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11 jogadores para os 110 anos do Belgrano de Córdoba

Nestas idiossincrasias tão naturais do futebol argentino, na cidade de Córdoba há um clube chamado Belgrano, e popularíssimo. Já teve até outro, na verdade, e a província homônima também tem outro, na cidade de San Francisco e integrante da segundona nacional. Mais antigo dos grandes clubes cordobeses, o Pirata fez 110 anos nesta quinta-feira, que resumiremos em 11 jogadores celestes.

Explica-se a ironia: Córdoba opusera-se à independência, menos de cem anos antes daquele 19 de março de 1905, quando garotos de fora da comunidade britânica formalizaram a existência de um clube de bairro. Equipe inspirada exatamente em Manuel Belgrano não só no nome mas também nas cores, as mesmas da bandeira argentina, idealizadas por ele, um dos líderes da independência.

E não é exagero afirmar que Arturo Orgaz (primeiro presidente e cujo pai teria proposto o nome), Raúl Luque, Aurio Gardella, José Oviedo, Ernesto Doering, Pedro Oliva, Oscar Orgaz, Ramón Quiroga, Nicolás Flores, Telmo Baigorria, Ernesto Barabraham e os irmãos Esteban, Balbino, Nicolás, Ricardo e José Lascano (cuja mãe deu a ideia das cores) nasceram campeões. Praticavam “o jogo dos ingleses” no fundo da casa dos Lascano contra outros conjuntos de Alberdi, bairro onde moravam. E descobriram que no bairro de Nueva Córdoba já havia um time chamado Belgrano. Houve um desafio pelo uso do nome.

Os de Alberdi venceram, mas curiosamente chegariam a jogar no bairro de Nueva Córdoba entre 1910 e 1912: o progresso da cidade eliminou o campinho onde atuavam. A volta às origens se possibilitou após um vizinho, Rafael Moreno, lhes ceder em 1913 um terreno no qual em 1929 seria enfim erguido o Gigante de Alberdi – o estádio belgranense, situado na rua que leva o nome de Arturo Orgaz e que contou com Ricardo Lascano na partida inaugural.

O pioneirismo pirata teve capítulos novos em 1913, quando fundou e foi o primeiro campeão da liga cordobesa; em 1918, com o primeira convocação pela seleção argentina de um jogador do futebol cordobês; em 1920, com o primeiro uso efetivo por parte dela de um atleta desse futebol; em 1945, ao ser o primeiro clube local a ter iluminação artificial em seu estádio; e em 1968, quando os celestes foram os primeiros da província no Torneio Nacional, que entre 1967 e 1985 reuniu os melhores clubes do campeonato argentino (que apesar do nome era limitado à Grande Buenos Aires, La Plata, Rosario e Santa Fe, tanto que foi renomeado de “metropolitano” nesse período) – e estrearam com honra, batendo San Lorenzo, campeão invicto do metropolitano naquele ano, e o Estudiantes, campeão mundial.

La Purposa García, dos anos 50, e os laterais de seleção em 1975, Suárez e Pavón

Naturalmente, muitos dos nomes que escolhemos foram atrelados a estes feitos de um clube que é muito mais que apenas aquele que terminou por rebaixar o River Plate, em 2011. Vamos a eles:

GOLEIRO: Héctor Tocalli foi o eleito pelos torcedores nos 95 anos do clube, em 2000. Afinal, era o dono da posição quando o Belgrano teve maior projeção nacional, dos anos 70. Mas ousamos insistir em Sergio Elvio García, La Porposa. Dono de bons reflexos, defendeu os arcos por dezesseis anos, entre 1950 e 1966, ganhando seis títulos nos anos 50.

LATERAIS: não cabem maiores discussões. Rafael Pavón e José María Suárez não eram exatamente técnicos, mas esta nunca foi exigência para ser ídolo no Pirata – um clube nascido pela paixão de bairro e não atrelado à britânica ferrovia Central Córdoba (cujos empregados criaram o Talleres e o Instituto). Mesmo de físico diminuto, compensavam na garra e na vontade e foram ambos usados pela seleção em 1975. Pavón esteve na Copa América daquele mesmo ano e Suárez em seguida passou ao Boca, onde passaria os seis anos seguintes, vencendo as duas primeiras Libertadores ganhas pelos auriazuis.

