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100 anos sem o multicampeão Alumni

Alumni1906
Time campeão de 1906: Carlos Buchanan, Juan Brown, José Buruca Laforia, Gottlob Weiss e Patricio Browne; Carlos Lett, Arturo Mack, Jorge Brown, Mariano Reyna e Ernesto Brown; Alfredo Brown e Eliseo Brown. Só Reyna não jogou pela Argentina

“Alumni A.C. se cita aos senhores sócios a assembleia geral com data 24 do corrente, no local da A.A.F., rua Maipú 131, às 9 p.m., para tratar a dissolução do clube e autorizar à C.D. para distribuir os fundos de acordo com o regulamento”, reportou de 18 a 24 de abril de 1913 a seção Sociedades y Compañías do diário La Nación. Há exatos cem anos, estava programada a reunião que extinguiria oficialmente o mais vitorioso clube argentino de futebol até então, o Alumni Athletic Club.

A importância dele pode ser demonstrada por vários outros fatos. Por exemplo, influenciou as seleções argentina e uruguaia, esta ainda a ter uma marca do clube: os orientales passaram a vestir em 1909 a camisa celeste com calções e meiões negros porque, com esta combinação, o River Plate uruguaio (extinto e sem ligação com o atual River de lá e com o argentino, que é mais novo), de camisa originalmente alvirrubra como a do Alumni, vencera-o. Seria uma supersticiosa provocação aos constantes adversários da seleção argentina, cujo principal celeiro era o Alumni, cuja camisa por vezes era usada pela Argentina antes da adoção das listras alvicelestes, em 1908.

Outros uniformes tiveram o clube por trás: o Boca, em seus primórdios, vetou o uso do vermelho e branco da bandeira de Gênova, terra de muitos moradores do bairro de La Boca, não por conta do rival River (que, na época também um pequeno time de La Boca, as adotou), mas para não ser tachado de copiador do Alumni. Já o Estudiantes de La Plata não teve este pudor e até hoje se veste como o primeiro decacampeão argentino: listras alvirrubras na camisa, calças e meias pretas.

Os dez títulos, por sinal, além de falarem por si, estabelecem outro sinal da grandeza do Alumni, exatamente um século depois. River (34 títulos nacionais), Boca (30), Racing (16), Independiente (16) e San Lorenzo (13) foram reconhecidos como “os cinco grandes do futebol argentino” nos anos 30, por atenderem os requisitos estabelecidos na época pela Associação do Futebol Argentino: no mínimo, 15 mil sócios, vinte anos de participações seguidas na elite e dois títulos nela.

Alumni1903
Time de 1903: Jorge Brown, Patricio Dillon, Carlos Brown, Juan McKechnie, Carlos Buchanan e Ernesto Brown; Walter Buchanan, Juan Moore, Arturo Mack, Spencer Leonard e Eugenio Moore

Hoje, daria no mesmo impor o critério de “mais títulos argentinos que o Alumni”, pois, cem anos depois, exatamente só os dito cinco o ultrapassaram – o San Lorenzo, o último, apenas em 1995. Todos só conseguiram já na era profissional (após 1931), e apenas o Racing chegou perto no amadorismo, onde teve nove. O Vélez, com campanhas consistentes por taças nos últimos anos e que já possui nove nacionais, é o mais provável de alcança-los em curto prazo.

“O segredo de seu êxito se deveu à amizade que existia entre os jogadores, mais do que a habilidade de seus componentes. Neste jogo, uma gota de mala sangre entre dois dos jogadores logo afeta a todo o team, coisa que nunca se sucedeu, devido, em grande parte, ao caráter dos irmãos Brown, e muito especialmente ao de Jorge”, explicou Carlos Lett, um dos 19 jogadores que o Alumni levou à seleção e artilheiro do campeonato argentino de 1905.

O clima familiar era mesmo forte. Só de outros jogadores da seleção, estiveram os irmãos Eugenio e Juan José Moore (até hoje os únicos gêmeos na seleção principal), os cunhados Arturo Jacobs e Carlos Buchanan e os mais prestigiados, já retratados aqui: os Brown, com cinco irmãos (Jorge, Carlos, Ernesto, Alfredo e Eliseo) e um primo (Juan, que até 1923 foi quem mais havia jogado pela seleção), além da família que originou o clube – criado como time da Buenos Aires English High School, fundada em 1884 pelo imigrante escocês Alexander Watson Hutton.

