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100 anos do General Paz Juniors, grande de Córdoba

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Hoje um dos mais tradicionais clubes de Córdoba, segunda mais populosa cidade argentina, completa o centenário. Embora seja o menor dos grandes do futebol cordobês – ou o maior do menores -, tem inegável importância por lá. Afinal, a primeira grande campanha nacional de um clube da cidade veio dos Poetas del Césped (“Poetas do Gramado”), elenco vice nacional em 1943. Teve até formado no clube que chegou ao Real Madrid. Estamos falando do Club Atlético General Paz Juniors.

O Juniors, como carinhosamente resumido pelos torcedores, nasceu nos escombros do pioneiro do futebol cordobês: o Córdoba Athletic Club, fundado em 1878 pela comunidade britânica e que trouxe ainda os também bretões críquete e rúgbi, seguindo firme e forte nestes esportes, mas desativando o futebol em 1914. Dissidentes descontentes com a medida e que residiam no bairro de General Paz então fundaram um clube para si. Cerca de duas semanas depois daquele 27 de abril de 1914, em 10 de maio, o primeiro jogo do Juniors: um 3-2 sobre o Argentino Peñarol.

O primeiro presidente chamava-se Pedro Agnes Clara, mas a herança britânica ainda se fazia presente na escalação pioneira, como os jogadores McIlaren, Barnes e Sidney Williams, autor do primeiro gol. Naquela época, o futebol argentino, como o brasileiro, dividia-se em incipientes campeonatos provinciais. A diferença é que o de Buenos Aires – na realidade, o da capital – se intitulava de “argentino”. Um reflexo da divisão histórica entre a capital e o interior, com raízes na querela entre federalistas e os que defendiam um governo mais centralizado na capital. Como o radicalismo é elemento comum na política argentina, essas divergências resultaram até em guerras no século XIX.

O Juniors foi fundado justamente no feriado de 27 de abril, onde se lembra a vitória do centralista Justo José de Urquiza sobre Juan Manuel de Rosas em 1852. O general José María Paz que dá nome ao bairro e ao clube era aliado de Urquiza. Um breve relato histórico: Rosas, embora na teoria governasse apenas Buenos Aires, na prática era um ditador nacional. Já Urquiza queria um governo central efetivo, mas ainda com certa liberdade às províncias – ele era um caudilho da de Entre Ríos. Ele “foi o contrário” de Rosas: unificou o país na teoria e não na prática. Em 1861, foi derrotado por Bartolomé Mitre, governador de Buenos Aires e que centralizou ainda mais o país em torno da capital.

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Para os tradicionalistas, Córdoba tem 5 grandes: Racing, Talleres, Instituto, Belgrano e o Juniors

Por razões históricas desse tipo, além do transporte bem menos acessível da época em que o campeonato argentino foi formado, é que historicamente e até hoje ele se concentra na Grande Buenos Aires. Uma liga cordobesa foi lançada em 1902 e o Córdoba AC vencera as primeiras edições, mas à altura de 1914 não fazia mais frente a novatos. Belgrano e Talleres, as duas principais forças da cidade, passavam a dominar a liga. Nos anos 20, o Instituto emergiu como terceira força. O trio dominou o certame. Foi só em 1943 que o Juniors o venceria pela primeira vez. Mas no momento certo.

Isso porque, naquele mesmo 1943, um embrião da atual Copa Argentina foi lançado nas celebrações dos 50 anos da AFA, que se considera fundada em 1893: a Copa da República, um mata-mata entre campeões provinciais. Os albos lograram a primeira afirmação nacional de um clube cordobês, indo à final. Na trajetória, 6-0 no Sarmiento de Catamarca, 9-6 após prorrogação (!) com o Nacional (hoje Argentino) de Mendoza, 3-2 no Newell’s e 5-4 no San Martín de Tucumán, campeão da edição seguinte.

Eram os Poetas del Césped fazendo história. São ainda hoje reconhecidos como um dos melhores elencos do futebol cordobês e cuja formação-base era José Molinolo; Rodolfo Rosales e Ricardo Capozzuca: Antonio Gil, Pedro Moyano e Fernando Belucci; Carlos Lalo Lacasia, Ricardo Zuliani, Alfredo La Luria Guerini, Humberto El Negro Martínez e Francisco Paco García. Os 6-0 no modesto Sarmiento não despertaram muito entusiasmo, mas os resultados seguintes sim. Os 9-6 sobre o Nacional, por exemplo, vieram após nada menos que 150 minutos de jogo em vez de 90 ou 120.