ZAGUEIROS: Rubén Coletti foi outro eleito em 2000, bem como Tomás Cuéllar. Cuéllar foi capitão por vários anos, participando daquele acesso ao Nacional em 1968 e até meados dos anos 70 como um forte marcador no mano-a-mano. Coletti ajudou a segurar Antonín Panenka e o resto da seleção tchecoslovaca, então campeã da Eurocopa mas que foi derrotada por 2-0 em amistoso em 1979, e o estelar Cosmos em um 1-1 em 1978, mas preferimos outro longevo capitão para acompanhar Cuéllar: Maximiliano Unamúnzaga, presente no título inaugural de 1913 e em outros cinco até largar a braçadeira em 1922. Não só defendia como era descrito de bom cabeceio e arremate.

VOLANTES: o Belgrano já teve nomes mundialmente conhecidos no setor pelo refinamento e bom passe. Osvaldo Ardiles foi campeão mundial em 1978, mas atuou apenas em 1974, emprestado pelo Instituto (mas chegando a marcar o gol de um empate em 1-1 simplesmente contra a seleção argentina, que se preparava à Copa do Mundo). José Luis Villarreal foi eleito em 2000, credenciado como líder do título regional em 1986 que garantiu o Pirata na primeira segundona nacionalizada, jogando depois em Boca, River (sendo um raríssimo aproveitado na seleção por ambos) e Atlético de Madrid além de retornar aos celestes no fim da carreira. Mais recentemente, Mario Bolatti integrou o acesso à elite em 2006.

Cuéllar em 1968, ano do acesso ao nacional. Unamúnzaga (primeiro em pé) e Dellavalle (penúltimo) em 1921, quando Dellavalle foi titular na primeira Copa América vencida pela Argentina

Mas ficamos com Miguel Dellavalle, o tal primeiro jogador do futebol cordobês a defender a Argentina, em 1920. E jogou por ela por dois anos, sendo titular na primeira vez em que a Albiceleste foi campeã da Copa América, em 1921. Em tempos românticos do futebol, apesar do emprego de policial concedido pelo governo por ter se tornando um ídolo de toda a província, jamais superou a amargura da necessidade de parar de jogar: suicidou-se aos 34 anos, em 1932, usando o revólver de trabalho. Devia ter doído ver o Talleres ser tetra cordobês de 1921-24, o Instituto o ser de 1925-28 e quando seu amor enfim engatou sequência semelhante (chegaria ao penta em 1933) não jogar mais.

El Negro Dellavalle e os laterais Pavón e Suárez defenderam a seleção como belgranenses. A seu lado, poderia estar Froilán Altamirano, com o mérito de passar treze anos fiéis apesar da falta de mais títulos entre 1959 e 1973, integrando o acesso ao nacional de 1968. Mas preferimos o caudilho Julio Murúa, de quinze anos celestes e mais auspicioso: campeão cordobês em nove deles, entre 1929 e 1943.

MEIAS: Atendendo os eleitos em 2000, ficamos com Roberto Monserrat e o uruguaio Luis Ernesto Sosa, de tempos mais recentes, os anos 90. Ambos participaram da campanha que enfim colocou o Belgrano na elite do campeonato argentino, em 1991 (o torneio passara a admitir desde 1987 equipes de fora do eixo da capital federal que tivessem ganho a segundona, nacionalizada em 1986).

O Pirata era o grande cordobês que faltava: o então Torneio Metropolitano havia feito exceções nos anos 80 exatamente aos rivais Talleres, Instituto e Racing de Córdoba, que o disputaram por conta de grandes campanhas feitas no extinto Torneio Nacional. Monserrat chegou a ser convocado pela Argentina, embora só tenha efetivado a estreia por ela já no San Lorenzo, onde foi ídolo pelo passe preciso e saber ser um elemento surpresa para definir: era apelidado de El Diablo e também esteve bem no River, onde integrou os vencedores da Supercopa 1997, até 2014 a última taça continental do Millo.

Já Sosa não esteve só no primeiro acesso do Belgrano ao Argentinão como marcou a dois minutos do fim o gol dos 2-1 de virada que garantiram essa subida, contra o San Martín de Tucumán. Esteve também no segundo acesso, em 1998. E foi ídolo até na ausência: pelo obscuro Huracán Corrientes, em 1996, também ascendeu à elite, eliminando nisso o Talleres, no que dedicou  à torcida do ex-clube. Segue entre os celestes até hoje, como assistente do técnico Ricardo Zielinski.

