Há dez dias, em 16 de dezembro, o Parma completou 100 anos. O time da cidade homônima enfrenta decadência há dez. Seu brilho se deu nos anos 90. E os argentinos foram fundamentais nisso.
A falência da Parmalat (cujo nome, a quem nunca reparou, faz referência à cidade e aos laticínios que produzia) reverberou pela equipe, que não vem sendo a mesma. A empresa, abordada em especial de anteontem (clique aqui), quebrou no natal de 2003. A parceria foi encerrada em abril de 2004.
Na primeira temporada sem a empresa por trás desde 1987, o Parma só não foi rebaixado no lugar do rival Bologna (são os mais vitoriosos da região da Emília-Romanha) por critérios de desempate. A queda veio em 2008, com um penúltimo lugar. Voltou imediatamente à elite em 2009, mas desde então nunca terminou superando um 8º lugar, por sinal sua colocação corrente na temporada atual da Serie A.
Assim, os anos 90 se comportaram mais como uma gloriosa exceção de um clube que, fora algumas participações nos anos 20, ficou quase toda a sua história fora da elite. Até 1990, tinha porte similar a seu outro rival, a sumidíssima Reggiana (não confundir com o Reggina), que por sinal tem mais vitórias no Derby dell’Enza, o dérbi do rio Enza, que separa as províncias de Parma e Reggio nell’Emilia. A rivalidade entre as duas já se manifestava antes do futebol, pela disputa da paternidade do queijo parmesão, político-corretamente chamado oficialmente de Parmigiano-Reggiano.
Apesar da desvantagem no clássico, foi vencendo um que o Parma, então historicamente um ioiô entre a segunda e terceira divisões, voltou em 1990 à elite. Mal comparando, foi um Bragantino (que, também antigo, só veio a irromper na mesma época) que deu muito mais certo, conseguindo mais glórias internacionais que times historicamente bem mais relevantes na Itália, como Roma, Napoli, Genoa, Torino, Fiorentina, Verona… e os argentinos, historicamente ausentes nos Crociati, começaram a chegar. O apelido vem do uniforme mais tradicional, branco com cruz negra no meio – até nisso os anos 90, celebrizando roupas auriazuis, foram um ponto fora de curva.
O primeiro hermano da nova época foi o meia Sergio Berti, na temporada 1992-93. O time foi 3º no italiano e campeão da Recopa Europeia, mas com participação quase nula de La Bruja, que logo saiu; eram tempos pré-Lei Bosman onde apenas três não-italianos (inclusive europeus) poderiam ser escalados e a contribuição do argentino foi mais extracampo, ajudando o colombiano Faustino Asprilla a se ambientar. Na temporada seguinte, veio o zagueiro Roberto Sensini, figura carimbada da seleção argentina na década. El Boquita logo se destacaria: na abertura da temporada, na Supercopa da UEFA, fez um dos gols nos 2-0 sobre o Milan dentro do San Siro, revertendo os 1-0 sofridos em Parma e garantindo o título.
Sensini voltou a se destacar ao marcar o gol da classificação a nova final de Recopa, sobre o Benfica. O time perderia a final para o Arsenal, mas na temporada seguinte venceria outro troféu continental, a Copa da UEFA, sobre a favorita Juventus. Ao fim da década, já era capitão e é o estrangeiro que mais defendeu o Parma (e o quarto homem que mais jogou por ele na elite). Ele foi vendido à Lazio em 1999 para enfim ser campeão italiano no clube romano, título que sempre escapou dos Gialloblù. Voltou em 2000, mas já não foi tão bem. Só outro argentino tem trajetória comparada à dele.
Trata-se do atacante Hernán Crespo. El Valdanito chegou em 1996, após marcar os gols do último título do River na Libertadores e ser artilheiro das Olimpíadas de Atlanta. Mal chegou e o time chegou bem perto do scudetto, ficando no vice para a Juventus, melhor colocação que o Parma conseguiu na Serie A. Mas o grande momento viria na temporada 1998-99. O clube se reforçou ainda com Juan Sebastián Verón e o veterano Abel Balbo e venceu de novo a Copa da UEFA, além da Copa da Itália.
Até Balbo, que não vingou tanto, deixou seus gols: no título europeu, marcou sobre o Rangers nas oitavas, outro no inapelável 6-0 no Bordeaux nas quartas e um no 2-1 sobre o Atlético de Madrid na semifinal. Mas ficou na reserva na dupla de Enrico Chiesa com um fantástico Crespo. A final da Copa da Itália, contra a Fiorentina, opôs este e seu “rival”, Gabriel Batistuta, contra quem disputava vaga de centroavante da seleção. Melhor para o goleador daquele Parma, que marcou nos dois jogos das finais, 1-1 em casa e 2-2 em Florença: taça para os auriazuis pelos gols fora de casa.
