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10 anos da grande emoção argentina na África do Sul: aquele gol de Palermo

A noite de 21 de junho de 2000 foi inesquecível a Martín Palermo. Dez anos depois, ela foi comemorada com um dia de atraso, com a data de 22 de junho de 2010 (que por sua vez faz dez anos hoje) sendo adicionada à mitologia do Titán, no dia em que por sinal se completavam 24 anos do 22 de junho de 1986 – a data em que Maradona eliminava a Inglaterra na segunda Copa do Mundo no México. Na África do Sul, era a vez de Dieguito ser o técnico. A convocação maradoniana pareceu pesar mais o coração do que a razão em certos nomes. E num mundial menos lembrado pela quantidade de gols e mais pelas emoções além do campo, tanto na animada seleção anfitriã executando dancinha tribal na entrada de campo e no primeiro gol como na sisuda Coreia do Norte e o choro de seu astro na execução do seu hino contra o Brasil, uma teimosia de Diego rendeu a grande catarse que a Albiceleste viveu sob a trilha de “Waka Waka”.

Palermo e Maradona tinham uma relação antiga. No Clausura 1996, com dois gols de El Loco, o Estudiantes bateu o Boca em La Bombonera por 2-1 na penúltima rodada (ironia histórica dupla, pois o gol boquense nos platenses foi de Verón!) e tirou de vez os auriazuis da briga pelo título que sempre escapou nos ciclos noventistas de Diego no clube do coração. O trauma de Maradona, reforçado por seis pênaltis perdidos ao longo do torneio, foi tanto que ele tirou um ano sabático. Quando voltou, para o que seria sua última temporada, pediu à diretoria xeneize que contratasse Palermo e assim começou a trajetória de um dos mais queridos jogadores do clube – com um carisma a causar afeição por vezes nada secreta até em rivais. Clubismo que muitos deixariam de lado também pelos baques, dentro e fora dos gramados, que Martín viria a ter.

Palermo não tardou a dar certo. Marcou inclusive o gol da vitória de virada em seu primeiro Superclásico, que ganharia contornos ainda mais históricos quando, dias depois, Maradona anunciou sua súbita aposentadoria – poeticamente, seu último jogo ficou sendo um Boca x River vencido na casa rival. O título no Apertura 1997 escaparia por um ponto apesar da campanha do Boca ser-lhe suficiente para dar-lhe o título em praticamente todos os outros torneios curtos (vigentes de 1991 a 2014), à exceção daquele e de outros cinco.

Após ser carrasco do sonho do Boca em 1996, Palermo foi exigido por Maradona para 1997

Desde 1976 o clube só pudera ser duas vezes campeão argentino, em 1981 e em um já longínquo 1992. Pois no embalo dos gols aos montes de Palermo, essa conta foi igualada de uma vez na temporada 1998-99, quando venceu-se tanto o Apertura (de modo invicto, algo inédito no Boca) quanto o Clausura, onde a invencibilidade chegou a um recorde profissional geral de 40 jogos, só interrompido justamente na rodada final – quando o time já havia assegurado por antecipação a taça e relaxou. Não à toa, o Boca foi a base da seleção caseira que Marcelo Bielsa testou na Copa América semanas depois. E ali começaram os problemas a Palermo, que enfim chegava à Albiceleste. El Loco virou piada mundial ao perder em um só jogo três pênaltis contra a Colômbia.

O faz-me-rir foi ainda maior no Brasil, tanto pela rivalidade como pela semelhança do sobrenome do atacante com um xingamento local sinônimo de idiota. As chances que ele teria para reerguer-se na seleção limaram-se no segundo semestre de 1999 com a primeira das graves lesões a lhe afetarem a carreira; estourou o joelho contra o Colón no Apertura. Na hora do jogo, a adrenalina era tanta que ele não só deu um jeito de seguir em campo como até marcou um gol já após a lesão. Mas depois foi preciso parar por longos seis meses. Até vir aquela data de 24 de maio de 2000. Boca e River se reencontraram pelas quartas-de-final da Libertadores.