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Alexander Watson Hutton e Argentina em 1908, com sete jogadores do Alumni (*): Martin Murphy, Carlos Wilson e Juan Brown*; Gottlob Weiss*, Alfredo Brown*, Arnold Watson Hutton*, Eliseo Brown* e Maximiliano Susán (que jogaria lá em 1911); Harold Ratcliff, Ernesto Brown* e Patricio Browne*

Watson Hutton não trouxe o futebol à Argentina (o pioneiro Buenos Aires FC já o praticava em 1867), mas é considerado o patriarca da modalidade no país. Como explicado ontem, fundara em 1893 também a Associação do Futebol Argentino. Seu filho, Arnold, foi artilheiro do campeonato de 1910 (Jorge, Alfredo e Eliseo Brown também foram artilheiros; Eliseo conseguiu quatro vezes, só sendo superado por Maradona) e foi outro na seleção. Com exceção de Carlos Brown, sem comprovações, todos os citados acima também tratavam-se como irmãos na maçonaria, que tinha ainda outro do clube e da seleção, Patricio Browne.

Os dez títulos vieram em 1900, ainda com o nome de English High School Athletic Club, 1901, 1902, 1903, 1905, 1906, 1907, 1909, 1910 e 1911. Apenas Jorge e Ernesto Brown estiveram em todos, o que demonstra a força da instituição, que, ao contrário do Lomas Athletic (de seis títulos nos anos 1890) e do Racing (hepta seguido nos anos 10), conseguiu uma supremacia em série na era amadora mesclando diferentes formações, retardando o envelhecimento do elenco vencedor, causa de decadência do Lomas e, por muito tempo, também do Racing.

O envelhecimento, contudo, também atingiu o Alumni. Outro fator que fechou seu futebol foi não se fomentar como um clube autossustentável. Com amadorismo ferrenho, repassava grande parte de seus dividendos financeiros para a filantropia; o Hospital Britânico e o Patronato da Infância foram alguns dos oito beneficiários. Ao fim, o capital do clube estava em 12.322,29 pesos, de acordo com Jorge Brown, que era também o tesoureiro, na reunião de 24 de abril de 1913. Ela necessitava de quinze membros para seguir adiante. Compareceram sete.

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Juan Brown, até 1923, teve o recorde de jogos pela Argentina. Ao centro, ele no Quilmes, pelo qual ainda é o jogador mais presente na seleção. À direita, ele e Jorge Brown, aposentados, em capa de El Gráfico

A equipe já estava fora dos campos há mais de um ano. Em 1912, o vencedor dos três campeonatos anteriores anunciou de antemão que já não se faria presente. Ainda assim, alguns jogadores seus foram campeões naquele ano, injetando força no Quilmes, onde atuaram Ernesto Brown (a quem coube levar o anúncio da dissolução aos jornais. Com onze títulos argentinos, é o jogador mais vencedor do campeonato), Juan Brown e Lionel Peel Yates. Os cerveceros, então ainda também um clube característico da comunidade britânica, só venceriam outra vez, em 1978 – quando os craques das equipes mais fortes se ausentaram em virtude da preparação para a Copa do Mundo em casa.

O nome do clube, sugerido em 1901 por Charles Bowers, foi inspirado nas Alumni Associations dos EUA, e foi exatamente como uma associação de alunos da English High School que o Alumni subsistiu desde que deixou o futebol. A volta aos gramados, desta vez nos de rúgbi (onde já estavam o mencionado Buenos Aires FC e outros dos primeiros clubes argentinos de futebol), se deu em reunião presidida pelo mesmo Bowers 40 anos depois, em 1941.

Com a bola oval, o Alumni apareceu na elite nos anos 60 e já conseguiu cinco títulos (com supremacia na virada dos anos 80 para os 90), além de reencontrar a única equipe que lhe fazia frente no futebol argentino: o Belgrano Athletic, campeão em 1899, 1904 e 1908, extinguira seu futebol após rebaixamento em 1916. Foram estes os primeiros rivais de bairro em Buenos Aires (a English High School era, e ainda é, sediada no bairro de Belgrano), hoje uma tônica na cidade. Já falamos de ambos na seção “Rugby” do Futebol Portenho, aqui.

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Alumni foi tetracampeão seguido de rúgbi entre 1989 e 1992. À direita, em dérbi recente contra o Belgrano Athletic, rival desde os tempos de futebol

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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