Já na Copa da UEFA, Crespo fez dois naqueles 6-0 no Bordeaux (que teve ainda outro gol argentino, de Verón) e também um nos 3-1 sobre o Atlético de Madrid em Madrid. A final por pouco não foi o clássico contra o Bologna, eliminado pelo Olympique de Marselha por um gol de pênalti a quatro minutos do fim, resultando em pancadaria que suspendeu alguns franceses para a decisão. Melhor para o Parma: no frio de Moscou, Crespo abriu a torneira dos 3-0. Saiu em 2000 para a Lazio. Fez muito sucesso lá e foi bem ainda na Internazionale e no Milan (clique aqui), mas teve transcendência muito maior no Parma: é o maior artilheiro do clube na elite italiana, com 72 gols.
Quando esquentava a reserva do Genoa em 2009, já no ocaso da carreira, escolheu voltar não ao River, mas ao Parma, onde se aposentou em 2012. “Em Parma me sinto em casa sem abandonar minhas raízes argentinas”, já disse. Foi o único argentino a participar do jogo festivo do centenário, em que dois times de veteranos, um alvinegro (pelo qual jogou) e outro auriazul, se enfrentaram. Crespo substituiu Gianfranco Zola, marcou dois gols e deu duas assistências, para Mario Stanić e Diego Fuser. Seu time começou perdendo por 3-0 e venceu por 7-5.
A Lazio, aliás, também levara Verón, junto com Sensini em 1999. O Parma buscou um substituto na mesma fonte que lançara La Brujita na Itália, a Sampdoria, de onde comprou Ariel Ortega. Sua dupla com Crespo nos tempos de River começou bem reeditada, com um 2-1 de virada no Milan dentro do San Siro (Crespo fez o primeiro do Parma) para garantir a Supercopa Italiana, mas El Burrito não se saiu bem e já em 2000 voltava ao River. Na mesma temporada, Luciano Galletti foi outro contratado, sem jogar.
Em 2000, Lazio e Parma fizeram um troca-troca: Crespo pelo meia Matías Almeyda, eleito o melhor jogador do futebol italiano em 1999. E foi com El Pelado que veio o canto do cisne: vice na Copa da Itália em 2001 e título nela em 2002. Mas não foi um mar de rosas. A temporada 2001-02 viu um clube já quase quebrado financeiramente; mesmo com a taça, três técnicos chegaram a passar pelo time, entre eles Daniel Passarella. Alejandro Sabella, atual técnico da seleção, foi seu auxiliar.
O substituto de Passarella, Pietro Carmignani, teria perseguido o meia e, depois, os próprios ultras fizeram o mesmo. Segundo o atual técnico do Banfield, estariam coligados com dirigentes para que ele, um dos contratos mais altos dali, fosse vendido para arrefecer a crise: “uma vez me roubaram o carro (…). Em pouco tempo, em um jogo, a barra me esperou fora do vestiário. Diziam que lhes havia feito um gesto de fuck you. Era mentira, estavam combinados com o presidente. Tive que sair escondido no porta-malas do meu carro”. Ao fim da temporada 2001-02, Almeyda foi à Internazionale e Sensini, jogador mais vezes campeão no clube, voltou à Udinese, de onde fora comprado em 1993.
Os argentinos que apareceram desde então, com a exceção do decadente Crespo, foram obscuros: em 2003, Gabriel Oyola, ex-Talleres, ficou um ano. Em 2008, Leandro Martínez, vindo das categorias de base parmesãs, esteve no elenco rebaixado – o técnico na reta final foi Héctor Cúper. O zagueiro Pablo Fontanello, ex-Tigre, esteve na temporada 2009-10, sem jogar. Gabriel Paletta, do bom Banfield de meados dos anos 2000, chegou em 2010 e segue no time. Ignacio Fideleff pertence ao clube, embora emprestado hoje ao Tigre. Outro do plantel atual é o juvenil José Mauri, de 17 anos.
Desde o fim da fase áurea, o time não foi mais campeão, nem mesmo da Serie B de 2008-09, subindo como vice. A última taça foi aquela Copa da Itália de 2001-02 mesmo. Os principais nomes do elenco atual, Amauri e Cassano (que já não são sombra de três anos e meio atrás, quando eram bastante cogitados à seleção italiana para a Copa do Mundo), refletem o próprio Parma, tal como versos popularizados por Carlos Gardel no tango “Cuesta Abajo”: la vergüenza de haber sido y el dolor de ya no ser, “a vergonha de ter sido (grande) e a dor de já não ser (mais)”.
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