“Me lembro que ganhamos os mendoncinos porque Deus é grande. Perdíamos de 5-3 quando faltavam 5 minutos e alcançamos o empate antes do fim. Fomos à prorrogação e não pudemos desempatar, porque fizemos um gol cada um. A regra estabelecia que devíamos ir a uma segunda prorrogação, e aí tivemos mais resto e lhes fizemos mais três gols”, contou Zuliani, talvez o homem mais identificado com o clube. Os dois jogos seguintes, ambos já em Buenos Aires, também vieram após viradas. Contra o Newell’s (onde jogava René Pontoni, ídolo do Papa Francisco: clique aqui), após estar perdendo por 2-0.

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“Negro” Martínez, “Lalo” Lacasia, “Gringo” Zuliani, “Luria” Guerini e “Paco” García: ataque do celebrado 1943

Zuliani chegou em 1937 e naquele ano foi vice cordobês – um de seus colegas naquele ano era Manuel Giúdice, depois ídolo no Huracán quase campeão em 1939 e técnico dos dois primeiros títulos do recordista Independiente na Libertadores (1964-65) e do primeiro nacional vencido pelo Vélez (1968). Segundo Zuliani, o elenco de 1943 não tinha maiores segredos, chegando até a ser treinado por um chefe de bombeiros que entendia mais de ginástica do que de futebol, o que reforça a tese de que a geração argentina dos anos 40 como um todo foi mesmo dourada (entenda clicando aqui):

“Jogávamos como faziam quase todos nessa época. Armávamos jogo pelo meio e atacávamos pelas pontas. Imagine que com cinco atacantes por time, os jogos eram um pouco mais entretidos e se jogava pensando no arco rival. E o time… era um verdadeiro timaço. Guerini e Lacasia eram jogadores bárbaros que jogavam sempre igual, ante uma multidão ou em um campinho. Além disso, La Luria pegava magistralmente na bola, como se tivesse uma mão no pé. Nunca vi nada igual. El Lalo era puro talento, talvez algo lento, mas estava cheio de sutilezas. Cansou de fazer dribles de caneta! E, bem, os demais acompanhávamos bem”, disse El Gringo Zuliani. Guerini e Lacasia de fato eram bons jogadores.

Guerini foi logo negociado com o Estudiantes em 1944 e estreou lá com quatro gols de uma vez no Independiente, mas seria pouco profissional. Já Lacasia foi mais longe: brilhou no Independiente nos anos 50, integrando o time que cedeu um quinteto ofensivo inteiro à seleção em 1953, na primeira vitória da Albiceleste sobre a Inglaterra: clique aqui. A final da Copa da República foi contra o San Lorenzo e o Juniors lhe marcou três gols. Pena que sofreu oito; chegou a estar perdendo de 5-0.

Mas a era de ouro não teria morrido com o vice: “Outro bom ano foi 1946, quando perdemos uma final inesquecível com o Belgrano. Havíamos empatado 3-3 e jogando melhor no tempo normal, mas na prorrogação eles, que tinham um ataque impressionante, nos fizeram mais dois gols”, disse Zuliani. A boa qualidade foi atestada também em revanche contra o próprio San Lorenzo em amistoso em 1944, em Córdoba. Deu Juniors, 5-2. Mas nova estiagem de títulos veio.

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GPJ campeão cordobês em 1964: ?, Colman, Fonseca, Bresolí, Baralle, D’Alessandro, Ávila e o técnico Zuliani; Sánchez, Piscitello, Roldán, Molina e Serrano

O segundo título cordobês demoraria mais de duas décadas. Nesse intervalo, talvez o valor mais destacado a despontar no Juniors foi Juan Castro: ficou de 1949-55 e em 1956, já pelo Rosario Central, foi artilheiro do campeonato argentino. Ele jogaria também no rival Newell’s, sendo um dos raríssimos 15 profissionais que viraram a casaca em Rosario, fez parte do grande Atlanta do início dos anos 60 e participou da primeira chegada do Colón à elite, em 1965.

