Mesmo que o Racing perca hoje para o Tigre a Supercopa da Superliga, o caça-níquel tira-teima oficial entre os vencedores da Superliga e a Copa da mesma, não faltará motivação para festas à torcida blanquiceleste. Nesse 14 de dezembro se completam meia década da reafirmação racinguista na elite, com a conquista do time liderado por Diego Milito e Gustavo Bou no Transición 2014. E, sobretudo, se completam cem anos de uma marca ainda longe de ser igualada no país: o heptacampeonato consecutivo (garantido, por sinal, exatamente em duelo contra o Tigre, batido por 2-1), período que rendeu ao clube seu apelido de La Academia. Tratou-se, inclusive, de um recorde mundial só quebrado exatamente nesse 2019 em ligas de países vencedores de Copa do Mundo – a Juventus virou octacampeã na Itália, após só o Lyon ter, na França, igualado (em 2008) um hepta.
Alguns jogadores estiveram em todo o ciclo do hepta. São os casos de Francisco Olázar, meia que distribuía as bolas na elegância e no grito, chegara exatamente no início da série, em 1913. Saiu dez anos depois, vencendo ainda um oitavo título argentino pelo clube, em 1921. Foi técnico da Argentina na Copa de 1930. Nesse mesmo período os alvicelestes tiveram Armando Reyes na defesa. Foi quem mais defendeu a seleção como racinguista na época amadora, 20 vezes. Outro de todo o hepta foi o veloz ponta-esquerda Juan Perinetti, presente entre 1908 e 1920, participando inclusive do acesso à elite (pois todos os futuros grandes clubes do país, fundados já no século XX, precisaram começar na segundona, criada ainda em 1899, ou abaixo) em 1910. Era apelido de Llorón (“Chorão”) por se derramar em lágrimas quando o time perdia – sorte sua que jogava naqueles tempos.
Perinetti conciliava o Racing com seu outro amor, o Talleres da cidade de Remedios de Escalada, onde fora um dos fundadores: inclusive participou da conquista tallarin na segunda divisão em 1925, ano em que o Racing também foi campeão na elite, fato que rendeu um amistoso festivo de ambos. No hepta, integrara o melhor ataque do clube, ao lado dos dois maiores artilheiros da história do Racing: Alberto Ohaco, em primeiro, e Alberto Marcovecchio, em segundo. Ohaco esteve de 1908 a 1924 (aos 41 anos), também participando com Perinetti no título da segunda divisão de 1910. Foi o capitão naquele glorioso período, além de quatro vezes artilheiro do campeonato, algo que no profissionalismo seria superado apenas por Diego Maradona – que, vale ressaltar, jogava dois campeonatos ao ano.
Marcovio, por sua vez, foi duas vezes artilheiro da liga e pela seleção fez ótimos 8 gols em 11 jogos. Ele assinalou os dois gols racinguistas naquele 2-1 sobre o Tigre, resultado que garantiu o hepta com ainda três rodadas a se disputar. Outro daquela ofensiva foi o meia-esquerda Juan Hospital. Ficou de 1912-22 e vinha justo do rival Independiente. O Racing subira à elite em 1910, mas na campanha perdera o Clásico de Avellaneda. O gol foi de Hospital (que estreou na seleção ainda antes do ciclo, em 1912, com só 17 anos), que se apaixonou pelo rival e veio jogar nele dois anos depois. Essa anedota com Hospital não foi um caso único, conforme veremos a seguir, sobre particularidades dos seis títulos entre 1914 e 1919 – o inaugural da série, em 1913, já contou com um único Especial nosso e naturalmente abordou todos os homens acima: clique aqui.
1914 – a principal mudança para 1913 foi no gol. Carlos Muttoni pedira um auxílio de custo na tesouraria para adquirir chuteiras novas e, naquela época de amadorismo ferrenho, sua atitude foi encerada como um atentado às práticas amadoras. Assim, ele foi desligado e passou a jogar no Independiente. Foi o primeiro dos dois únicos que a seleção usou de ambos os rivais (o outro foi Gabriel Calderón, da Copa 1982). Como rojo, ele esteve no primeiro Brasil x Argentina, naquele ano: clique aqui. O substituto foi Arduino. O torneio foi disputado com o Estudiantes de Buenos Aires, só 2 pontos atrás. No confronto direto, 4-2 para o campeão, que venceu 11 dos 12 jogos e empatou o outro, marcando 42 gols e só sofrendo 7. Curiosidade: assim como o Brasil, o Racing também enfrentou o Exeter City, primeiro adversário da seleção brasileira. Venceu por 2-0.