Em Núñez, o Millo vencera por 1-0. Palermo não teria nem 20% de condições de jogo, mas Bianchi anunciou-o entre os relacionados para a partida da volta, gerando até piada do técnico rival Américo Gallego de que este tiraria Francescoli da aposentadoria para jogar também. Pouco depois de Riquelme, já no fim, converter um pênalti para assinalar um suficiente 2-0, Martín entrou em campo para os dez minutos finais. Tempo suficiente para que ele, nos acréscimos, conseguisse todo o tempo do mundo para “ajeitar desajeitado” um passe e emendar um tiro de misericórdia no coração millonario. O fim dos 3-0 foi apitado em seguida e enquanto Palermo era erguido às lágrimas, o comentarista Juan Pablo Varsky poetizava: “parece cinema, parece um conto de fadas. É uma partida de futebol”.

Assediado até por torcedor do River no início da Copa América 1999, tamanha a boa fase, viu tudo ruir contra a Colômbia. Os dez anos de ausência na seleção teriam sua redenção pelo gol dramático sobre o Peru em 2009

Uma semana depois, em 31 de maio, Palermo foi novamente acionado no 4-1 sobre o América mexicano no jogo de ida das semifinais, outra vez saindo do banco. No jogo de ida da final, foi uma substituição de intervalo. E no jogo de volta contra o Palmeiras, voltou a atuar nos 90 minutos. Essa foi a partida realizada em 21 de junho de 2000, completando ontem vinte anos. O Boca, após 22 anos, voltou a coroar-se campeão da América, e de quebra desempatou a contagem de troféus na Libertadores contra o River. A cereja: Palermo, diante dos brasileiros em solo brasileiro, converteu seu pênalti. Em Tóquio, o Boca desempatou outra contagem com o River, ao ganhar um segundo Mundial Interclubes. Com Martín marcando com cinco minutos de jogo os dois gols da vitória por 2-1 sobre o Real Madrid.

Tamanha exibição atraiu o futebol espanhol e El Titán partiu ao ascendente Villarreal para a metade final da temporada 2000-01. O faro seguiu apurado nos seus inícios no Submarino Amarillo. Mas qualquer chance de ser visto como outra opção a Batistuta ou Crespo (ausentes daquela Copa América de 1999 por opção de Bielsa em testar nomes caseiros) como centroavante na seleção rumo à Copa de 2002 ruiu no início da temporada 2001-02, quando uma comemoração de um gol seu no alambrado atraiu tantos torcedores que a grade caiu. Na queda e no soterramento, Palermo fraturou tragicomicamente a tíbia e o perônio. Ele eventualmente regressou, mas sem recuperar o nível ali e nem no Real Betis ou na segundona espanhola com o Alavés. No segundo semestre de 2004, foi reconstruir-se no seu Boca.

Os êxitos voltaram. Em 2004 e em 2005, o clube ergueria o bi na Copa Sul-Americana, tornando-se o maior vencedor desse torneio. Também veio um bi argentino na temporada 2005-06. E um bi na Recopa, nas edições ocorridas em 2005 e em 2006, quando os xeneizes, triunfando sobre o São Paulo, se tornaram o time mundial com mais Copas no Mundo. Palermo marcou no Morumbi semanas após perder seu filhinho Stefano, que não resistiu ao parto prematuro; ele já havia entrado em campo 48 horas depois da tragédia, em duelo contra o Banfield pelo Apertura 2006, para arejar a mente. Marcou um gol já nesse contexto, sem segurar as lágrimas, a ponto de ser consolado também pelos oponentes. O nome Stefano viraria a tatuagem braçal que ele beijaria a cada gol a partir dali.