O acesso de 1991: Monserrat carregado e Sosa celebrando o gol da conquista, a 2 minutos do fim

ATACANTES: o fundador José Lascano foi quatro vezes artilheiro da liga cordobesa e atuou de 1905 a 1920, além de ser o tal primeiro jogador do futebol local convocado pela seleção, em 1918 (nunca a defendeu). A linha ofensiva de 1947, que conseguiu a maior goleada dos clássicos cordobeses (9-4 no Talleres, com quem faz o dérbi mais realizado da Argentina, no qual os piratas é quem têm mais vitórias) era chamada de Quinteto de Oro, com Héctor La Cartuchera Carrizo, Justo El Maestro Coria, Oscar La Mona Peralta, Dardo El Dardo Lucero e Francisco Paquito García…

…Dos mais conhecidos, Juan Carlos Palito Mameli foi decisivo na estreia nacional em 1968 e logo repassado ao Nacional de Montevidéu, onde ganhou a primeira Libertadores e Mundial do tricolor uruguaio. No início dos anos 70, atuaram juntos no Gigante de Alberti dois futuros atacantes do Barcelona, Bernardo Cuchi Cos e Juan Carlos Milonguita Heredia (ambos na campanha de 1971, que não foi às semifinais por dois míseros pontos), e um futuro do Real Madrid, Carlos Chupete Guerini…

… Mas apesar da concorrência tremenda, José Reinaldi e Luis Fabián Artime são imbatíveis como dupla hipotética. Reinaldi tem o mérito de ser querido tanto no Belgrano como no Talleres, pelo qual foi vice nacional em 1977, artilheiro do nacional de 1978 e jogador de seleção em 1979. Mas se em La T teve mais holofotes, no Pirata foi ainda mais brilhante: La Pepona é o maior artilheiro do Belgrano, com 103 gols, e com passagens desde os fins dos anos 60 (integrando o acesso de 1968, ocasião onde o sósia de Hulk Hogan foi eleito o melhor jogador dos times do interior) até o início dos anos 80. Acabou contratado pelo River, onde esteve em 1975 nos títulos que quebraram jejum de 18 anos do maior campeão argentino, e no vice da Libertadores 1976.

Luifa Artime é em quase toda a Argentina “apenas o filho” de Luis Artime, implacável goleador dos anos 60 e 70. Clique aqui para conferir o especial dedicado ao pai, homem de 24 gols em 25 jogos pela Argentina, 80 em 90 pelo River, 48 em 57 pelo Palmeiras e ainda mais decisivo no Nacional de Montevidéu (onde foi colega de Palito Mameli no primeiro elenco tricolor campeão da Libertadores e mundial, em 1971, marcando gols em todas as finais). É em Córdoba que Luis é “apenas o pai” de Luifa, o maior artilheiro do Belgrano considerando-se apenas partidas do campeonato argentino: foram 86 gols, pelos anos 90 até 2005. Sua despedida foi inclusive em meio às festividades do centenário, mas como nenhum jogador é maior que um clube ela ocorreu em 13 de março e não 19.

TÉCNICO: o sereno Ricardo Zielinski, claro. Segue no barco pirata há quatro anos, maior estabilidade que os celestes já alcançaram em série na elite argentina. Uma sequência iniciada no meio da segundona de 2010-11, com El Ruso tirando o clube do fundo da tabela e a 20 pontos abaixo dos líderes para passar 14 jogos invicto e conseguir a vaga na repescagem de acesso, onde o time protagonizou a hecatombe “rebaixamento do River Plate”. Para em seguida obter um quarto lugar com a mesma pontuação do segundo logo no retorno à primeira divisão, no Apertura 2011. Só não foi a melhor campanha nacional da história do clube porque também alcançou-se um terceiro (com a mesma pontuação do segundo, novamente) no Apertura 2012. E no Torneio Inicial 2013, apesar da sexta colocação, o campeão San Lorenzo terminou apenas quatro pontos na frente…

*Com agradecimentos ao amigo Esteban Bekerman. Conheça um pouco mais do futebol cordobês neste outro Especial.

Dupla ofensiva só poderia ter os maiores artilheiros, Reinaldi e Luifa Artime. E só Zielinski poderia ser o técnico
Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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