1915 – chega do River o ponta uruguaio Zoilo Canavery. É mais um dos racinguistas da época a jogar pela Argentina (já em 1916, duas vezes, ambas ironicamente contra o Uruguai natal). Naquele ano, a Associação e a Federação Argentinas de Football, separadas em 1912, se reunificam e no campeonato mais cheio até então (e o primeiro com os futuros cinco grandes: o próprio Racing, Independiente, Boca, River e o recém-promovido San Lorenzo), com 25 times, o Racing tem sua campanha mais trabalhosa: empata em pontos com o San Isidro após ambos vencerem 20 dos 22 jogos e empatarem os outros dois.
Aquele ataque dos sonhos racinguista com Canavery-Ohaco-Marcovecchio-Hospital-Perinetti fez 95 gols e a sólida defesa de Reyes e Salvador Presta só sofreu 5, enquanto o concorrente marcou “só” 72 e sofreu “só” 12, respectivamente. O tira-teima é jogado já em janeiro do ano seguinte, vencido logo aos 6 minutos com gol de Marcovecchio à queima-roupa de Carlos Wilson, goleiro da seleção. Neste ano o clube obtém também sua personalidade jurídica.
1916 – ano do rebaixamento de Quilmes e Belgrano Athletic (que desativou seu futebol), dois últimos bastiões da outrora dominante comunidade britânica ao qual os títulos em série do Racing vinham suprimindo no futebol. As maiores ameaças ao penta foram o River, rival constante da época, e o surpreendente Platense. No meio dos 21 jogos, pela primeira vez desde 1913 a Academia perde na campanha: um 2-0 para o San Isidro e um 1-0 para o próprio Platense, mas ainda assim este termina como vice 4 pontos atrás – na época a vitória valia 2 e não 3 pontos.
1917 – Sai Canavery. Ele vai ao Boca e anos depois ao Independiente, onde já havia sido vice na liga da Federação em 1912. Ficaria mais ligado ao arquirrival, pelo qual foi campeão em 1922 e 1926 – o primeiro campeão em comum na dupla de Avelleneda. Por outro lado, chegam Natalio Perinetti, Pedro Ochoa (ambos de só 17 anos) e Marcos Croce. O trio seria campeão também nos títulos de 1921 e 1925, os últimos campeonatos argentinos vencidos pela Academia até 1949. Em 1917, o vice River fica 5 pontos atrás do pentacampeão, que só sofre 4 gols (todos como visitante) em 20 jogos.
Natalio era irmão de Juan, jogava na outra ponta e foi ainda mais ídolo, sendo o capitão nos anos 20. Jogaria até 1933 no Racing e foi o único membro do hepta a participar de uma Copa do Mundo, em 1930 (além de Olázar como técnico). Fez mais de cem gols no clube. O driblador Ochoíta, prata nas Olimpíadas de 1928, fez 91 e proporcionou muitos outros com assistências até deixar o Racing em 1931. Já Croce tinha só 23 anos, mas muita experiência: com 16 e mesmo sem origem britânica havia jogado no lendário Alumni, pelo qual foi campeão em 1910. Era o grande time antes do Racing até fechar o futebol em 1911. Vinha do Estudiantes de Buenos Aires e ficou até 1925, ano do nono e último título argentino do Racing na era amadora – que já vivia sob fachada essa pregação, pois Natalio Perinetti, satisfeito com a ajuda de custo recebida, chegaria a recusar oferta do já profissionalizado Real Madrid.