Colocando o Boca acima dos gigantes: comemora com os gêmeos Barros Schelotto o Mundial de 2000, onde marcou no Real Madrid os dois gols do título nos primeiros 5 minutos. Em 2006, guardou sobre o São Paulo de “Zidanilo” na Recopa

Aquele belo Boca de Alfio Basile não bastou para Palermo ser considerado no ciclo para a Copa de 2006, e sim seus jovens parceiros Tévez e Palacio. Basile então assumiu a seleção após o bi na Recopa. E Palermo, seguindo em alta no Boca – com nova Libertadores inclusa, em 2007, agora para o desprazer do Grêmio – voltou a ser convocado, já em 2008, na esteira da campanha semifinalista na Libertadores daquele ano e da quebra do recorde profissional de gols do clube no campeonato argentino (marca até então de Francisco Varallo). Porém, antes que pudesse se apresentar para os jogos de setembro pelas eliminatórias, ele voltou a romper os ligamentos do joelho, em 24 de agosto; três dias depois, ao vencerem a Recopa em duelo caseiro contra o Arsenal, os colegas lhe dedicaram a taça, até hoje o último troféu internacional xeneize. Mas para a seleção Palermo parecia assunto acabado.

Maradona, porém, puxou o tapete de Basile ainda em 2008. Fazendo questão de testar inúmeros nomes ao invés de solidificar um time-base, esteve longe de melhorar os resultados da Argentina, que correu seríssimos riscos de não ir à África. Naquele 2009, Diego inclusive quebrou duas vezes o recorde de estreia veterana na seleção, ao chamar primeiramente Schiavi e depois Esteban Fuertes, ambos já com 37 anos. Assim, a reconvocação de Palermo, de 36, não causou tanta surpresa assim. Só dois jogadores tiveram hiatos superiores aos dez anos de intervalo que El Titán suportou na Albiceleste; todo esse tempo também fez dele o último dos quatro jogadores que atuaram na mesma equipe com Maradona e Messi. Tratou de corresponder à oportunidade, anotando – em impedimento, é verdade – o gol agônico sob chuva torrencial no Monumental nos acréscimos da penúltima rodada, contra o Peru, dando a vitória logo depois dos visitantes terem empatado.

Ou, do jeito lírico assinado pela pena de Antonio Vicente Serpa à Revista ESPN: “confusão, uma voz, um grito, dois, três. Gol. Gol. Gol da Argentina. Dois garotos com paralisia cerebral esperam sob uma cobertura, cada um em sua cadeira de rodas, no portão de saída. Quase não conseguem se mexer, mas se olham e gritam. São sons desesperados, guturais, ininteligíveis, gritos que brotam das entranhas de duas almas sofridas que, de repente, têm um motivo para ser felizes. Choram, e como não haveriam de chorar? No campo, San Martín Palermo, o Libertador da América, acaba de realizar outro de seus milagres ao colocar o pé esquerdo em uma bola caprichosa que vinha quicando entre pernas como em um fliperama. Palermo está encharcado. Sai sangue de seu nariz golpeado. Ele também chora. Abre os braços, olha para o céu encoberto e beija o antebraço esquerdo tatuado com o nome do filho Stefano, que nasceu prematuro e poucas horas depois subiu a esse mesmo céu”.

El Gráfico registrando o apoio de La 12 e de um leitor a Palermo. Notem também o escracho da torcida do River contra Gallardo…

A Argentina ainda precisaria empatar na rodada final contra o Uruguai no Centenário, mas ao menos já se garantia em uma repescagem. Sem dar margens ao azar, os hermanos quebraram um tabu de décadas sem vencer o clássico em Montevidéu, em gol de Bolatti. Palermo, em paralelo, entrava em rota de colisão com o antigo parceiro Riquelme pela liderança no vestiário do Boca, algo escancarado no que deveria ser um momento festivo – quando, em abril de 2010, uma assistência de Román permitiu a Martín isolar-se como máximo artilheiro geral boquense (superando agora Roberto Cherro); na única alegria que a torcida teve em um torneio pobre, El Loco fez menção de ir agradecer o desafeto, mas o meia virou-se de lado de antemão e celebrou à parte.

La 12 não se opôs a Palermo, ao contrário: a edição de abril de 2014 noticiou inclusive uma faixa da barrabrava exaltava o atacante (que chegara a visitar na cadeia o chefão Rafael Di Zeo) como “o único herói nessa bagunça”, em ataque a colegas que, diferentemente dele, não aceitavam serem extorquidos pelos mafiosos – muitos deles exigindo dinheiro para acompanharem presencialmente a Copa do Mundo. A título de curiosidade, a mesma nota noticiava que em faixas exibidas no Monumental a barrabrava do River voltara-se (veja-se só!) contra Gallardo, acusando-o de “golpista”, como se houvesse tramado a queda do técnico Astrada, embora o pano de fundo fosse a recusa do Muñeco em financiar a viagem sul-africana dos vagabundos.

