer o título, os registros dos autores dos gols foram anotados: dois de Caldwell e um de Moffatt para o St. Andrew’s, e White, Sutherland e Riggs para o Old Caledonians. Mas o empate os manteve igualados. E embora o Old Caledonians tivesse saldo de gols mais favorável, dezenove (32 marcados, 11 sofridos) contra nove (23 marcados, 12 sofridos), não havia nenhum critério de desempate previsto no regulamento para o título, que acabou dividido. Eles eram formados inteiramente por escoceses (a Escócia, cujo padroeiro é Santo André, era chamada de Caledônia pelos antigos romanos), fundamentais naqueles primórdios do futebol argentino.
A associação, porém, tinha receita para adquirir apenas uma coleção de medalhas e foi por elas que os dois campeões argentinos de 1891 travaram um jogo-extra há exatos 125 anos, em 13 de setembro de 1891. As escalações foram F. V. Carter; L. C. Penman, William A. Waters; F. Francis, Alexander Buchanan, W. Smith; John Caldwell, Charles Douglas Moffatt, H. Downes, E. Morgan e W. Brown para o St. Andrew’s; e F. Edmonds; E. R. Gifford, M. Scott; W. Angus, R. Phillips, R. Smith; R. Cordner, H. White, R. Sutherland, E. L. Wilson, J. Riggs para o Old Caledonians.
Wilson marcou para o Old Caledonians, mas Charles Douglas Moffatt (ironicamente, ausente na foto abaixo) fez valer o melhor retrospecto do St. Andrew’s no confronto direto. Marcou os três gols da vitória por 3-1 da sua equipe. Atualmente, o resultado do tira-teima pelas medalhas é usado para considerar o St. Andrew’s como único campeão, para alguns historiadores. Pois não há uma estatística oficial da AFA: em 1892, a associação falhou em repetir a experiência inaugural e foi dissolvida. Uma nova associação surgiu em 1893 e reiniciou as disputas argentinas, ininterruptas até hoje.
A nova associação foi fundada por outro escocês, Alexander Watson Hutton, que acabou considerado “o pai do futebol argentino”. Ele havia trabalhado na St. Andrew’s Scotch School, o colégio que originara o time campeão. Mas, contrário aos métodos conservadores do local (a escola privada mais antiga da Argentina, criada em 1838), que não era tão entusiasta assim da educação física e incluía claustros e castigos corporais, Hutton fundara ainda em 1884 sua própria escola, a Buenos Aires English High School – cujo time, o Alumni, venceria dez campeonatos entre 1900 e 1911.
A atual AFA considera-se sucessora da associação formada em 1893 e não reconhece o torneio de 1891. Por isso, promoveu em 1993 e não em 1991 a Copa Centenário, troféu mais expressivo do Gimnasia LP (fundado ainda em 1887, só passara a jogar futebol em 1905). O Old Caledonians, formado por trabalhadores dos diques do porto de Buenos Aires, esvaiu-se com a volta deles à Escócia e não voltou a participar. Já o time de St. Andrew’s jogou mais um campeonato, o de 1894, onde foi quinto de seis.
Do mesmo colégio que originara o St. Andrew’s, outros veteranos fundariam o Club San Andrés, que voltou-se ao rúgbi e traja-se com o típico azul-marinho escocês. Um dos jogadores mais conhecidos do San Andrés é Nicolás Pueta, famoso por persistir no jogo embora praticamente não tenha uma das pernas e que por isso virou palestrante motivacional.
O manto original do Independiente baseava-se no do St. Andrew’s, sendo branco com a sigla IFC (de Independiente Football Club) sobre a bandeira escocesa. Essa camisa e versões atualizadas do antigo brasão ainda são usadas no uniforme reserva (as calças e meias foram mantidas em azul-marinho “escocês” após a adoção da camisa vermelha, formando assim a mítica combinação de cores dos Diablos Rojos). É o que restou, no futebol, do vencedor de 125 anos atrás.
Já abordamos indiretamente o campeonato de 1891 em outros Especiais. Confira abaixo:
Escócia, terra fundamental ao futebol argentino
145 anos do primeiro clube de futebol da Argentina (e da América): o Buenos Aires Football Club