Já a segunda taça provincial celebrou o jubileu de ouro do Juniors: foi em 1964 e com um improvisado Zuliani como técnico. “Talvez não teve um futebol tão apurado como o campeão de 1943, mas (…) era um time com bons valores em todas as suas linhas. Utilizávamos muito o contra-ataque, mas sem fazer um futebol defensivo”, disse ele, o único presente nas duas únicas conquistas que o clube teve na liga quando ela tinha valor. A próxima vez que o time venceria seria só um quarto de século depois.

Entre 1967 e 1985, foi disputado o Torneio Nacional, a ser disputado entre os melhores colocados do campeonato “argentino”, renomeado de “metropolitano” nesse período, e os campeões do interior. Vencer a liga cordobesa era o passaporte por um lugar ao sol no Nacional. Além do trio Talleres-Belgrano-Instituto, também o Racing de Córdoba e clubes menores como o Sportivo Belgrano de San Francisco (hoje na segundona com o Talleres e o Instituto e que fez cem anos doze dias atrás) e o Unión de San Vicente conseguiram o torneio provincial. Mas o Juniors, não.

Mas não foi por falta de qualidade. Foi “o” período de ouro do futebol cordobês, com Talleres e Racing sendo vices nacionais e o Instituto revelando Ardiles e Mario Kempes. O Albo tombou mais pela duríssima concorrência local em uma nova geração de ouro do país (o título mundial de 1978 foi repleto de jogadores do interior). Um dos jogadores que revelou na época foi Carlos Guerini Lacasia, filho daquele Guerini e sobrinho daquele Lacasia vices na Copa da República e que debutou em 1966.

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Guerini filho ainda no Juniors – seria tricampeão espanhol pelo Real Madrid nos anos 70; festa do colombiano Usuriaga e companhia no título da terceirona em 2000

Guerini filho era um ponta artilheiro que foi um dos primeiros que a Argentina convocou do futebol europeu (do Málaga, em 1973) e chegou a jogar até no Real Madrid, onde foi três vezes campeão espanhol. Como o Juniors não conseguia vaga no Nacional, ele também foi frequentemente requisitado para jogar o torneio emprestado aos rivais: defendeu ainda Belgrano, Racing e Talleres, além do Boca. Outros foram o centroavante Omar Roldán, quase levado à Copa 1978 quando estava no Vélez, e o meia José Luis Villarreal, um dos doze que conseguiram jogar pela seleção vindo tanto do Boca como do River.

Em meados de 1985, o Nacional foi extinto mas o campeonato argentino enfim foi nacionalizado, só que da segundona para baixo. Por outro lado, as ligas regionais despencaram em importância. Passaram a compor a base da última divisão, desprezadas por clubes que se encontravam em patamares acima. As outras quatro vezes em que o Juniors venceu a liga (1989, 1991, 1997 e 2003) vieram nessa fase. O grande momento veio mesmo em 2000, quando os albos venceram a terceira divisão.

O personagem mais conhecido do título do Torneo Argentino A de 2000 foi o colombiano Albeiro Usuriaga, protagonista dos bons momentos do Independiente em meados dos anos 90 (clique aqui), mas que vinha em baixa após fracassar em substituir Giovanni no Santos em 1996 e após dois anos de suspensão na Argentina por cocaína detectada em antidoping em 1997. El Palomo fez 7 gols, dois deles nos 2-2 do título, na rodada decisiva fora de casa contra o Douglas Haig, que já havia “roubado” nos pênaltis um possível acesso do Juniors dois anos antes. Naquele 26 de junho de 2000, o goleiro Daniel Amaya foi outro herói, pegando um pênalti – se o clube perdesse, não subiria.

A estadia alba na segundona foi o máximo que foi conseguido no campeonato argentino. Caiu já na temporada de estreia e a grande alegria do centenário foi justamente escapar de um rebaixamento da quarta divisão às ligas regionais. O episódio de destaque coube a um clássico com o Racing de Córdoba. Falamos a respeito no mês passado: clique aqui. E clique aqui para acessar o especial a respeito dos outros quatro grandes do futebol cordobês.

*Agradecimentos especiais ao amigo Esteban Bekerman.

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Torcedores albos no dia em que empurraram o GPJ a vencer o clássico com o Racing de Córdoba há dois meses

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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