Em paralelo, na mesma edição a revista  já palpitava mensalmente sobre a convocação de Maradona à Copa. E, Palermo figurava entre os 18 nomes que “vão com certeza” à Copa do Mundo, junto a Romero, Andújar, Demichelis, Heinze, Samuel, Otamendi, Burdisso, Clemente Rodríguez, Mascherano, Di María, Verón, Jonás Gutiérrez, Tévez, Messi, Agüero, Higuaín e Diego Milito. Esse núcleo foi rigorosamente mantido na edição de maio, o mês anterior à convocação. E, de fato não houve nenhum erro nesses nomes. Martín, inclusive, fez até uma publicidade da Gillette trajado de jogador da seleção, onde chutava a bola de um arranha-céu para acertar o gol plantado em outro no bairro portenho de… Palermo, claro. Nove anos antes de atuar como sequestrador na propaganda argentina para a 3ª temporada de La Casa de Papel, na qual um dos anti-heróis (um personagem argentino interpretado pelo também argentino Rodrigo de la Serna) leva exatamente o codinome de Palermo.

A publicidade de Palermo marcando um gol real de um arranha-céu a outro… no bairro de Palermo

De igual modo, ninguém categorizado entre os que “correm por fora” à altura de maio foi mesmo chamado; eles eram Cambiasso, Braña, Lucho González, Coloccini, Monzón, Banega, Carrizo, Forlín, Papa, os dois Insúa (Emiliano e Federico), Campestrini, Daniel Díaz, Gaitán, Salvio, Blanco, Boselli, Enzo Pérez, Hauche, Schiavi, Canuto, Insaurralde, Ansaldi, Aimar, Méndez, Lisandro López, Bergessio, Erviti, Caruzzo e Moralez. No máximo, três deles figuraram na pré-convocação, casos de Coloccini, Blanco e Insaurralde. Havia ainda o pelotão intermediário dos que “estão no páreo”, que em maio se resumia a José Sosa, Pozo, Angeleri, Pareja, Lavezzi, Zanetti, Maxi Rodríguez, Bolatti, Dátolo, Gago, Pastore e Mercier. Quatro nomes da lista final saíram dali (Pozo, Maxi, Bolatti e Pastore), enquanto outros quatro estiveram na pré-listagem (Sosa, Lavezzi, Dátolo e Mercier).

A grande surpresa foi a convocação de Garcé, vista como a presepada-mor da lista. Mas havia quem questionasse Palermo também, na seção de cartas da revista em maio. Um certo leitor de nome Santiago Cuevas dizia sobre Maradona que “se é verdade que vai levar seis atacantes, creio que se equivoca. O mais lógico seria que leve cinco, já que vai jogar com dois e, em um caso de urgência extrema, com três em algum momento de uma partida. Se leva seis atacantes, quer dizer que pensa em sete volantes, o qual é pouco para o setor mais sofrido da equipe. Sem dúvida, deveria levar dois jogadores para cada posto do meio, isto é, oito volantes. Tomara que Diego reflita e não tenha o capricho de levar Palermo para que sejam seis atacantes. Agradecemos a Martín pelo gol contra o Peru e sua contribuição para que a Seleção esteja na África do Sul, mas está longe do nível dos outros cinco atacantes (Tévez, Messi, Higuaín, Agüero, Milito) e que outros colegas (Boselli, Licha López). Se eu fosse Maradona, deixaria Palermo fora e levaria outro volante”.

