Albiceleste, Canarinho, Celeste Olímpica. Sinônimos das seleções mais emblemáticas da América do Sul, respectivamente Argentina, Brasil e Uruguai, nem sempre puderam ser associadas a elas. Antes de terem seus uniformes icônicos, o trio usou outros como principais.
Os brasileiros sabem que usavam camisa branca até perderem a Copa de 1950. Mas nem tanto que os rivais também usavam outros uniformes antes. Ausente na bandeira do Uruguai, que tem azul “normal”, branco e o amarelo do sol, a camisa azul celeste e as calças e meias negras passaram a ser o uniforme charrua em 1910 em homenagem ao River Plate uruguaio. Aquele River tinha camisa branca e vermelha como o River argentino, mas usou a celeste para enfrentar um time de uniforme parecido: o Alumni.
O Alumni nada mais era o grande vencedor do futebol argentino no início do século XX, dono de dez títulos no campeonato nacional. Mesmo retirando-se do futebol em 1913, até hoje, exatos cem anos depois, só os cinco grandes o ultrapassaram: Boca, River, Racing, Independiente e San Lorenzo. Os cinco eram ainda clubes pequenos, recém-fundados: River em 1901, Racing em 1903, Boca e Independiente em 1905 e San Lorenzo em abril daquele 1908. Nenhum estava na elite ainda: o primeiro a chegar, o River, conseguiria o acesso em dezembro daquele ano.
O Alumni, que inspirou o uniforme também do Estudiantes de La Plata, era naturalmente a base da seleção argentina e quase não perdia. Um dos poucos reveses foi naquele jogo em que o River uruguaio usou a “reserva” camisa celeste. Em misto de homenagem e supersticiosa provocação, o Uruguai, até então frequente freguês da Argentina, resolveu usar as cores do River naquele dia. E venceu. Coincidentemente, passou a equilibrar as vitórias na rivalidade platina. A camisa celeste com calças e meias negras se firmou, a ponto de ser usado por todas as seleções uruguaias, não só a de futebol.
E a Argentina? Até adotar a camisa alviceleste, ela usou mais de um outro modelo. Incluindo até a camisa do Alumni. E, ironicamente, uma celeste, justo para os primeiros jogos contra o Uruguai, em 1902 e 1903. Outros clubes já usavam a camisa alviceleste antes mesmo da seleção. O primeiro teria sido o Atlético Tucumán, a adotá-la em 1903. Já a inspiração teria vindo a partir de um clube mais próximo de Buenos Aires: o hoje sumido Argentino de Quilmes, único clube da atual 5ª divisão que já chegou a estar na elite. Há uma versão que diz que o Racing, ao também passar a usar o mesmo modelo em 1910, teria até lhe pedido autorização.
Fundado em 1899 em contraponto ao Quilmes, então um clube praticamente restrito à comunidade britânica (daí vem seu uniforme nas cores das seleções inglesa e escocesa), o Argentino tinha alta competitividade naquele período. Até os anos 30, ainda teria certo prestígio: o goleiro hermano titular na final da Copa de 1930, Juan Botasso, era jogador do Mate, apelido que o Argentino recebeu ao servir seus primeiros adversários após os jogos com chá-mate, mais “nacional” – outro contraponto ao rival Quilmes, que usava chá inglês. Associadas ao rúgbi, as confraternizações pós-jogos entre adversários (o “terceiro tempo”) eram comuns no futebol também.
Fato é que a Argentina estreou bem a novidade. 2-1 no Uruguai, em jogo disputado no estádio do Gimnasia y Esgrima de Buenos Aires. E com nada menos que oito jogadores do Alumni em campo – nove se considerado que o árbitro, Mariano Reyna, também jogava lá. Deles vieram os gols: o primeiro foi de Eliseo Brown, o mais jovem dos cinco irmãos Brown, a família de origem escocesa e a mais presente na seleção. Eliseo foi quatro vezes (seguidas) artilheiro do campeonato argentino, entre 1906 e 1909. Só dois homens o superaram e um foi Maradona. Falamos aqui dos Brown.
O outro gol foi do integrante de outra família escocesa importante para o Alumni e os primórdios do futebol argentino: foi de Arnold Watson Hutton, filho do imigrante Alexander Watson Hutton, considerado “o pai do futebol argentino” por fomentá-lo na Buenos Aires English High School, escola fundada por ele e que originou o Alumni. Um filme argentino de 1950, chamado apropriadamente de Escola de Campeões, contou sobre sua vida. Mencionamos o clube em especial de anteontem (aqui) e outras vezes no site.
Artilheiro do campeonato de 1910, Arnold marcou ali o primeiro gol de pênalti da Argentina. Ele foi o primeiro que ela chamou a partir de uma rivalidade: após o fim do futebol no Alumni, jogou pela seleção vindo do Belgrano Athletic, onde já praticava rúgbi: em 1910, foi campeão argentino deste esporte no rival e de futebol no Alumni. O Belgrano também jogava futebol na época; era o único que sabia rivalizar com o pessoal da English High School, situada no bairro de Belgrano. Assim, foram os primeiros rivais de bairro em Buenos Aires, hoje uma característica do futebol dela.
Nas escalações daquele 13 de setembro de 1908, é visível que o futebol argentino ainda era dominado pela comunidade britânica. Alumni, Belgrano e San Isidro hoje se dedicam ao rúgbi – veja-os aqui. O Estudiantes de Buenos Aires está na 3ª divisão, mas no momento é semifinalista da Copa Argentina (Maximiliano Susán jogaria no Alumni anos depois). Do lado adversário, o clube de Guillermo Manito, CURCC, virou em 1914 o Peñarol; e o clube de Ceferino Camacho, o Montevideo, antigo Deutscher, um dos quatro fundadores da liga uruguaia, desapareceria em 1909.
ARGENTINA: Carlos Wilson (San Isidro), Juan Brown (Alumni), Martin Murphy (Belgrano Athletic), Patricio Browne (Alumni), Harold Ratcliff (Belgrano Athletic), Ernesto Brown (Alumni), Gottlob Weiss (Alumni), Alfredo Brown (Alumni), Arnold Watson Hutton (Alumni), Eliseo Brown (Alumni) e Maximiliano Susán (Estudiantes de Buenos Aires).
URUGUAI: Cayetano Saporiti (Montevideo Wanderers), Juan Carlos Bertone (Montevideo Wanderers), Marcos Frommel (Nacional), Ceferino Camacho (Montevideo), Luis Carbone (Nacional), Guillermo Manito (CURCC), Vicente Módena (River Plate), Pablo Dacal (River Plate), Alberto Cantury (Nacional), Alberto Zumarán (Montevideo Wanderers) e José Braccchi (Dublín).
Árbitro: Mariano Reyna. Gols: Eliseo Brown (38/1º), Watson Hutton (23/2º) e Bracchi (37/2º).
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