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Kirchnerismo e o Futebol

Os sete anos de mandato de Nestor-Cristina Kirchner produziram uma importante mudança no futebol argentino. Essa mudança se produziu na questão dos direitos de televisionamento das partidas da primeira divisão do campeonato nacional de futebol. Mas a mudança não ficou só nisso: as conseqüências dessa transformação acabaram por afetar outros elementos do futebol nacional.

Até meados de 2009 o grupo Clarín, em parceria com a TyC Sports detinham o monopólio do campeonato nacional. O canal TSC possuía exclusividade, obrigando os hinchas a pagarem duplamente para ver futebol nacional (pelo pacote de TV a cabo, e pelo canal). Mesmo assim não havia garantia de ver o jogo do seu time, já que nem todos os jogos eram transmitidos.

E havia mais. Além das partidas, ver os gols também não era tarefa simples. Os detentores dos direitos só liberavam os veículos para mostrarem qualquer imagem das partidas após a exibição do programa “Futbol de Primera”, no canal 13 (do grupo Clarín). Como o programa só passava nas noites de domingo, era só aí que os gols eram vistos pelos que não pagavam duplamente (eram apenas 800 mil assinantes, em um país de 40 milhões de habitantes). E só depois poderiam ser vistos em outros lugares.

Em meados de 2009 apareceu a chance para a interferência governamental. Atolados em dívidas, os clubes e a AFA quiseram renegociar os contratos, pedindo um aumento de 50 para 150 milhões de dólares nos direitos de transmissão. O grupo Clarín argumentou que tinha um contrato assinado até 2014, e que não via razão para qualquer mudança. Com o aval dos Kirchner, o contrato foi rompido unilateralmente.

O governo então pagou o que os clubes pediram. O campeonato nacional passou a ser exibido no Canal 7, a TV Pública, sem qualquer cobrança. Mais que isso, todos os jogos são transmitidos, com os gols das partidas anteriores sendo exibidos em todos os intervalos das partidas. O lema da nova equipe de transmissão não poderia ser mais explícito para demonstrar a dimensão política da mudança: Futbol para todos.

Evidentemente não faltaram críticas a isso tudo. Muitos argumentaram que era dinheiro demais para ser gasto com futebol. Há os que atacam a própria equipe do canal (recheada de peronistas), enquanto lamentam o fim do premiadíssimo Futbol de Primera, antigo campeão de audiência. Tudo com o patrocínio entusiasmado dos veículos do grupo Clarín (que incluem o jornal de mesmo nome, o diário Olé!, a rádio Mitre e os canais LN e 13, o segundo de maior audiência; os profissionais de todos esses veículos tem a expressa proibição de elogiar qualquer aspecto relacionado ao Futbol para todos).

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Mas há os defensores do projeto kirchnerista. O mais importante é o narrador Victor Hugo Morales, da rádio Continental, o mais popular do país. Vinculado informalmente ao peronismo, Morales passou a defender a mudança em seu programa, argumentando que o futebol havia sido democratizado, e isso era importante para o país. O uruguaio era importante demais para ser penalizado por sua postura, mas seu comentarista, Alejandro Apo, foi demitido por expressar opiniões semelhantes (hoje, previsivelmente, integra equipe de esportes do canal 7)

Outros veículos de imprensa, menos reticentes ao projeto kirchnerista (como a Fox Sports e a Telefe, a lider de audiência na TV aberta), abriram as portas para os defensores do projeto. Grandes rivais do Clarín e agradecidas por terem direito a exibir os lances das partidas quando desejassem, esses canais se transformaram em defensores do Futbol para todos.

Os defensores do projeto dizem que o Futbol de Primera só era campeão de audiência graças ao monopólio, e que seus jornalistas não eram de fato populares (o fato de o programa ter acabado logo após a perda da exclusividade foi um importante argumento). Mas a discussão mais importante talvez seja sobre a legitimidade da intervenção governamental em algo que é visto como assunto comercial entre empresas.

Os kirchneristas argumentam que a situação anterior era um grave caso de monopólio. Que era ainda mais intolerável por impedir que a grande maioria das pessoas tivesse acesso à sua maior paixão. Que todos os países devem proteger seu patrimônio, como o futebol para os argentinos. Segundo os Kirchner, sua ação contribuiu para fortalecer a democracia no país vizinho.

Trata-se de um debate muito interessante. Diz respeito ao conceito de democracia e de patrimônio nacional. E já que estamos a horas de uma eleição presidencial, talvez valha a pena perguntar: voce tem alguma idéia do que seu candidato pensa sobre isso?

Tiago de Melo Gomes

Tiago de Melo Gomes é bacharel, mestre e doutor em história pela Unicamp. Professor de História Contemporânea na UFRPE. Autor de diversos trabalhos na área de história da cultura, escreve no blog 171nalata e colunista do site Futebol Coletivo.

3 thoughts on “Kirchnerismo e o Futebol

  • Alone A.

    Parabéns ao Governo eles estão mais que certos em fazer isso afinal futebol é democratico e não deve ser só para um ou outro tem que ser pra todos !

  • Hirlan Iglesias

    Parabêns pela coragem do governo argentino.

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