Como se sabe, Maradona levou mesmo seis atacantes, pior em especial para Lavezzi. Para a edição de junho, porém, já havia uma carta mais otimista, eleita inclusive a do mês, assinada por um tal Cristian Blasco: “através de vocês queria agradecer a Martín Palermo. Tenho 18 anos e sou torcedor do Boca desde que tenho memória por decisão própria, já que nem meu pai nem minha mãe são Boca. Cresci com o Palermo goleador, esse Palermo que nunca deu uma bola por perdida, esse Palermo que nunca baixou os braços, esse Palermo que sempre deixou tudo. Obrigado, Martín! Porque cada gol teu foi uma explosão na minha boca, uma felicidade que parece eterna, não importa se é o quinto de uma goleada ou o desconto de um jogo que perdemos. Cada grito teu foi mágico, único e especial”, começava.

A euforia infantil do veterano ainda na El Gráfico anterior ao jogo contra a Grécia

Ao fim, sobre o gol contra o Peru, o leitor concluía: “chorei, chorei muito, porque me dei conta de que és um lutador na vida. Obrigado, Martín, porque por esse gol estamos na África do Sul. Obrigado, porque já ninguém pode dizer nada contra você. Esse foi o gol que mais gritei, mas ainda faltam mais. Teu melhor gol irás fazer na África do Sul, eu sei. E saiba que quando chegue esse dia, não só você estará chorando. A quilômetros de distância há um garoto de 18 anos que vai te estar desejando o melhor, gritando igual a Víctor Hugo: ‘obrigado a Deus, pelo futebol, por Palermo, por estar lágrimas’…”. A frase final é uma referência à mais célebre narração do gol que Maradona driblou meia Inglaterra em 1986, justamente em um 22 de junho, veja-se só.

Veio a Copa. Nos dois primeiros jogos, Maradona usou o tridente de Messi com Tévez e Higuaín na escalação inicial e Agüero como reserva imediato. A classificação antecipada veio. Na edição especial após a segunda partida, Palermo foi então entrevistado. “O atacante busca desfrutar cada instante que passa na África do Sul. Aos 36 anos se lhe deu a oportunidade única de viver um Mundial e só pensa em gozar todo o tempo possível” foi a legenda da foto que acompanhava a notinha, que por sua vez se encerrava com o seguinte parêntese: “o goleador histórico do Boca tem o sorriso talhado na cara durante as 24 horas”. As perguntas foram se desejava fazer outro gol dramático como contra os peruanos e se podia comparar-se a nova experiência às que vivera no Boca.

“Há, é lindo que tenham fé em ti, mas eu espero que não se repita uma situação assim, sofremos demais naquele dia. Por ora desfruto cada minuto que estou na África do Sul, estou vivendo plenamente (…). Não, de verdade. Se me dizem que vou poder meter um só gol no Mundial, não escolheria um momento determinado. Me conformo que sirva para ganhar um jogo da fase que seja” foi a resposta à primeira dúvida. À outra, replicou que “representar teu país em um Mundial é o máximo. Não tem comparação com toda a glória que alguém pôde conseguir no Boca, que por sorte é muita. São coisas diferentes, que estão em outro patamar. Não se compara com nada do que tenha vivido antes na minha carreira”.

Emocionar de uma vez Messi e Maradona no mesmo ambiente foi para poucos

Já classificado contra a Grécia, Maradona descansou Tévez e Higuaín, usando Agüero e Milito no tridente titular com Messi. Após Demichelis abrir o placar já no minuto 77, então, Diego se permitiu a bancar o amigo para os dez minutos finais, no lugar do inoperante Milito, o que já era suficiente para levar às lágrimas um irmão mais velho de Palermo focado nas arquibancadas de Polokwane pelas câmeras; dos jogadores de linha, só o atacante e o questionado Garcé ainda não haviam saboreado o gramado da Copa. Bastou. Até hoje, o veterano é o argentino com menos minutos em Copa a poder deixar um golzinho. A magia veio no minuto 89. Messi, que amargaria um Mundial inteiro sem vazar as redes e já sentia essa cobrança àquela altura, não titubeou em fuzilar a Jabulani no goleiro grego.