1918 – chega outro ex-Independiente, o atacante Albérico Zabaleta (pelo rival, marcara na vitória roja por 2-1 no primeiro clássico pela elite, em 1915, mas a escalação irregular de um colega deu no tapetão a vitória ao Racing), revelado nas categorias de base racinguistas. Seria duas vezes artilheiro do campeonato. Reúne média de 20 gols por ano: parou nos 99, em 1923, ano em que faleceu precocemente pela infecção de lesão adquirida contra o San Lorenzo, jogo onde não deixara de marcar – sua morte comoveu a todos e mesmo o Independiente se enluteceu, cancelando jogo que faria no dia.
Falando em mortes, o surto de gripe espanhola a partir de outubro, por mais que adiasse a Copa América para o ano seguinte, não impediu partidas do torneio até novembro, por mais que o o Racing já garantisse o hexa bem antes de sua última partida, um 4-0 no Estudiantes ainda em 13 de outubro. O torneio de 1918 marcou ainda o primeiro ano sem o volantão Ángel Betúlar, o então capitão. Um dos protagonistas do acesso em 1910, tinha bom arremate de longa distância e fez seus golzinhos em tiros livres. Mas o poderio racinguista era tamanho que, em novo título invicto (17 vitórias e 2 empates), o vice River fica simplesmente onze pontos atrás – ressaltando novamente, na época a vitória só valia 2 pontos.
1919 – inicialmente, parece que a taça ficará em Avellaneda, mas com o Independiente, líder com 14 pontos contra 11 do Racing após oito rodadas iniciadas em março, disputadas mesmo com nova onda de gripe espanhola no inverno. É quando ocorre um cisma. A associação argentina reconhecida pela FIFA é esvaziada, tendo em Boca e Huracán como clubes mais proeminentes a permanecerem. Os jogos de até então são todos anulados (o duelo contra o Huracán rendera inclusive uma curiosidade: um dos gols foi do goleiro Croce) e cada liga reinicia do zero o seu campeonato: no “oficial”, o Boca foi inclusive campeão argentino pela primeira vez, já adentrando no ano de 1920.
Já o Racing pôde recuperar o terreno no seu campeonato, vencendo nada menos que todas as suas treze partidas, desenroladas a partir de setembro. O vice foi um estreante na elite, o Vélez. As duas ligas se reunificariam em 1926, convalidando o caráter oficial do torneio que rendeu o hepta à Academia. Foi a segunda e última vez que um clube foi campeão na Argentina vencendo a todos – o outro foi o Alumni, que jogou só seis vezes em 1901. Uma delas, um 5-3 sobre o Sportivo Barracas, tem outra anedota: o Barracas era o clube do goleiro Muttoni, aquele campeão em 1913 que, dispensado, foi jogar no Independiente. Mas jamais deixara de amar o Racing e se negou a enfrenta-lo.
A série termina em 1920. Em um só campeonato, o Racing perde 5 vezes, exatamente o número de derrotas que tivera em todo o hepta (duas em 1913, duas em 1916 e uma em 1917). Ainda assim, é vice por só 2 pontos, com o River enfim desengasgando tantos duelos perdidos e sendo campeão pela primeira vez. Confira o histórico da concorrência entre eles clicando aqui. A Academia recupera a coroa em 1921, mas depois tarda até 1925 – quando é campeã invicta, embora só Croce, Ochoa e Natalio Perinetti àquela altura remanescessem da era dourada do hepta. Nela, o Clásico de Avellaneda ocorreu cinco vezes em jogos de campeonato, pois os rivais estavam em ligas separadas em 1913 e 1914. Desconsiderando-se a derrota revertida nos tribunais em 1915, o Racing só perdeu um (na última rodada em 1917, quando já havia garantido a taça) e venceu os demais.
Desde o hepta, o máximo que se conseguiu na Argentina foram tricampeonatos. O River se orgulha de ter feito isso mais do que ninguém, nos torneios anuais entre 1955-57 e depois com os dois torneios de 1979 (Metropolitano e Nacional) somados ao Metropolitano de 1980 e com o Apertura 1996 somados aos dois torneios de 1997 (Clausura e Apertura). Além do Millo, só o Racing também logrou – com o orgulho de ser o primeiro a fazê-lo, entre 1949-51. Série que quebrou um jejum pendente exatamente desde 1925 e que retratamos mês passado, nesse outro Especial.
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