Não bastou, mas até La Pulga, um pré-adolescente quando Palermo errou os três pênaltis, brilhou os olhos com a sequência do lance: o rebote da pancada chegou providencialmente ao Titán, que com um chute colocado de primeira anotou o 2-0 para aquele quase quarentão comemorar feito criança incrédula com um presente desejado, mas inesperado. Messi vibrou como um gol seu e Maradona, mais ainda, ao abraçar os assistentes Héctor Enrique e Mancuso antes do encontro com o amigo. Pouco mais de dez anos depois do jogo de futebol que não foi filme nem conto de fadas, o comentário certeiro (agora, de Fernando Niembro) era “aqui, senhores, o penúltimo capítulo da história de Palermo. Nunca se escreve o último”, presente no vídeo que encerra essa matéria. Na edição especial pós-jogo contra o México, a El Gráfico reservou-lhe espaço para um monólogo. Eis alguns trechos:

“É impossível convencer a todos, conseguir uma idolatria unânime. Mas ultimamente, depois do gol no Peru, se reverteu um pouco todo o feio que vinha me passando ao redor da seleção e o carinho e o afeto foram massivos. Sinto o reconhecimento e o respeito do torcedor argentino, não só o do Boca ou Estudiantes. (…) Foi o gol mais importante da minha carreira. Porque foi em um Mundial com a camisa da seleção, que é a máxima satisfação para um jogador. Teve o adicional de ter sido a essa altura da minha carreira, depois de não ter podido estar em nenhum Mundial quando era mais jovem. Vivi algo único e o agradeço às pessoas, a meus companheiros e ao corpo técnico. Foi como se o gol fosse feito por todos os argentinos, algo sonhado”.

Cabeceio certeiro: assim Palermo marcou tanto no seu primeiro Superclássico (que marcou a despedida de Maradona) como no último (contribuindo para o rebaixamento do River). É dele um recorde mundial de distância de um gol de cabeça, aliás

Prosseguindo, Palermo frisou que “ocupar um lugar entre os 23 significa estar pronto para tudo: jogar, apoiar de fora, dar a vida nos minutos que me calhe entrar. O Mundial se percorre passo a passo. É algo único. Troco qualquer situação anterior da minha vida esportiva por levantar a Copa. (…). Não me sinto um estranho, embora esteja ao lado de grandes figuras mundiais e sei qual é meu lugar dentro do grupo. Tenho grandes atacantes à frente, mas também conto com a confiança de Diego. Se me dá 10 minutos, são para que jogue a vida, como ocorreu contra a Grécia. Nunca vou terminar de lhe agradecer o momento que estou vivendo, depois de ter estado dez anos fora da seleção. Apostou em mim. (…) Me interessa deixar uma boa imagem para todos os garotos que se espelham em mim”.

E, de fato, haveria mais capítulos. Se não no Mundial, ao menos, na temporada pós-Copa, a última da sua carreira. Não teve troféus, mas Palermo contribuiu com o rebaixamento de dois rivais: o coletivo, ao marcar o único de seu último Superclásico, em vitória decisiva para o River não se livrar da fatídica repescagem; e participou diretamente de um gol no finalzinho de sua última partida – nada menos que na La Plata natal no duelo contra o rival pessoal, o Gimnasia, que precisou desgastar-se com um jogo-extra contra o Huracán para então também disputar uma repescagem fatal. Na rodada anterior, quando o Vélez assegurou o título do Clausura 2011, o Olé não teve dúvidas em como deveria ser a capa: a lacrimejante despedida do Titán de La Bombonera (no duelo contra o Banfield), sob a legenda “perdão, Vélez”.

Meses depois, a El Gráfico lançou uma edição especial onde escolheu os cem maiores ídolos da seleção. Além dos cem perfis eleitos, houve uma seção à parte destinada aos “heróis fugazes”, gente que se eternizou brilhando intensamente por um momento, a exemplo de Medina Bello como artilheiro das eliminatórias à Copa de 1994 ou as atuações de Roa e Claudio López em 1998. A seção fechava com a comemoração de Martín, com a legenda “a história de Martín Palermo na seleção: três pênaltis errados em um jogo, grito salvador nas Eliminatórias 2010 e um gol em seu único jogo em Mundiais”.

A revista mencionada no parágrafo final

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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